quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

António Quadros e os animais

"Um dia, quando tinha quatro ou cinco anos, entrou na cozinha. Apesar das minhas recomendações, a Maria do Porto estava completamente proibida de matar fosse o que fosse em casa. Mas teimosa como era, um dia comprou uma galinha viva e matou-a em cima da mesa da cozinha no momento exacto em que o António entrou. Quando viu a galinha a espernear e a mesa coberta de sangue, teve um choque tão grande que, aos gritos e desfeito em lágrimas, se agarrou às saias da Maria, dando-lhe murros nas pernas com as suas mãozinhas crispadas. Eu peguei nele ao colo, levei-o para o quarto e comecei a dizer coisas à toa, coisas sem sentido que não serviam para nada, pois, de facto, não sabia verdadeiramente como fazê-lo compreender e aceitar aquela atrocidade. A certa altura, como supremo argumento, disse-lhe que a galinha estava muito velha, muito doente e que mesmo as pessoas quando estão muito velhas e muito doentes têm de morrer. Ele então olhou-me com os seus grandes olhos azuis marejados de lágrimas: - Morte morrida, sim, morte matada, não!"

Fernanda de Castro, Ao Fim da Memória, vol. I, pag. 279

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Algo de novo

"O aparecimento do jornal 57 e o conjunto das iniciativas que lhe estiveram associadas significou algo de novo na vida cultural portuguesa, onde, pela primeira vez, a reivindicação da autonomia nacional se fazia a partir de uma perspectiva essencialmente filosófica. O facto de o movimento reunir, para além de algumas personalidades conhecidas, um notável conjunto de jovens, boa parte deles quase inéditos, prestou-se a que - à imagem do que acontecia com outros grupos de intelectuais - se tivesse começado a falar no 'grupo da filosofia portuguesa'. O certo é que, não obstante as mudanças que o tempo propicia, com a progressiva afirmação da individualidade de cada um, os homens da filosofia portuguesa constituíram porventura o conjunto mais dinâmico e coerente de quantos animavam a vida cultural portuguesa, numa diversificada manifestação de criatividade que ia desde a poesia, o teatro e a novela, ao cinema, à conferência, ao jornalismo e ao ensaísmo filosófico."

Joaquim Domingues, «Às novas gerações da filsofia portuguesa» in No signo do 7: 150 anos de filosofia portuguesa: actas dos colóquios. Coord. ed. Guilhermina Ruivo, Maria José Albuquerque, Pedro Martins.  Sesimbra: 2008.
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Joaquim Carneiro de Barros Domingues, mais conhecido por Joaquim Domingues, nasceu na cidade do Porto, no dia 9 de Abril de 1946. É professor, ensaísta e um dos principais investigadores da obra de Álvaro Ribeiro e Sampaio Bruno. Entre 2000 e 2005 editou a revista Teoremas de Filosofia.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Colóquio "A Obra e o Pensamento de António Telmo"


O Instituto de Filosofia Luso-Brasileira promove, dias 14 e 15 de Fevereiro, no Palácio da Independência em Lisboa, o Colóquio "A Obra e o Pensamento de António Telmo".

Programa14 de Fevereiro, 2ª feira

10h00: Sessão de Abertura
António Braz Teixeira

11h00: Comunicações
Joaquim Domingues, «António Telmo: o homem e a obra»
Abel de Lacerda, «Um olhar de António Telmo na simbólica de Prestes João»
Roque Braz de Oliveira, «António Telmo e os caminhos da hermenêutica»
Carlos Vargas, «A ironia em António Telmo»

13h00: Intervalo para almoço

14h30: Comunicações
Paulo Teixeira Pinto, «Portugal sem segredos»
Mário Rui, «António Telmo e as Três Tradições do Livro»
Manuel Gandra, «Linhagem seminal e espiritualidades bastardas – finais de todos os tempos e no contexto lusíada»
Luís Paixão, «O número 8 na obra de António Telmo»

16h30: Intervalo para café

17h00: Comunicações
António Carlos Carvalho, «Os nomes de António Telmo»
Cynthia Taveira, «António Telmo e a inversão dos candelabros»
Rui Lopo, «Significado e Valor da Filosofia em António Telmo»
Pedro Martins, «António Telmo e Luís de Camões»

19h30: Jantar no Círculo Eça de Queiroz. Inclui, a partir das 21h, apresentação de uma obra inédita de António Telmo, por Nuno Nazareth Fernandes.


15 de Fevereiro, 3ª feira

11h00: Comunicações
João Cruz Alves, «Testemunho sobre um homem novo»
António Quadros Ferro, «Correspondência entre António Telmo e António Quadros»
Elísio Gala, «Língua e Pátria»
Renato Epifânio, «A ideia de Pátria em António Telmo»

13h00: Intervalo para almoço

14h30: Comunicações
Carlos Aurélio, «Religiosidade e razão poética em António Telmo»
Paulo Borges, «O último texto de António Telmo: "O acabar da história [...] bruscamente engolida pelo nada que essencialmente é"»
António Cândido Franco, «António Telmo e o Surrealismo»
Rodrigo Sobral Cunha, «O viajante»

16h30: Intervalo para café

17h00: Testemunhos
Manuel Ferreira Patrício
Pedro Sinde
Paulo Santos
Pedro Ribeiro
Pinharanda Gomes

António Telmo Carvalho Vitorino nasceu em Almeida, Beira Alta, a 2 de Maio de 1927. Foi, a convite de Agostinho da Silva e Eudoro de Sousa, durante três anos, professor de Literatura Portuguesa na Universidade de Brasília. Mais tarde, dirigiu a Biblioteca de Sesimbra e leccionou a disciplina de Português em Estremoz. Publicou, entre outras obras, Arte Poética (1963), História Secreta de Portugal (1977), Gramática secreta da língua portuguesa (1981) e Filosofia e Kabbalah (1989). Morreu no dia 21 de Agosto de 2010.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Nem mestres nem discípulos

“Onde não havia mestres nem discípulos, mais valia permanecermos imunes ao que restara da triste corrosão do tempo e do persistente veneno positivista. Mais tarde, a nossa suficiente classificação final deixou-nos livres para fazermos, fora da Universidade, o verdadeiro curso universitário que nela não encontrámos.”

António Quadros, «O Espírito da Cultura Portuguesa», (1967), p. 246

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Livros do Desassossego


"Nesta nova organização que ora apresentamos ao público, fica convenientemente respeitada, não a unidade do Livro [...] mas a sua realidade plural, consistindo esta realidade em não haver um, mas dois Livros do Desassossego: o de Fernando Pessoa ele próprio, simbolista, decadentista, transcendentalista, neo-romântico; e o de Fernando Pessoa-Bernardo Soares, ainda nalguns aspectos simbolista, também em muitos aspectos decadentista, mas fundamentalmente divagante, sonhador, coloquial, diarístico, confessionalista, homem comum, pequeno empregado comercial a sonhar com o infinito do seu quarto andar da Rua dos Douradores."

António Quadros