sábado, 23 de novembro de 2013

São os vícios definidores da nossa época


"Mau grado a sua preferência pela poesia, pelos textos de reflexão sobre variadas matérias ou mesmo pela literatura dramática, Fernando Pessoa também se sentiu atraído pela literatura de ficção, nomeadamente pelo conto, pela novela ou por um memorialismo semi-verdadeiro e semi-fingido, qual o que caracteriza a sua obra de maior fôlego em tais domínios, o Livro do Desassossego (...) O Romance, propriamente dito não o tentou, por razões análogas às do seu grande contemporâneo, o poeta Paul Valéry (...) Pessoa foi mais longe, no seu repúdio da fórmula romanesca. A mesquinhez, a estreiteza imaginativa, disse, são os vícios definidores da nossa época. O Romance, visando precisamente exprimir a nossa época, torna-se assim o conto de fadas de quem não tem imaginação. (...)"
António Quadros
Obra em Prosa de Fernando Pessoa | Ficção e Teatro
Livros de bolso Europa-América (1986) p.13

No coração


"No coração desta casa cheia de sonos, o queixume subiu lentamente, como uma flor nascida do silêncio. (...)"
Albert Camus
«O Estrangeiro» (s.d) Livros do Brasil, p.55
Trad. António Quadros

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O ser em si


"Tem ou não tem o sentimento saudoso um objecto? Se tem, qual é esse objecto? Serão os entes queridos, desaparecidos ou ausentes, a terra distante, o passado individual já vivido ou, através deles e neles, o próprio ser ou a plenitude do ser do homem ou no homem? (...) Pode a saudade ser metafisicamente concebida como sentimento de ser pleno e perfeito no ser imperfeito, como sentimento de privação de uma perfeição perdida ou devida? Se assim for, que relação pode estabelecer-se entre ela e a ideia de queda ou cisão? A esta última interrogação uma outra estreitamente se liga, a que inquire sobre as subtis relações entre a saudade e o mal, já que ambos parecem ter na queda  ou cisão a sua origem. (...) 
Tendo agora em conta o ser da própria saudade, parece apresentar ela um duplo sentido, que a variação semântica revela ou confirma, quando, tanto em português como em galego, ela nos surge como suídade (p.e., em D. Duarte), quer como siudade (na poesia de Rosalía de Castro) ou como soedade ou soídade (na poesia de Lamas Carvajal ou de Manoel António). 
Assim, por um lado, a saudade será solidão ou solitude, ensimesmamento e contemplação, representação ou evocação de um tempo passado, se bem que ensimesmamento dinâmico e projectivo, e, por outro, será o que é próprio do ser ou o ser em si.
Ainda no domínio propriamente ontológico, a três outras essenciais interrogações dá lugar a saudade. Reporta-se a primeira a saber se é legítimo afirmar que, na saudade, o ser se apresenta não apenas como ideia ou conceito mas como realidade, simultaneamente imanente (...) e transcendente.
Quanto à segunda, traduz-se ela em perguntar se, nascendo a saudade do amor e ausência e compondo-se de lembrança e de desejo ou esperança, implicará, ou não, consubstanciamente, um impulso religativo ou unitivo.
Por seu turno a terceira interrogação visa inquirir se e em que medida pode a filosofia da saudade proporcionar uma nova visão ou propor uma nova solução dos problemas do mesmo e do outro e do uno e do múltiplo. (...)"

António Braz Teixeira
A Filosofia da Saudade, Quidnovi (2006) pp.17-18

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Nos centenário de Albert Camus


"Figura de referência na Literatura do Século XX, Camus é autor de uma vasta obra que inclui, entre outras títulos, O Estrangeiro (adaptado ao cinema, em 1967, por Visconti), A Peste, O Homem Revoltado, O Mito de Sísifo, Os Justos, O Exílio e o Reino, A Queda e Cartas a um Amigo Alemão (com um desenho de capa por Lima de Freitas), todos editados pelos “Livros do Brasil”, muitos deles traduzidos em português (nomeadamente por António Quadros, Urbano Tavares Rodrigues, José Carlos Gonzalez e Virgínia Motta), sendo que alguns incluíam notáveis e pioneiros Prefácios ou Estudos originais no nosso País (especialmente no caso de António Quadros), versões, em tradução, das respectivas introduções às edições francesas (como a de Jean-Paul Sartre para O Estrangeiro, traduzida por Rogério Fernandes, a de Jean Sarochi para A Morte Feliz, e a de Paul Viallaneix para Cadernos II/Escritos de Juventude), ou outras sugestivas explanações (como a do posfácio de Liselotte Richter a O Mito de Sísifo). (...)"

Eduardo Ferraz da Rosa
Azores Digital, 8 de Novembro de 2013

(*De referir que os Cadernos foram co-traduzidos, cabendo a segunda parte, salvo erro ou omissão, a António Quadros)

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Toda a alma


"[António Quadros] põe à literatura e à arte dos nossos dias a exigência de significado responsável. A arte, como a vida, não é coisa lúdica, só interessa ao nosso presente e só merece perdurar quando nela todo o homem se empenha, toda a alma se joga ou o melhor do nosso pensar se interroga. (...)"

José Marinho
Colóquio Artes e Letras, nº.9, Junho 1960

domingo, 10 de novembro de 2013

Sonetos da verdade

Livro oferecido por Miguel Reale a António Quadros
com carta datada de 29.4.1988
A poesia é pena sem castigo
ou remorso sem sombra de pecado,
um amor solidário a toda a gente
que doi desde a medula dos teus ossos.

Poesia é um cantinho solitário
ou espuma de existência transbordante,
uma pluma que beija o quotidiano
ou uma chaga de luz não sei onde.

Poesia é caminho para o exílio
com saudade da terra de partida
quanto mais perto da terra prometida,

Mas é também o derradeiro auxílio
que nos torna melhores de repente
ao percebermos que ela é a semente.

Miguel Reale
Sonetos da Verdade, Editora Nova Fronteira (1984), p.96

Diálogo do Jardim


"Afonso. - A presença da estátua branca de Antero parece que vos inclina hoje mais ainda do que de costume para o devaneio poético. Nunca supus que o problema de saber se a filosofia é ou não ensinável acabaria por ser posto por vós nestes termos românticos. De degrau em degrau, acabareis por sustentar que a filosofia pode e deve ser associada ao leite condensado do bebé de berço... (...)"

Sant'Anna Dionísio
Diálogo do Jardim (1960), p.12

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Origem e regresso

Afonso Botelho
"Assim, ao conferir à morte a natureza de mistério e ao ver nela o ponto de partida ou o princípio do conhecimento, ultrapassa-se toda a limitação e dá-se ao conhecimento toda a riqueza que nele se oculta. Pensar a morte (...) implica pensar uma dupla relação - a relação vida-morte e a relação morte-imortalidade. (...) Deste modo, a teoria da morte, tal como Afonso Botelho a pensa, pressupõe, necessariamente, uma teodiceia (...) A teoria do amor, que o filósofo considerava inseparável e complementar da teoria da morte, funda-se num original fundamento ontológico: a doutrina do «ser em canto ser» (...)"
António Braz Teixeira
A Filosofia da Saudade (2006), p.64