terça-feira, 29 de junho de 2010

António Quadros sobre António Manuel Couto Viana (1923-2010)

"[...] Sem ambiguidades, Couto Viana vê o 25 de Abril e o período subsequente como a época da catástrofe, que precipitou o país para a decadência e para a proximidade da morte. Sem ambiguidades, afirma-se nacionalista, sebastianista e monárquico. Mas é chegado o momento, cremos, de os adversários e os oponentes se ouvirem uns aos outros. Uma voz como a de António Manuel Couto Viana tem de contar para a força das coisas porque exprime, mais do que a sua própria emotividade pessoal, os ecos de uma profunda vivência nacional, silenciada ou reprimida que seja pelos ideais convencionais hoje dominantes, embora já não tão seguros de si e dos seus dogmas. [...] Em poucos líricos como em Couto Viana, é tão punjente a dor por algo que se perdeu, menos do nosso passado, do que do nosso futuro."

António Quadros,
"António Manuel Couto Viana Entre o desespero e a esperança apesar de tudo"
 in A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos últimos 100 anos, pp. 225-228

[António Manuel Couto Viana nasceu em Viana do Castelo em 1923 e morreu em Lisboa em 2010. Fez parte da redacção da revista Tempo Presente e dirigiu a revista Graal. Para além de poeta, foi também ensaísta, contista, dramaturgo e encenador. Autor de uma obra extensa e diversificada, Couto Viana publicou, entre outras obras, O Coração e a Espada (1951), Marcha Solar (1959), A Rosa Sibilina (1960), Pátria Exausta (1971), Raiz da Lágrima (1973) Nado Nada (1977) Ponto de Não Regresso (1982), etc.]

Palavras de António Telmo

"António Quadros era um espírito superior. No horóscopo que dele fez Vasco da Gama Rodrigues, o signo de Câncer na segunda casa está povoado de estrelas todas juntas olhando o recém-nascido. A Lua no seu domicílio domina o céu. António Quadros não gostou do horóscopo, viu com incómodo que ele o caracterizava como um espírito lunar. E não se libertou desse desgosto mesmo quando outros astrólogos lhe lembraram que a Lua é o espelho do Sol e lhe mostraram que a conjugação de tantos astros no mesmo lugar do horóscopo era o sinal de um destino superior. Morreu exactamente na hora em que teve início a Primavera de 1993, ali onde a roda do tempo recebe o impulso que o liberta do nocturno Inverno. [...]"
António Telmo
Sabatina de Estudos da Obra de António Quadros (Colóquio)
Fundação Lusíada, 1995

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Nações terrestres e nações marítimas

"[...] Neste passo do nosso caminho parece adquirir grande pertinência a destrinça, por António Quadros operada no primeiro livro de Portugal, Razão e Mistério, entre nações terrestres e nações marítimas, num quadro elementar, simbólico de determinações ideais, que admite matizes e abarca igualmente as nações voláteis e as nações ígneas.

Na visão de Quadros – que, em certa medida, se revela tributária dos ensinamentos de Gaston Bachelard –, a predominância do elemento terra relaciona-se com “a radicação telúrica do homem, com os mitos e rituais de fertilidade nas civilizações agrárias, com a poética da paisagem e das raízes” [...]"
Pedro Martins, aqui

terça-feira, 22 de junho de 2010

Memórias de um letrado

"[...] Efectivamente, se a política está, ou deve estar, subordinada à filosofia, conforme ficou para sempre estabelecido por Aristóteles, ser-me-ia lícito e fácil inferir que a política portuguesa pressupõe, ou deve pressupor, uma filosofia portuguesa. [...] Ciente dos meus limites, nunca respondi à crítica infalível dos opositores malévolos. Respeito e defendo a liberdade de opinião; não gosto de dizer palavras desagradáveis às pessoas; espero a hora da justiça pela distinção entre o Mal e o Bem. [...]
Tudo o que é português - o pensamento, o conhecimento, o procedimento - passou a ser aferido e pautado pelos lineamentos internacionais que os estados mais fortes propunham ou impunham aos povos subdesenvolvidos. [...] O homem português deixara de pensar por si próprio, e descera àquela menoridade mental que convém à influência dos jornais, das revistas e dos livros que propagam e divulgam as certezas instantâneas da conservação social."

Álvaro Ribeiro,
Memórias de Um Letrado (1980) vol. 3.
Fotografia: BNP

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Invenção e Loucura

"Num ambiente social de poetas líricos, senão em valor absoluto, pelo menos com o valor da quantidade, raros são os que amadoreceram a noção do inconsciente individual e que assumiram toda a riqueza substancial e quase infinita do seu conteúdo, já na exegese, já na própria expressão poética. Ainda há quem explique o conceito de poesia pelo conceito de mistério, assim lhe conferindo abusivamente o carácter de uma religião: e não apenas de uma religião, de uma religião de dogma, cujo ritual se fundamentasse, não numa filosofia teológica, mas numa teologia dogmática onde o valor de mistério não pudesse, sequer, se posto em causa. [...] Confortado no seu apressado e espontâneo labor pela convicção do dito mistério, eis que o jovem poeta se põe a cantar, isto é, a falar uma linguagem de rimas, de metros, de palavras incomuns, de imagens alegóricas. Alimenta ele a convicção de que será visitado, misteriosamente, pelo génio poético, pelo génio da invenção, por esse génio subtil e invisível que, misteriosamente, assistiria cada poeta. [pelo contrário] o grande poeta é um homem que assume sobre si a representação de um desiquilibrio psíquico em relação aos outros homens. [...] Em verdade, em sua poética, ele procura comportar-se como inconsciente, na convicção que nos dará assim uma imagem, senão mais lógica e sensata, pelo menos mais verdadeira do mundo. Uma vez entrado nesta zona, que é a zona legítima da invenção, da partogénese criadora, o poeta pode comportar-se de duas formas: ou consciencializar e racionalizar, numa segunda instância todos os seus inconscientes e irracionais [...] ou abandonar-se inteiramente ao delírio do conhecimento inconsciente, relegando para um plano inferior o funcionamento racional. [...]"

António Quadros
A Existência Literária, Sociedade de Expansão Cultural (1959) pp. 81-82

quinta-feira, 17 de junho de 2010

O mistério do duplo movimento

"Somos razões mediadoras e inspiradas: a realidade dos nossos fracassos e também das nossas vitórias é uma prova de liberdade. Se o mistério do movimento de primeira instância, absoluto ou relativo, nos fala de uma liberdade inefável, a fenomenologia do movimento de segunda instância fala-nos de uma liverdade humana conceptuável e projectável. Assim, à luz do duplo movimento, transcendente e histórico, se conciliam liberdade e livre arbítrio. Deus precisa dos homens, como os homens precisam de Deus. A Unidade inicia misteriosamente a pluralidade, mas atribui-lhe o movimento para a evolução, no termo escatológico da qual estará porventura uma outra Unidade."
António Quadros
O Movimento do Homem (1963)
Sociedade de Expansão Cultural

terça-feira, 15 de junho de 2010

Uma oficina é um templo

"4 - Deus não exige de nós nenhum culto; prestamos a nossa homenagem a Deus, entramos em contacto pleno com o Universo, quando desenvolvemos a nossa Inteligência e o nosso Amor: um laboratório, uma biblioteca são templos de Deus; uma escola é um templo de Deus; uma oficina é um templo de Deus; um homem é um templo de Deus, e o mais belo de todos. Todos podemos ser sacerdotes, porque todos temos capacidades de Inteligência e de Amor; e praticamos o mais elevado dos cultos a Deus quando propagamos a cultura, o que significa o derrubamento de todas as barreiras que se opõem ao Espírito. Estão ainda longe de Deus, de uma visão ampla de Deus, os que fazem consistir o seu culto em palavras e ritos; mas dos que subirem mais alto não pode haver outra atitude senão a de os ajudar a transpor o longo caminho que ainda têm diante. Ninguém reprovará o seu irmão por ele ser o que é; mas com paciência e persistência, com inteligência e com amor, procurará levá-lo ao nível mais alto. [...]" O resto aqui.
Doutrina Cristã
Agostinho da Silva (1941) edição do autor

Estão à venda na Fundação António Quadros (livraria online)

quinta-feira, 10 de junho de 2010

O sendo e o sido na Filosofia da História

"Uma verdadeira teoria do conhecimento histórico procura, pois, não o dever ser social em ordem a uma dialéctica classista em nome da qual escolhe e ordena os factos, mas o ser do homem, na sua integralidade, entre constante conotação entre o sido que até nós chega e o sendo que vivencialmente experimentamos, contemplamos e analisamos. Tal como o conhecimento do outro não prescinde do conhecimento do eu, também o conhecimento do passado não dispensa o conhecimento do presente, que representa, na ordem temporal, o eu, até porque o presente não é um momento cronológico abstracto, mas sim o presente vivido pelo historiador. O sido é captado pelo sendo não tanto em termos dialécticos como em termos dinâmicos, porque o tempo não tem rupturas e o desfecho da história passada está sendo, continuamente está sendo, numa impossibilidade de detenção ou cristalização que desespera os sistematizadores de detenção ou cristalização de unidades bio-históricas à Spengler. O resultado dos movimentos do passado sou eu que os meço, e meço-os em mim, porque o meu dinamismo prospectivo e futurante corresponde exactamente, de uma forma irredutível a conceitos rígidos, à incompletude de tais movimentos. [...]"
António Quadros
Introdução à Filosofia da História
Editorial Verbo, 1982, p.64

quarta-feira, 9 de junho de 2010

O Franco-Atirador


"Que é o franco atirador? Que significa a analogia? O franco-atirador é um homem que não faz parte dos exércitos regulares. Não é um mobilizado e não é um mercenário. É um homem que não anda com as massas, com os partidos e com os grupos de pressão. É um homem da terra, um homem que ama a sua terra, um homem cujo sentido de justiça e cuja ânsia de liberdade não obedecem a receitas, a slogans, a palavras de ordem. É um homem de paz, também. Um homem de paz não é um homem incapaz de combater: é um homem que só pega na sua espingarda quando vê ameaçadas aquelas coisas que ama e são as razões de ser da sua vida. Acusam o franco-atirador de ser um individualista, um solitário, um homem de perigosas iniciativas. Isto é capaz de ser verdade. Mas a opção contrária envolve um risco ainda maior. As pessoas começam por se juntar para uma grande acção solidária, para um empenhamento colectivo, e a certa altura dão por si, como escravos, a trabalhar contra a sua própria consciência - ou com ela tão adormecida já que os seus actos são automáticos, sem liberdade e sem verdade. Porque o fosso se tornou imenso, entre a base e a cúpula, entre os militantes e os chefes? Porque a psicologia das massas exige o adormecimento progressivo da consciência? Porque as ideias ou as ideologias são agora simplesmente estandartes, emblemas, muletas para amparar o vazio?  Há muitas razões, porventura todas elas verdadeiras. Mas acentue-se: nenhuma acção social, nenhum empreendimento, nenhuma ideologia grupal podem dispensar a iniciativa solitária e estimulante do franco-atirador, que representa por vezes, no plano social, a voz da consciência crítica, vigilante e independente. Ele é o homem que não vê muito bem para qual dos exércitos aponta a sua espingarda, porque só lhe importa afastar a gente que pisa a sua terra, que destrói as suas colheitas, que troça das suas verdades, que degrada os seus valores. [...] Os franco-atiradores são os homens que vêm lembrar-nos que somos ainda pessoas. [...] Aos franco-atiradores, sejam eles quem forem e estejam eles onde estiverem, que não poderei emular senão muito imperfeitamente, mas cujo exemplo brilha diante do meu espírito como vivo incitamento a um empenhamento existencial tanto mais profundo quanto mais autónomo, tanto mais social quanto mais pessoal, tanto mais crítico quanto mais esperançoso. [...]"
António Quadros,
O Franco-Atirador, 1970,  pp.9-11, Edições Espiral

segunda-feira, 7 de junho de 2010

O sebastianismo na obra de António Quadros

O Iade Chiado Center organiza no próximo dia 8, às 21h30, no Chiado, uma tertúlia sobre António Quadros. Rodrigo Cunha é o orador convidado. Mais informações aqui.