terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Os problemas que a escola ignora


"Mas a escola tem uma vantagem preciosa: é de revelar, sem pudor, toda a estupidez dos chamados “métodos de ensino”. Mas é claro que isto volta-se depois contra as crianças, e a maior parte das vezes já sem remédio, porque abafa o que há nelas de mais inteligente, o que está mais ligado à criatividade, à fantasia, ao sonho, em nome do tal famoso aproveitamento de que falámos da ultima vez, e que ninguém sabe ao certo o que é, e para que serve. Não é possível servir o propósito do aproveitamento, e ao mesmo tempo respeitar o tempo interno de cada criança. Eu não acredito que possa haver aprendizagem, no sentido mais sério desse conceito, sem que o tempo interno de quem “aprende” seja verdadeiramente respeitado. A actividade simbólica, que é tão fundamental na vida mental de qualquer pessoa, e que deveria constituir o único objectivo essencial da escola, a meu ver, o desenvolver nas crianças essa capacidade, dessa actividade, ajudá-las a resolver através da física, da literatura, das “contas”, da geografia, do que quiser, ajudar a criança resolver, através de tudo isso, os problemas mais importantes que ocupam a sua vida interior, como no caso daquele menino que andava na lua, e que são, afinal, os únicos problemas importantes da vida, e que são meia dúzia, são aquela meia dúzia de sempre, que são os problemas da vida, da morte, do amor, do ciúme, da inveja, do ódio, da curiosidade, e que estão invariavelmente na origem de tudo quando se criou neste mundo até hoje, na origem de tudo quanto se fez em arte, em filosofia, em ciência, são esses problemas que a escola ignora ao reduzir tudo ao tal aproveitamento, como se a vida das crianças, a vida interior das crianças tivesse alguma coisa que ver com o aproveitamento. (...)"  

João dos Santos
Eu agora quero-me ir embora
Assírio & Alvim (1990)

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Um passo mais

"Quem não tem sentido que a vida social o vai limitando, obrigando-o a cada passo a uma escolha entre as tantas virtualidades que possui, para abandonar algumas e prosseguir desfalcado e cada vez mais pobre? (...)"

Leonardo Coimbra
A Alegria, a Dor e a Graça (1916)

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Da filosofia


"O filósofo tem de se tornar não-filósofo, para que a não-filosofia se torne a terra e o povo da filosofia (...)”

Gilles Deleuze e Félix Guattari

segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

Revista "Humanística e Teologia" dedicada a Leonardo Coimbra


O número mais recente da revista "Humanística e Teologia", intitulada "Leonardo Coimbra no Centenário do Criacionismo", reúne as conferências de um colóquio organizado em 2012 pelo Centro de Estudos do Pensamento Português da Universidade Católica Portuguesa (UCP).

Mais informações aqui.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Grão de esperança

"Tenho pena, muita pena, mas de profeta só encontro em mim o ter sido em tempos poeta e o guardar o grão de esperança de o continuar a ser um pouco, no modo menor de uma alma ainda não inteiramente dominada pelo insustentável vazio da nossa época atravancada de grandes narcisismos e de medíocres ambições. (...)"

António Quadros
Mais Semanário | 31 de Dezembro de 1988

António Quadros no IADE (*)


*Universidade fundada por António Quadros em 1969.
O escritor manter-se-ia como director até 1992, ano em que o seu filho António Roquette Ferro o sucede no cargo.

António Quadros com o filho no Algarve


sábado, 23 de novembro de 2013

São os vícios definidores da nossa época


"Mau grado a sua preferência pela poesia, pelos textos de reflexão sobre variadas matérias ou mesmo pela literatura dramática, Fernando Pessoa também se sentiu atraído pela literatura de ficção, nomeadamente pelo conto, pela novela ou por um memorialismo semi-verdadeiro e semi-fingido, qual o que caracteriza a sua obra de maior fôlego em tais domínios, o Livro do Desassossego (...) O Romance, propriamente dito não o tentou, por razões análogas às do seu grande contemporâneo, o poeta Paul Valéry (...) Pessoa foi mais longe, no seu repúdio da fórmula romanesca. A mesquinhez, a estreiteza imaginativa, disse, são os vícios definidores da nossa época. O Romance, visando precisamente exprimir a nossa época, torna-se assim o conto de fadas de quem não tem imaginação. (...)"
António Quadros
Obra em Prosa de Fernando Pessoa | Ficção e Teatro
Livros de bolso Europa-América (1986) p.13

No coração


"No coração desta casa cheia de sonos, o queixume subiu lentamente, como uma flor nascida do silêncio. (...)"
Albert Camus
«O Estrangeiro» (s.d) Livros do Brasil, p.55
Trad. António Quadros

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

O ser em si


"Tem ou não tem o sentimento saudoso um objecto? Se tem, qual é esse objecto? Serão os entes queridos, desaparecidos ou ausentes, a terra distante, o passado individual já vivido ou, através deles e neles, o próprio ser ou a plenitude do ser do homem ou no homem? (...) Pode a saudade ser metafisicamente concebida como sentimento de ser pleno e perfeito no ser imperfeito, como sentimento de privação de uma perfeição perdida ou devida? Se assim for, que relação pode estabelecer-se entre ela e a ideia de queda ou cisão? A esta última interrogação uma outra estreitamente se liga, a que inquire sobre as subtis relações entre a saudade e o mal, já que ambos parecem ter na queda  ou cisão a sua origem. (...) 
Tendo agora em conta o ser da própria saudade, parece apresentar ela um duplo sentido, que a variação semântica revela ou confirma, quando, tanto em português como em galego, ela nos surge como suídade (p.e., em D. Duarte), quer como siudade (na poesia de Rosalía de Castro) ou como soedade ou soídade (na poesia de Lamas Carvajal ou de Manoel António). 
Assim, por um lado, a saudade será solidão ou solitude, ensimesmamento e contemplação, representação ou evocação de um tempo passado, se bem que ensimesmamento dinâmico e projectivo, e, por outro, será o que é próprio do ser ou o ser em si.
Ainda no domínio propriamente ontológico, a três outras essenciais interrogações dá lugar a saudade. Reporta-se a primeira a saber se é legítimo afirmar que, na saudade, o ser se apresenta não apenas como ideia ou conceito mas como realidade, simultaneamente imanente (...) e transcendente.
Quanto à segunda, traduz-se ela em perguntar se, nascendo a saudade do amor e ausência e compondo-se de lembrança e de desejo ou esperança, implicará, ou não, consubstanciamente, um impulso religativo ou unitivo.
Por seu turno a terceira interrogação visa inquirir se e em que medida pode a filosofia da saudade proporcionar uma nova visão ou propor uma nova solução dos problemas do mesmo e do outro e do uno e do múltiplo. (...)"

António Braz Teixeira
A Filosofia da Saudade, Quidnovi (2006) pp.17-18

terça-feira, 12 de novembro de 2013

Nos centenário de Albert Camus


"Figura de referência na Literatura do Século XX, Camus é autor de uma vasta obra que inclui, entre outras títulos, O Estrangeiro (adaptado ao cinema, em 1967, por Visconti), A Peste, O Homem Revoltado, O Mito de Sísifo, Os Justos, O Exílio e o Reino, A Queda e Cartas a um Amigo Alemão (com um desenho de capa por Lima de Freitas), todos editados pelos “Livros do Brasil”, muitos deles traduzidos em português (nomeadamente por António Quadros, Urbano Tavares Rodrigues, José Carlos Gonzalez e Virgínia Motta), sendo que alguns incluíam notáveis e pioneiros Prefácios ou Estudos originais no nosso País (especialmente no caso de António Quadros), versões, em tradução, das respectivas introduções às edições francesas (como a de Jean-Paul Sartre para O Estrangeiro, traduzida por Rogério Fernandes, a de Jean Sarochi para A Morte Feliz, e a de Paul Viallaneix para Cadernos II/Escritos de Juventude), ou outras sugestivas explanações (como a do posfácio de Liselotte Richter a O Mito de Sísifo). (...)"

Eduardo Ferraz da Rosa
Azores Digital, 8 de Novembro de 2013

(*De referir que os Cadernos foram co-traduzidos, cabendo a segunda parte, salvo erro ou omissão, a António Quadros)

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Toda a alma


"[António Quadros] põe à literatura e à arte dos nossos dias a exigência de significado responsável. A arte, como a vida, não é coisa lúdica, só interessa ao nosso presente e só merece perdurar quando nela todo o homem se empenha, toda a alma se joga ou o melhor do nosso pensar se interroga. (...)"

José Marinho
Colóquio Artes e Letras, nº.9, Junho 1960

domingo, 10 de novembro de 2013

Sonetos da verdade

Livro oferecido por Miguel Reale a António Quadros
com carta datada de 29.4.1988
A poesia é pena sem castigo
ou remorso sem sombra de pecado,
um amor solidário a toda a gente
que doi desde a medula dos teus ossos.

Poesia é um cantinho solitário
ou espuma de existência transbordante,
uma pluma que beija o quotidiano
ou uma chaga de luz não sei onde.

Poesia é caminho para o exílio
com saudade da terra de partida
quanto mais perto da terra prometida,

Mas é também o derradeiro auxílio
que nos torna melhores de repente
ao percebermos que ela é a semente.

Miguel Reale
Sonetos da Verdade, Editora Nova Fronteira (1984), p.96

Diálogo do Jardim


"Afonso. - A presença da estátua branca de Antero parece que vos inclina hoje mais ainda do que de costume para o devaneio poético. Nunca supus que o problema de saber se a filosofia é ou não ensinável acabaria por ser posto por vós nestes termos românticos. De degrau em degrau, acabareis por sustentar que a filosofia pode e deve ser associada ao leite condensado do bebé de berço... (...)"

Sant'Anna Dionísio
Diálogo do Jardim (1960), p.12

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Origem e regresso

Afonso Botelho
"Assim, ao conferir à morte a natureza de mistério e ao ver nela o ponto de partida ou o princípio do conhecimento, ultrapassa-se toda a limitação e dá-se ao conhecimento toda a riqueza que nele se oculta. Pensar a morte (...) implica pensar uma dupla relação - a relação vida-morte e a relação morte-imortalidade. (...) Deste modo, a teoria da morte, tal como Afonso Botelho a pensa, pressupõe, necessariamente, uma teodiceia (...) A teoria do amor, que o filósofo considerava inseparável e complementar da teoria da morte, funda-se num original fundamento ontológico: a doutrina do «ser em canto ser» (...)"
António Braz Teixeira
A Filosofia da Saudade (2006), p.64

domingo, 8 de setembro de 2013

Exílio dourado

Imagem: «Fantasia Lusitana» | João Canijo | 2010

"Otília Martins, no seu interessante estudo «Lisbonne, 1940: sur la Route de l'Exile», elenca também todos os reconhecidos nomes da vida cultural mundial que passaram pela capital portuguesa. E lembra também um outro caso de suicídio, o de Alexander Alekhine no seu quarto do Hotel Palácio, mais um dos dramas que ensombraram o paraíso artificial que Portugal representava em tempo de guerra. Nesse artigo vemos também sublinhada a divisão entre os exilados em Lisboa, na maior parte dos casos sem condições, empobrecidos e saudosos das grandes fortunas que deixaram os seus países de origem, e os exilados de Estoril e Cascais, que viveram o chamado «exílio dourado». (...) Assim, funcionando Lisboa como porto e porta de saída para os outros países europeus, ficava também na memória dos que por cá passaram como uma lembrança de um país algo alienado do resto do mundo. Isolado, como todos os oásis têm de ser, e fechado como os abrigos devem ser, acabava por não sentir a evolução dos tempos, por negar quase esquizofrenicamente o levantamento do «gigante» americano e, consequentemente, toda a panóplia de produtos culturais que este oferecia ao resto do mundo. (...)"

Rosa Fina 
Pearlbooks (2013) pp. 44-45

sábado, 7 de setembro de 2013

A segunda juventude de Mircea Eliade

Mircea Eliade
"Quando se mudou para Paris e, mais tarde, quando foi dar aulas para Chicago, Mircea conheceu a fase mais fértil da sua carreira. Ao falar desse renascimento das cinzas, é quase impossível não se estabelecer pequenos paralelos com o conto «Uma Segunda Juventude». Mesmo uma leitura ingénua deste conto anuncia traços autobiográficos de Eliade. Por conseguinte, ao analisarmos o seu percurso biográfico, vemos que a fase que mais se assemelhou a uma «segunda juventude» na sua vida terá decorrido depois da sua estada em Portugal, falecida Nina, o seu grande amor, esquecido o desejo de voltar à Roménia, ultrapassada uma das piores depressões que sofreu na vida, Mircea parte à descoberta do mundo com uma nova energia e preparado para se tornar no grande intelectual a nível mundial em que indiscutivelmente se tornou. Num olhar mais próximo, nada mais na sua vida se aproxima tanto da narrativa deste conto como este episódio. Inclusive o facto de encontrar a reencarnação da mulher que na vida anterior terá amado, da mesma forma que encontrou, na realidade, a sua segunda mulher, Christinel, com que se terá mantido casado até à sua morte. (...)"

Rosa Fina
Pearlbooks (2013) pp. 71-72

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

«Mircea Eliade em Portugal (1941-1945)» | Rosa Fina | 2013



Rosa Fina já tinha apresentado a dissertação. Agora (em Abril) saiu o livro numa edição da Pearlbooks. Do índice, destacamos, naturalmente, a correspondência de Eliade com António Ferro, Fernanda de Castro e António Quadros (em anexo) mas esta é apenas uma ínfima parte de um intenso trabalho de investigação sobre a experiência portuguesa de Mircea Eliade que narra, entre outros episódios marcantes, a morte em 1944 de Nina Mares, esposa do escritor romeno.

Como conta Rosa Fina, Eliade "entrega-se à depressão e conhece as maravilhas produtivas do celibato", entenda-se, saídas noturnas, orgias, "fraquezas do espírito que o desviam do caminho que então deseja seguir."

A autora procurou e conseguiu "oferecer um roteiro interpretativo da presença de Mircea Eliade em Portugal", mas soube fazer ainda mais: arrumar um pouco melhor a biografia deste escritor. Se isto não for suficiente resta-me ressaltar o facto de estarmos perante um livro sem maneirismos, claro e muitíssimo bem escrito.

"Apesar da morte de Nina, apesar da sua crise de produtividade (...), apesar de assistir ao sofrimento da sua querida Roménia no outro extremo da Europa, Eliade olha para todas essas experiências, mais tarde, como uma iniciação. Um abismo negro que teve de atravessar para ser possível tornar-se no homem que se tornou depois. Eliade experimentou uma depressão profunda quando viveu em Portugal (...) mas outras razões menos fatais terão contribuído para agudizar o que chegou a ser uma doença clínica. (...)" p.71.

Rosa Fina
«Mircea Eliade em Portugal (1941-1945)»
Pearlbooks (2013)

terça-feira, 3 de setembro de 2013

"a palavra «itinerante» soava mal"


"Contra ventos e marés, em Dezembro de 1961, saí da RTP, onde tinha o chamado «lugar de futuro» e fui para a Fundação Calouste Gulbenkian, encarregar-me de uma biblioteca itinerante – a palavra «itinerante» soava mal e, na perspectiva da família, abandonara um «lugar de futuro» para ir para uma espécie de trabalho de saltimbanco. Tinha 24 anos, casara meses antes, o primeiro filho (uma filha) vinha a caminho e todas estas circunstâncias agravavam a opinião que faziam da minha decisão. Só a minha mulher me apoiou. (...)"

Carlos Loures
Texto completo aqui

segunda-feira, 2 de setembro de 2013

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

António Ferro

"Se conseguirmos resolver os aparentes paradoxos do seu pensamento e da sua acção (...) depressa compreenderemos que nele e por ele se realizou uma rara alquimia: foi um homem que assumiu inteiramente, até ao absoluto, a representação do seu tempo ou da sua época; foi um homem que, simultaneamente, assumiu a representação do seu espaço ou da sua pátria. (...)"

 António Quadros 
António Ferro, Panorama (1963), p. 8

segunda-feira, 29 de julho de 2013

"A polémica da bandeira"


Guerra Junqueiro e Sampaio Bruno à esq. Partido Republicano à direita
1911 (postal)

Sampaio Bruno por Francisco Valença


Francisco Valença
Varões Assinalados, Fevereiro de 1910

Sampaio Bruno por Abel Salazar


Abel Salazar
O Risco, 20 de Setembro de 1908

Leonardo Coimbra por Dias de Oliveira


Dias de Oliveira 
Caricaturas de figuras da República
(s.d)

Leonardo Coimbra, Sílvia Cardoso, Abel Salazar e António Ferro

A Rua, 4 de Janeiro de 1979
"Tenho-me interrogado - quantas vezes - sobre o estranho destino em que se cumpriu a vida de uma das mais gulgurantes inteligências do Portugal contemporâneo: Leonardo Coimbra. (...)"

Armândio César
Texto completo aqui.

sexta-feira, 26 de julho de 2013

As árvores são sombras das raízes

De um novo continente

As árvores são sombras das raízes
E os homens são sombras de outras raízes
Mais fundas. Assim, dentro de mim,
Uma sombra cobre todas as luzes e todos os sons
Velando a minha alegria intacta e longínqua
E prometendo o paraíso perdido mas não esquecido.
Imagino o meu céu nos meus limites
E o céu dos outros ainda nos meus limites.
As minhas mãos atravessam o universo misterioso
E tocam as ignotas fontes da poesia e da vida.
O meu olhar, porém, fica comigo e chora
Esse amor de lágrimas e tristezas
Onde, como solitária ilha de coral,
A minha existência espera o nascimento de um novo continente.

António Quadros
edição de Ana Hatherly, Lisboa, Direcção-Geral do Ensino Primário, 1960, p. 72.

Centro

"A deficiência, por vezes radical, de apetrechamento antropológico e filosófico nos historiadores, é uma das causas da facilidade com que se entregam a diversos tipos de apologética, com os seus respectivos sistemas sofísticos. A sua metodologia também começa, consequentemente, não pelo centro, mas por pontos periféricos que não poucas vezes ignoram o próprio centro – o homem íntegro e profundo. (...)" 

António Quadros
«Introdução à Filosofia da História» (1982)

terça-feira, 16 de julho de 2013

Cultura e Filosofia

“A cultura estabelecida parece minorar a filosofia. Ainda bem. Importa que a filosofia viva à margem. Dentro do 'establishment', a filosofia corre o risco de morrer asfixiada. Em derradeira instância, os filósofos precisam da filosofia, mas a filosofia passa muito bem sem os filósofos e, melhor ainda, sem os professores dela”. 
Pinharanda Gomes
Jornal Expresso, Janeiro de 2004
Via Grupo de Investigação de Pensamento Português (Universidade de Lisboa)

sexta-feira, 12 de julho de 2013

"O Milagre da Quinta Amarela - História da Primeira Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1919-1931)"


A Quinta Amarela, no Porto, acolheu a primeira faculdade de Letras da U.Porto, durante grande parte da sua curta mas produtiva existência, de 1919 a 1931. Aludindo ao prodígio de se produzir uma enorme riqueza intelectual em pouco mais de dez anos, em condições precárias e no meio de inúmeras e acesas críticas, Pedro Baptista intitulou o livro que dedica à história da instituição de "O Milagre da Quinta Amarela - História da Primeira Faculdade de Letras da Universidade do Porto (1919-1931)". 

Mais informações aqui.

terça-feira, 9 de julho de 2013

O problema da educação nacional (1925)

Agora disponível aqui.

"A grande Arte é a revelação das reacções íntimas do homem às grandes linhas da realidade, e, sendo tantas vezes acção catártica, é-o ainda, porque expõe e mostra a verdade."

Leonardo Coimbra

sábado, 29 de junho de 2013

Recordar António Quadros | Amanhã em Sesimbra

O evento, que assinala o 20.º aniversário da morte de António Quadros terá lugar na Casa do Bispo, amanhã, sábado, a partir das 10:30, prolongando-se até ao final da tarde.

Programa:

Às 10:30
 Leitura de um depoimento de António Quadros Ferro
 Luís Paixão – “O livro Introdução a uma estética existencial, de António Quadros”
 Samuel Dimas – “António Quadros e Sampaio Bruno”
 Helder Cortes – “António Quadros e Fernando Pessoa”

Intervalo para almoço 

 Às 15:00 António Carlos Carvalho – “Deus e os Homens – Interrogação à História”
 José Almeida – «Valete Frates!»: Da Ordem do Templo à Ordem de Cristo
 Renato Epifânio – “A ideia de Pátria em António Quadros”
 Rui Lopo – “António Quadros: Crítica, Teoria ou Filosofia da Literatura?”

Intervalo 

 Rodrigo Sobral Cunha – “Filosofia da Paisagem na obra de António Quadros”
 Abel de Lacerda Botelho – “António Quadros, um missionário do Espírito Santo”
 Pinharanda Gomes – “Testemunho”

segunda-feira, 10 de junho de 2013

Vivo demasiado no "mundo" e não tenho a força para dele me retirar

"Quanto aos meus livros agradeço-lhe as suas palavras tão incitantes e compreensivas. Bem sei que a sua generosidade franciscana nunca está em falta mas mesmo assim fazem-me bem incitamentos como o seu, até porque muito poucos estímulos recebo: uns querem-me "mais filosófico"; outros chamam-me "demasiadamente filosofante". Ambas as exigências estarão certas do ponto de vista de exigência filosófica e literária, mas eu não posso deixar de ser como sou e quem sou. Sei que os meus livros têm grandes limitações porque me insiro numa "terra de ninguém" que não é bem filosofia e não é bem a da literatura, e isto deve-se talvez à minha excessiva dispersividade, filha talvez de múltiplas solicitações do meu espírito: filosofia, religião, arte, literatura, criação literária, acção... que hei-de fazer? Vivo demasiado no "mundo" e não tenho a força para dele me retirar por uma disciplina, dedicando-me exaustivamente a uma única via... e vou seguindo várias vias, sem talvez nenhuma aprofundar! Esta dispersividade é, temo-o, um sintoma de preguiça mental. E como tomo consciência destes obstáculos, ao menos dedico-me a valorizar os outros, os que não fracassam no seu caminho incansavelmente percorrido. E aqui está uma explicação psicológica da minha adesão à tese da filosofia portuguesa....
Conseguirei algum dia ter sossego, a calma e o silêncio para uma obra de lenta e segura maturação? Não sei. (...)"

António Quadros
em carta a João Ferreira
Lisboa, 30 de Março de 1967

terça-feira, 4 de junho de 2013

"Andei por muitas escolas (...) e tive a impressão que me andavam a enganar."

A Escola da Ponte é uma instituição de ensino público localizada na cidade do Porto. Não há salas de aula, não há turmas, nem director, nem portão.

terça-feira, 28 de maio de 2013

O 3° livro de uma grande obra incompleta

O terceiro volume do livro  "Portugal, Razão e Mistério" ficou incompleto. António Quadros nunca o conseguiu escrever. Está disperso por várias páginas dactilografadas. É um puzzle pequeno, mas muito difícil de reconstruir. Parte da obra foi, no entanto, imaginada. Seria sobre os mestres Álvaro Ribeiro, José Marinho e sobre todos os amigos da Filosofia Portuguesa a quem queria prestar um último tributo. No que diz respeito ao título, é muito provável que se viesse a chamar "Saudade da Pátria Prometida". Outros nomes foram rasurados e muitas muitas páginas foram rasgadas. António Quadros já estava doente e apesar de ter muitas ideias para o livro nunca o conseguiu compôr mentalmente para uma grande obra. Viveu aliás com esse fantasma durante vários anos. Tinha receio que o terceiro volume não correspondesse à qualidade dos anteriores. Em cartas que enviou na época partilha tudo isto. O tão esperado terceiro livro, pode ser desenhado mais pelo que projectou, do que pelo que efectivamente António Quadros redigiu.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Nunca encerrado

"Quem conheceu António Quadros sabe bem a singularidade da sua atitude – de um homem de verdadeiro diálogo, nunca encerrado sobre qualquer posição de superioridade ou de certeza. E se, para entendermos o pensamento, precisamos de conhecer os pensadores, a verdade é que o humanismo e a proximidade eram características que o tornavam alguém para quem o ato de pensar tinha a ver com a necessidade de nos compreendermos e aproximar-nos mutuamente. (...)"

Guilherme d'Oliveira Martins
Texto completo aqui.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Pentecostes

"Para a cultura portuguesa a festa do Pentecostes tem uma importância especial. As celebrações do Espírito Santo são um sinal do «humanismo universalista», de que falou Jaime Cortesão, e devem ser recordadas como uma exigência de esperança, de liberdade e de igualdade. A coroação de quem não tem poder, uma criança normalmente, a abertura dos Impérios do Espírito Santo e a vivência comunitária de uma refeição de que todos são beneficiários sem exceção (desde a sopa do Espírito Santo à massa sovada, passando pela alcatra e todas as iguarias) são a prefiguração de um tempo de reconciliação e de paz, a que nenhuma sociedade ou pessoa pode renunciar. (...) 
Como lembrou António Quadros, «há uma poderosa relação desta cerimónia com o Sermão da Montanha» e acrescentava: «o Império do Espírito Santo será também aquele em que nada do que é espiritual, nas sete partes do mundo e ao longo dos milénios, poderá perder-se. Não será um Império por amputação, mas um Império por acréscimo: acréscimo do Espírito de Verdade em todos e cada um dos modos de diálogo do humano com o divino, e de valorização do humano na sua dimensão integral». Essa era, aliás, para o Padre António Vieira a verdadeira «chave dos profetas», não confundível com um projeto político ou de conjuntura, mas como uma aspiração universalista de paz e de justiça. (...)" 

Guilherme de Oliveira Martins
"Pentecostes", 19 de Fevereiro de 2013, publicado aqui.

domingo, 19 de maio de 2013

Em tempos como estes

"A cultura é normalmente relegada para segundo plano numa imprensa que hoje abusa da crise económico-financeira, das tricas políticas e das frivolidades sociais. Assim, infelizmente, há notícias que passam ao lado do grande público. A celebração de um dos grandes vultos da cultura nacional contemporânea não deve ser algo relegado para um punhado de académicos. Pelo contrário, merece a nossa maior atenção enquanto portugueses que se preocupam com o destino da Pátria. (...) Em tempos como estes, de grande indecisão e ausência de referências, fazem-nos falta pensadores deste calibre. (...)"
Duarte Branquinho 
Editorial da edição de «O Diabo» de 2 de Abril de 2013.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

A improbabilidade tornou-se facto

"António Quadros frutificará, germinando a semente que deixou. A improbabilidade tornou-se facto. (...)" 

José António Barreiros
Testemunho apresentado no âmbito do 
Colóquio Internacional António Quadros (Maio de 2013)
Pode ser lido aqui.

terça-feira, 30 de abril de 2013

Não obstante

"Não obstante, estamos em crer que António Quadros, íntima e paradoxalmente, sabia que a especulação filosófica, no que tem de verdadeiramente criador e imprevisível, não nasce em institutos de cultura nem, muito menos, se pauta por artigos de revistas eruditas e universitárias, ou até mesmo se limita a roteiros bibliográficos ou a trabalhos especializados de divulgação, crítica ou comentário do pensamento alheio. (...)."
Miguel Bruno Duarte
Blogue Liceu Aristotélico, (20 de Abril de 2013) publicado aqui.

sábado, 27 de abril de 2013

Do Existencialismo à Filosofia Portuguesa

"Resta-nos estabelecer essa outra relação que de princípio esboçámos - a saber, se laços há, na realidade, entre o existencialismo e o problema das filosofias nacionais (...)"

António Quadros
em Sartre e o Existencialismo de Ismael Quiles, Arcádia ( 1959), p. 23.

Concreta experiência

"A filosofia não dispensa a concreta experiência individual como canalizadora da cultura herdada. (...)"

António Quadros
em Sartre e o Existencialismo de Ismael Quiles, Arcádia ( 1959), p. 23.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

No limite

"No limite, porém, no caminhar humano para a iluminação e para a verdade não há Ocidente e Oriente. (...)"

António Quadros 
O Movimento do Homem 
Sociedade de Expansão Cultural (1963), p.128

terça-feira, 23 de abril de 2013

À medida do diamante

"E a partir daqui, meu filho, os homens dessa família escolheram as suas mulheres à medida do diamante, mulheres capazes de o amar e de o compreender, de o guardar como o mais alto bem, sem nunca o mostrar, sem nunca o vender, nem mesmo no meio das maiores dificuldades, mesmo quando a pobreza, a doença e a morte se ergueram sobre as suas almas afligidas. (...)"

António Quadros
Anjo Branco, Anjo Negro, (1973) 
Parceria A.M. Pereira pp. 132-133

segunda-feira, 22 de abril de 2013

Pós-modernismo

"Moderna ou hodierna é e sempre foi toda a arte (...) O pós-modernismo (...) só tem sentido se constituir um salto para além de todas as escolas modernistas."

António Quadros
"Do modernismo formalista ao pós-modernismo simbolista"
Comunicação apresentada no Encontro de Arte «Marca», no Funchal, (Setembro de 1987), publicada em Memórias das Origens Saudades do Futuro (1992) p. 198

sexta-feira, 19 de abril de 2013

Colóquio Internacional António Quadros | Lisboa e Rio de Janeiro

Real Gabinete Português de Leitura | Rio de Janeiro

O Colóquio Internacional António Quadros, que se realiza nos dias 14 e 15 de Maio na Universidade Católica Portuguesa, tem o seu encerramento marcado para o dia 5 de Junho no Real Gabinete Português de Leitura no Rio de Janeiro, onde o autor desta página vai estar para lembrar o seu avô, nos 90 anos do seu nascimento e 20 da sua morte. 
No Brasil, o programa dará especial atenção à relação de António Quadros com a cultura brasileira. Serão revisitados alguns temas que marcam a sua obra e recordadas as suas digressões ao encontro do pensamento brasileiro, não só no Rio de Janeiro, mas também na Bahia, Fortaleza, Ceará e São Paulo, cidades para onde levou a cultura portuguesa através de palestras sobre Fernando Pessoa, Miguel Torga, Sampaio Bruno, Amorim Viana, José Marinho, Álvaro Ribeiro, entre outros e onde, nomeadamente, conheceu Ariana Suassuna, Miguel Reale, Edson Nery da Fonseca, Lygia Fagundes Telles, Guimarães Rosa, Marques Rebelo, Thiago de Melo, Fernando Ferreira de Loanda, Ledo Ivo, Domingos Carvalho da Silva, Guilherme de Almeida, Luis Washington Vita, Antonio Paim, Francisco Brennand, João Alves das Neves, Ana Maria Moog Rodrigues, , Eudoro de Sousa, Gilberto Freyre, etc.




"É nossa convicção que Portugal e Brasil de hoje (...) se unem na vinculação de uma pátria transcendente, representada em primeiro lugar por uma língua comum, veículo de espírito irradiante, expansivo e exigente do dinamismo que lhe estamos a negar, por desacerto filosófico. (...) Talvez seja preciso inventar um nome que corresponda ao vero ecumenismo lusíada, que traduza o espírito da língua portuguesa. Talvez esse nome tenha o condão, num futuro mais ou menos próximo, de anular as diferenças e os antagonismos que nos separam como mátrias ciosas de privilégios nacionais (...)" 
António Quadros 



Programa:

09h30 Recepção dos participantes
10h00 Apresentação
António Gomes da Costa — Presidente do Real Gabinete Português de Leitura
Nuno Bello — Cônsul-Geral de Portugal no Rio de Janeiro
António Quadros Ferro — «António Quadros no Brasil 20 anos depois»


12º Painel 11h30 - 13h00
Mário Sérgio Ribeiro «A Filosofia do Movimento em António Quadros: Prolegômenos Especulativos à Operacionalização da Saudade do Futuro»
Alexandro Souza «Razão e Pátria: António Quadros, o “57” e a Ideia de Filosofia Portuguesa»
Marco Antonio Barroso «Mito, História e Meta-História: um Confronto entre o Pensamento Existencial de António Quadros e Vicente Ferreira da Silva»

13h00 - 14h30 Pausa para Almoço
13º Painel 14h30 - 16h30

Constança Marcondes César «A Visão do Brasil em António Quadros: Vieira, Canudos, Suassuna»
Loryel Rocha «O Caráter Paraclético e Apocalíptico da Ilha Brasil no Contexto do Mito Sebastianista»
Joel Carlos de Souza Andrade «António Quadros e o Sebastianismo Brasileiro»
Lúcia Helena Sá «António Quadros como Precursor dos Estu-dos do Sebastianismo na Literatura Brasileira»

16h30 - 17h00 Pausa para Café

14º Painel 17h00 - 19h00
Ana Maria Moog Rodrigues «António Quadros e o Brasil»
João Ferreira «História, Hermenêutica Esotérica e Filosofia em "Portugal: Razão e Mistério" de António Quadros»
Maria Isabel de Siqueira «A concepção de História em António Quadros: uma contribuição para o estudo da cultura portuguesa».
19h00 - Sessão de Encerramento

Programa completo aqui.

Imagens vivas


"Quis testemunhar-te, provar-te, e abri a memória da família e o passado, primeiro a pequena, depois a grande. Ansiosamente: mas em resposta só aí encontrei imagens vivas doutras vidas desconhecidas: casas nortenhas de negro granito, pedra sobre pedra solta, à beira do rio verde. Era justo após a calamidade inundação: as gentes pousavam nas margens, meditando ainda, homens e mulheres de negro vestidos; ou na levada lançavam flores brancas, ricárdias, em recordação e oblação, que nas águas tumultuosas ficavam suspensas. Tu olhavas sorrindo, minha surpresa, persistência noutra vida aí negada, ensinando-me a assumir o despojamento, o sacrifício ofertado noutra vida encarnada desconhecida. E no fim, ao alto da escada do castelo, disseste donde vinhas, o outro lado do mar, a terra verdadeira: e que esperavas a Mãe. E o teu nome complexo. Sobre mim curvado, o murmuraste, claro." 

 Dalila Pereira da Costa
 Os Jardins da Alvorada Lello & Irmãos Editores Porto (1981)

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Espírito de descrença e negação

"É o espírito de descrença e negação que gera a necessidade de experiência e prova. Há assim sempre um fundo demoníaco em todo o saber, mesmo quando, num contraste perturbante para quem pensa, foram os sábios e os filósofos, em seu viver, equinânimes, bondosos e amigos do género humano. (...)"

José Marinho
Dispersos 
Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras (1989), p.195

quarta-feira, 10 de abril de 2013

Leonardo Coimbra por Rocha Vieira

Ilustração Portuguesa, 5 de Fevereiro de 1921

António Quadros nos cursos de Cristandade

"Eu António Quadros, membro consciente do teu corpo místico, unido a toda a cristandade viva da tua igreja militante, sentindo a ânsia dos que não vivem na tua graça, movido pela esperança das almas que te irão conhecendo, solidamente firmado na minha vontade de ser Santo, entrego-me com o meu entusiasmo e o meu espírito de caridade para tornar mais efectivo o teu reino na minha alma e na dos meus irmãos."

21 de Outubro de 1964
Escola de responsáveis dos Cursos de Cristandade do Patriarcado de Lisboa

*Em folha desdobrável que terá sido entregue a todos os alunos do curso (ipsis litteris) para assinarem no espaço para o efeito. O texto não é escrito por António Quadros, mas marca uma passagem do escritor por aqueles cursos.

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Da forma

"O mistério da vida, o mistério da história, encerram-se e exprimem-se efectivamente no mistério da forma."

António Quadros
Introdução à Filosofia da História
Editorial Verbo, 1982, p. 175

A ameaça do Mito à liberdade e à iniciativa do Homem

"Quando a absolutização de um mito se transforma em utopia ameaçando circunscrever-nos a uma esperança no fim de contas passiva, impõe-se afirmar teorias da razão e da acção que devolvam ao homem iniciativa, que afirmem a sua liberdade e confinam valor ao seu trabalho, ao seu sacrifício, à sua luta quotidiana para se elevar acima da situação de crise ou retrocesso dentro da qual estiola, sem outro consolo do que a expectativa sempre adiada do regresso de D. Sebastião e a promessa obscura do apocalipse mítico do Quinto Império. (...)" 

António Quadros 
Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista (2001) p. 399

domingo, 31 de março de 2013

Pleasant conversation

"The day was intensely agreable except as lost. At night, long and very pleasant conversation w[ith] Leonardo Coimbra. (...)" 

 Fernando Pessoa | Novembro de 1915

Pessoa e Leonardo

"Criar uma nova literatura, uma nova filosofia — esse é o primeiro passo. Foi dado em Portugal, em filosofia sobretudo, por Leonardo Coimbra, um dos três grandes filósofos da Europa contemporânea (os outros dois são Bergson e Eucken)."


Fernando Pessoa
(s.d)

sábado, 30 de março de 2013

Entre a falta total e a pureza absoluta

"A nós, mais aristotélicos do que platónicos, parece-nos que temos de atender sobretudo ao grau de anti-humanidade ou anti-fraternidade da razão de Estado, não tendo nós, humanos, capacidade para medir e julgar, porque só no fim dos tempos Deus acertará as contas acerca dos nossos pecados, crimes ou heresias. Nada decorre aqui, entre a falta total e a pureza absoluta, mas entre um mínimo e um máximo, em tensão permanente do espírito. (...)"
António Quadros 
Portugal Razão e Mistério II (1987) p. 222

Sublimação da condição humana

"O mar não é pois unicamente um elemento material e natural, é o espaço simbólico que para os portugueses significa a superação da sua condição telúrica e agrária e, a um nível mais profundo, a sublimação da própria condição humana. (...)"

António Quadros 
Portugal Razão e Mistério I (1988) p. 41

Do térreo para o ígneo

"Há um movimento nebuloso mas bem real do térreo para o ígneo, isto é, para o destino prometido nos sonhos, nos mitos e no ideais dos nossos poetas (...)".


António Quadros 
Portugal Razão e Mistério I (1988) p. 55

Complexo de Tánato?


"Será que o instinto da morte acaba por prevalecer entre nós sobre o instinto para a vida, para a criação e para o amor?"

António Quadros 
Portugal Razão e Mistério I (1988) p. 63

quarta-feira, 27 de março de 2013

Resoluto testemunho

"António Quadros dedica o segundo volume de Portugal, Razão e Mistério “ao Agostinho da Silva, profeta do Império”. Lendo o livro, tão centrado no culto do Espírito Santo, verifica-se, porém, que o subsídio ideológico e a recolha de informes redundam sáfaros na paraclética obra agostiniana. Assaz, aliás. Um índice seguro permite atestá-lo: em mais de quinhentas notas, não chegarão à simples dezena as respeitantes aos livros de Agostinho. Mesmo entre estas, há ainda duas plenamente passíveis de inscrição a débito. Remetem para a dura, duríssima crítica que Quadros ali faz a Agostinho, a propósito da posição que este, na Reflexão à Margem da Literatura Portuguesa, sustenta no caso do Infante Santo, e contra o Infante D. Henrique. (...) Quando, então, e a propósito, afirma, resoluto, o seu aristotelismo, António Quadros dá bem discreto, mas orgulhoso, resoluto testemunho do magistério que recebeu de Álvaro Ribeiro (....)"

Pedro Martins
Continue a ler aqui.

sexta-feira, 22 de março de 2013

quinta-feira, 21 de março de 2013

sábado, 16 de março de 2013

Da religião cristã

"Iria contra o espírito dos Evangelhos que a religião cristã permanecesse indefinidamente igual aos tempos da Igreja primitiva. (...)" 

 António Quadros 
Introdução à Filosofia da História Editorial Verbo, 1982, p.121

sexta-feira, 15 de março de 2013

Um novo mistério

"No princípio uma arbitrária Perfeição, arbitrariamente diminuída depois uma arbitrária Exaltação, arbitrariamente estagnada na identidade da Consciência divina. Depois, aquela parte do espírito diminuído,  mas puro, que acode às fraquezas do espírito alterado, é um novo mistério. (...)" 

 Leonardo Coimbra
 O Criacionismo 
em Obras Completas de Leonardo Coimbra (1958)

quinta-feira, 14 de março de 2013

São Francisco de Assis, ontem e amanhã. No oitavo centenário do seu nascimento.


" 1. Não é qualquer pessoa, a qualquer hora, que tem o direito de escrever sobre S.Francisco de Assis. Porque evocar, ou estudar, ou comentar a vida, o exemplo e a obra desse a que os seus contemporâneos chamaram o Poverello, pressupõe muito menos um exercício intelectual do que uma vivência profunda e continuada. 
O que mais nos interpela na sua existência é o dom total do ser, por um abandono de todos os bens terrestres e por um despojamento iluminado e luminoso que reproduz, como nenhuma outra figura heróica e santa, a opção absoluta de Jesus da Nazaré. Interpela-nos e, diremos mais, provoca-nos, instabiliza-nos, angustia-nos (ao mesmo tempo que nos inspira), porque o seu prodigioso e todavia exemplar destino foi possível num contexto social, histórico e humano comum. 
A imitação de Cristo, por muito sincera e genuína que seja, permite-nos apesar de tudo uma distância, uma autodesculpa, não tanto porque a pessoa histórica de Jesus viveu a sua breve saga ardente numa época longínqua, noutro continente e numa terra para nós pouco familiar, mas sobretudo porque o filho de Deus, Deus na sua encarnação terrena ou (para os descrentes) o Profeta fundador de uma civilização, nos transcende infinitamente, nos supera vertiginosamente, sem deixar de nos falar, de nos atrair e de nos elevar para o espírito da Verdade. Por certo que a sua historicidade trouxe a marca de uma fraternidade colectiva para connosco, foi uma inserção exemplar na existência terrena e no espaço social, doou-nos a esperança e a promessa de salvação por uma escatologia a partir da encarnação e da cruz, da morte e da ressurreição em espírito e em carne. Todavia, continuamos incapazes de sair do palácio das nossas quimeras frustes de grandeza e de partir à descoberta do nosso mais profundo ser, na aventura de existir sublimatoriamente. Continuamos incapazes, somos incapazes e estremecemos! 
Cristãos, preferimos o comércio com a nossa mediocridade egoísta, com as nossas ligeiras satisfações, com as nossas curtas ambições, com o azedume amargo das nossas frustrações; instalamo-nos no álibi de não podermos pretender ser Ele, o Cristo. Mas Francisco de Assis, não o Cristo, um de entre nós, despojou-se um dia de todas as suas vestes, partindo com uma nudez porventura simbólica para a odisseia de uma vida radicalmente ofertada, consagrada à humanidade, à natureza, a Deus. E ficamos então nós próprios, todos os crentes, todos os descrentes, subitamente de alma desnudada, porque já não há álibis.

2. Francisco tinha nascido na cidade de Assis no ano de 1182, filho da dama Pica, uma senhora nobre da Provença, e do abastado comerciante Pietro di Bernardone. Fora um estroina, um poeta ligeiro, um rapaz rico e prometido a uma carreira fácil e compensadora; depois sentira-se marcado, como tantos jovens da sua geração, pelos ideais da época, a cavalaria e as cruzadas. Fizera a guerra contra Perugia, em defesa da sua terra natal, e aí ficara prisioneiro durante cerca de um ano, entre 1202 e 1203. Mais tarde partiria com um grupo de amigos ao encontro do capitão Ganthier de Brienne, cujas forças lutavam em Itália perturbada de então, sob a bandeira do Papa. A sua intenção era ser armado cavaleiro, mas no caminho para Roma teve uma iluminação que iria marcar e modificar para sempre a sua vida. Foi a visão de Spoletto. 
Aí teria ouvido uma voz que o interrogou assim: - Diz-me, Francisco, porque trocas tu o mestre pelo servidor e o príncipe pelo vassalo? - Que devo fazer?, perguntou. Ao que a voz respondeu: Regressa à tua pátria, ser-te-á dito o que deves fazer… 
A partir de então, Francisco caminha pouco a pouco, mas com a determinação de um místico, de um iluminado, para a assunção total de Cristo em si, levada ao extremo de uma recusa de todos os bens, de todos os confortos, de todas as actividades que não de oração, de dádiva, de serviço total de Deus, procurado e encontrado, não como no pietismo ou no misticismo indiano por uma identificação vertical e por uma reclusão ascética na casa do eu e na procura do nirvana, mas antes no grande teatro do mundo, junto dos homens, dos animais, e da natureza, em acção exemplar de fraternidade e de amor sem limites. Pede esmola para viver. Abraça os leprosos, Trabalha sozinho na reconstrução da Igreja de S.Damião.
Come os restos que lhe dão por caridade Andrajoso, é troçado e humilhado pelos garotos de Assis. E através desta imersão dia a dia mais segura e mais convicta na imensa chaga aberta da humanidade sofredora, descobre não o cansaço, não a fome, não o desânimo, não a hesitação e o medo, mas a alegria, uma alegria fresca e nova, uma alegria de criança, uma alegria de água pura que o retempera e lhe dá forças para continuar na simplicidade de um destino necessário, diríamos mesmo do único destino gratificante para a sua alma ansiosa de absoluto. Dá-se a bem conhecida crise com o pai que, irritado, enfurecido, julgando-o louco e irresponsável, o fecha numa cela a pão e água, para mais tarde, depois de uma fuga (libertado pela Dama Pica), o acusar judicialmente, dirigindo-lhe acusações iradas e intransigentes. É então que, em pleno tribunal, Francisco lhe retribui tudo quanto dele possui ainda, incluindo as vestes que usa. 
Completamente nu, perante os juízes e o público, fala-lhes com uma serenidade e uma convicção impressionantes: - Escutem o que tenho para dizer! Até aqui chamei pai a Pietro di Bernardone; mais eis que agora lhe devolvo o seu ouro e todos os trajes que me deu; por isso, já não voltarei a dizer: o meu pai, Pietro di Bernardone, mas antes: Nosso Pai, que estais no Céu! Francisco parte então, cortados todos os laços com o passado, com a família e com o mundo da sua juventude tão próxima ainda, ao encontro do seu prodigioso destino. Não é por uma doutrina teológica, mas pela experiência de uma vida singular, que vai nascer o ideal franciscano da vida, dando um novo rumo à Igreja de Cristo e à própria história dos homens pela sua aliança de misticismo, altruísmo e acção. São demasiadamente conhecidos os passos da sua caminhada, para que valha a pena repeti-los. 
Os primeiros discípulos, a fundação da Ordem, as pregações, os trabalhos quotidianos, as dissenções internas, as viagens, as vigilas, os estigmas, nada se pode resumir em poucas palavras, mas tudo foi heroicidade e coragem, santidade e determinação, ascetismo e no entanto um dinamismo incansável; tudo foi exemplo e tudo foi mensagem ao futuro que somos e seremos. No oitavo centenário do seu nascimento, é uma mensagem insólita, mas que permanece intacta. Uma interpelação que ainda tem poder para nos instabilizar, para nos chocar e para nos desafiar. Tudo foi fecundo e por isso tudo continua vivo, na existência de Francisco de Assis: até à sua morte. De facto, a poucos dias de morrer, meio cego e atingido por enormes sofrimentos físicos, ao ser-lhe anunciado pelo médico, nesse ano de 1226 (tinha apenas 44 anos) que não podia viver mais do que até Setembro ou princípios de Outubro, S.Francisco (seguimos as páginas clássicas de Joergesen), ficou uns instantes silencioso, mas logo, levantando as mãos para o céu, exclamou: “Sê bem-vinda, minha Irmã Morte”. E depois, como se as palavras tivessem reaberto a fonte poético do seu coração, acrescentou uma última estrofe ao “Cântico do Sol”: “Louvado sejas tu, meu Senhor, pela nossa irmã, a Morte corporal, a que nenhum homem vivo pode escapar…”. 

3. A interpretação de Francisco de Assis foi tão poderosa, que o próprio pai e muitos dos seus contemporâneos preferiram considerá-lo louco. Leonardo Coimbra, que dedicou ao Poverello alguns dos mais penetrantes e luminosos textos que sobre ele se escreveram entre nós, chamou-lhe o louco de Assis, mas para significar que: este louco de Assis é como o louco de Tarso, como os mártires de Roma e de Lião, um contagiado na infinita “Loucura da Cruz”. O contagiado contagia e eis que em Francisco de Assis se reacende a virulência da loucura, e ele é a fonte de um imenso Oceano ainda hoje em tumultuante loucura, que é o franciscanismo. Esse louco não conhece limites, quebrou os muros de bom senso e das conveniências sociais, se será como um vendaval de insensatez varrendo as almas… Mas esta loucura, sugere o filósofo português noutro lugar, é como que a face adulta da inocência. Francisco de Assis é o homem que vive com inocência e que por isso surpreende toda a criação divina na sua transparência virginal, na raiz ôntica em que desaparecem as diferenças entre os seres vivos e mesmo os seres inanimados. 
 A teleologia franciscana visa efectivamente, não apenas a salvação dos homens, mas também a redenção da natureza e de todas as criaturas de Deus. O mundo deixa de ser um cenário, onde evolui o protagonista único e isolado do poema escrito por Deus, porque a totalidade dos seres visíveis e invisíveis participa do mesmo movimento escatológico. Torna-se mais humilde a posição do homem, mas ao mesmo tempo com S.Francisco, ressalta a sua grandeza, porque só ele, entre todas as criaturas de Deus, é capaz de ser e ao mesmo tempo de amar para além da barreira da sua própria condição e natureza. As imagens de S.Francisco falando às aves ou do seu discípulo Santo António falando aos peixes impressionaram e continuam a impressionar poderosamente o nosso egoísmo e o nosso antropocentrismo. 
Com Giotto, pintor franciscano, a natureza deixa de ter uma representação convencional, pois as suas árvores, as suas pedras, os seus regatos, os seus rebanhos de ovelhas adquirem a consistência e a textura que tinha sido esquecidas pelos pintores góticos e bizantinos. S.Bento, S.Bernardo, S.Francisco conduziram, cada um a seu modo, os mais belos e influentes movimentos de purificação da Igreja de Cristo. Sem menosprezo para outras Ordens, vocacionadas para diferentes fins, Beneditinos, Cistercenses e Franciscanos deram-se as mãos para realizar em si próprios e em seu redor a pureza restituída da mensagem evangélica. Os últimos trouxeram porém inovações surpreendentes, como o alargamento ôntico do ideal cristão da fraternidade, o dinamismo de um amor completamente despojado dos bens materiais e enfim uma ideia por assim dizer menos “eclesiástica” da Igreja de Cristo, na maior confiança posta no homem bom, no leigo dedicado, a quem S.Francisco atribuía uma dignidade quase sacerdotal e para quem criou a Ordem Terceira. 

4. A sensibilidade franciscana é sem dúvida um dos elementos componentes da alma portuguesa. Por uma dessas coincidências ou acasos que evidentemente não o são, há uma contribuição lusa, quase desde a origem, para a formação do ideal franciscano: é a acção extraordinária do primeiro doutor da Ordem, "nas suas três manifestações características: teólogo na cátedra, pregador no púlpito e missionário no mundo". Referimo-nos evidentemente a Santo António de Lisboa que, percurso e o primeiro de uma plêiade de teólogos, de filósofos e de doutores franciscanos de génio, como S.Boaventura, Duns Escoto, Raimundo Lúlio, S.Bernardino de Siena ou Rogério Bacon, terá sido, na expressão do Prof. Joaquim de Carvalho, "o teórico do espírito franciscano e o segundo fundador da Ordem". A ordem dos Frades Menores entrou aliás em Portugal, apenas meia dúzia de anos após o início do apostolado de S.Francisco, proliferando imediatamente os conventos franciscanos "nas cidades e vilas mais importantes do país". 
Como disse o historiador Gama Barros, "o progresso da Ordem Terceira foi espantoso, entrando nela, a bem dizer todas as classes, sem exceptuarmos rei e príncipes". Uma tal predisposição, um sentimento e um conceito tão rapidamente aceites pelo Português, revelam sem dúvida a existência anterior de arquétipos afins e mesmo de tradições culturais e religiosas de sinal próximo. Sem trazer para aqui raízes mais arcaicas, podemos considerar que o ora et labora beneditino abriu efectivamente um caminho, reforçado pela poderosa influência de S.Bernardo e dos cistercenses a partir de Alcobaça. Todavia mais profunda marca se pode detectar desde cedo na grande e irrecusável matriz cultural que é a Língua. Anotou Jaime Cortesão que a língua portuguesa é "lírica, franciscana, repassada de ternura e piedade", e que "nenhuma outra é mais rica de diminutivos carinhosos. Duma criança diz-se quase sempre uma criancinha; de uma mulher idosa, uma velhinha; e aos pobres dá-se-lhes logo esmola, chamando-lhes pobrezinhos. Já na Crónica dos Frades Menores, do século XIV, se chama assim aos pobres". E os diminutivos amoráveis e franciscanos da língua lusa são aplicados também a estados de alma, a horas do dia e da noite, a sentimentos imponderáveis, porque nascem de um amor orientado para todos os modos de ser... Jaime Cortesão lembra no mesmo texto que o português "do crepúsculo matinal dirá manhãzinha; e quando a tarde cai ou a noite se ensombra, a tardinha ou a noitinha". A lista poderia ser mais alargada: quem sofre é um coitadinho, se é um animal, é o pobre bichinho; a ternura por alguns santos crisma-os de santinhos, tal como o severo Santo António se tornou o Santo Antoninho. Francisco da Cunha Leão, o autor do O Enigma Português e de Ensaio de Psicologia Portuguesa, escreveu aquele livro que "a religião dos portugueses é vivida mais franciscanamente pela ordem da natureza e do amor do que pelo militantismo como na demais Espanha - avesso que o ocidente se mostra a tudo quanto é rígido". 
 Na empresa histórica mais significativa da acção portuguesa na ecúmena, dos descobrimentos, o franciscanismo teve lugar relevante, precisamente porque era desde há muito um dos principais elementos da infra-estrutura psíquica e cultura nossa. E teve-o antes de mais, não só em abstracto pelo seu amor à natureza, pela sua vocação caminheira e vagabunda, pelo seu apostolado de apetência ecuménica, mas também em concreto pela obra teórica de alguns percursores cuja influência terá pesado talvez na própria ideal original da empresa. Jaime Cortesão assinalou que o famoso pensado Raimundo Lúlio (1234-1314), "o Doutor Iluminado, natural da ilha de Maiorca, e o tipo por ventura mais perfeito do proselitismo franciscano preconizou em obras sucessivas o ataque e conquista dos Estados muçulmanos desde Ceuta até ao Levante, e foi o primeiro, segundo Beazley, a sugerir o plano de circumnavegar a África para alcançar a Índia". O mesmo historiador escreveu que o franciscanismo constitui "a mística dos descobrimentos", querendo significar com esta expressão o complexo das nossas tendências espirituais, que incorporam a expansão geográfica a um pensamento e a uma ética religiosas, eliminando assim a contradição inibitória que existia entre as necessidades económicas e os postulados da religião". 
 É certo que Jaime Cortesão, na sua teoria da história portuguesa, minimizou ou esqueceu mesmo o papel preponderante da Ordem de Cristo, na concepção espiritual do ecumenismo luso, mas é inegável que a presença dos frades menores nas nossas caravelas, simbolizando o lugar do cristianismo franciscano na estrutura cultural e intelectual portuguesa, contribuiu, escreveu com acerto, para "uma consciência nova da espécie, preparando uma nova fase, em que os povos iam aproximar-se e desenvolver-se pela economia, mas evoluir, unificar-se, exaltar-se como humanidade. 
Na verdade Portugal ao dar as mãos aos continentes e às raças, realizou um acto de criação livre e universalista". O poderoso sopro universal que, nascido da obra de S.Francisco de Assis, trouxe dimensões inéditas ao cristianismo e ao mundo, inspirou ou sugeriu movimentos purificatórios, por vezes radicais como o dos "espirituais" ou o dos "fraticelli", de influência notória em Aragão e em Portugal. Por outro lado, muitos franciscanos foram tocados pelas doutrinas do cistercense Joaquim de Flora, que proclamou o Evangelho Eterno e o advento da Terceira Idade, a do Espírito Santo (que sucederia à Idade do Pai e à do Filho, de algum modo matizando ou atenuando o extremismo de muitos joaquimitas, embora aceitando algumas das suas premissas. O pensador Agostinho da Silva, desenvolvendo algumas pistas desbravadas por Jaime Cortesão, Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa, expôs em diversos livros e ensaios como Reflexão, As aproximações ou Um Fernando Pessoa, uma original filosofia da história, de raiz franciscana e joaquimita, apontando um lugar simbólico da nossa experiência ecúnemica num vasto movimento de civilização ainda em curso. Alguns dos seus discípulos brasileiros basearam-se neste pensamento para fundamentar a teoria da história da grande nação sul-americana de língua portuguesa. 

5. Não é qualquer pessoa, a qualquer hora, repetimos, que tem o direito de escrever sobre S.Francisco de Assis. Grande ousadia cometemos na verdade, ao fazê-lo mergulhados até ao fundo no grande vazio espiritual da existência moderna. Presos à teia de múltiplas existências quotidianas, evocámos o Poverello não em meditação profunda, mas num trabalho intermitente de escuta, simpática para com a figura exemplar, é certo, mas prejudicada pela brevidade das notas que aqui deixamos, em modesta contribuição para o volume comemorativo do oitavo centenário do seu nascimento. 
 Deste sentimento de fracasso perante as nossas capacidades de compreensão plena de um ser humano paradigmático, não apenas de uma época e de um ideal, mas sobretudo das tendências mais generosas do espírito humano, surgiu-nos esta interrogação: será ainda possível, na época actual, a prática do cristianismo, tal como a viveu e prego S.Francisco? O franciscanismo será viável no tempo da burocracia, da cidade tentacular, dos meios de comunicação de massa, de um mundo persistentemente conflitual, do mercado e da grande indústria, da educação ateísta e agnóstica, da tecnologia avançada, do indiferentismo social perante o outro? Para S.Francisco a grande renúncia é sempre um acto livre e individual. A natureza aberta é o terreno de eleição deste ascetismo activo. A vida é risco, é aventura, é dádiva, é sacrifício, é alegria pura do ser sem o ter e sobretudo sem o querer ter... É por outro lado fé e graça, e diálogo com uma transcendência que não se procura porque nos envolve e nos ilumina. Eis o que hoje, aqui, nos toca e move, mas com um sabor de utopia, quando não de quimera: 
E todavia... 
E todavia a vida flúi, e esse mundo espiritual que atrás brevemente apontámos é uma realidade em aparência evanescente, mas é talvez ainda uma experiência saudosa, uma prova atraente pela sua mesma dureza, um desafio lançado à humanidade. 
Na miséria deste mundo - e no conforto deste mundo, em todas as situações deste mundo - o homem é sempre o homem, um ser mistério-interrogativo do seu destino, vocacionado para a morte e nunca totalmente distraído da incompletude e da frustração da sua personalidade satisfeita. Há uma embriaguez tecnológica que ainda não deixou. Há uma ilusão sociocrática que ainda não perdemos. Há um materialismo sem sentido que ainda não enfrentámos. Há um voluntarismo doentio de que ainda não nos libertámos. Há uma preguiça espiritual que ainda não suportámos. Há mil formas de esperança deslocadas do verdadeiro eixo do ser mais autêntico, de que ainda não acordámos. Nada se repete na existência longa e multímoda do homem. Mas a criação é um continuum sem intervalos de nada ou de vazio. Talvez que, depois do grande desencanto que aí vem, possamos reter de S.Francisco o mais profundo da sua mensagem: a capacidade de coragem para escolher com decisão até às últimas consequências entre o que luz mas é o acessório e que se esconde mas é essencial. Entre a positividade exterior das coisas e o mistério do ser patente e recôndito, que é Deus..."

António Quadros 
(1982)

quarta-feira, 13 de março de 2013

Substracto ideológico

"Em quase todos os espaços culturais, há realmente um ideal próprio, ou então um feixe convergente de ideais que mutuamente se interpenetram até cristalizar em substracto ideológico que não se consciencializa inteiramente, que se transforma em idealismo especulativo e sistemático, que tem horror à relatividade que representa e que, apoiado nas facilidades concedidas aos homens hábeis pela sofistica e pela dialéctica, se visiona a si mesmo como o absoluto, como o universal, como o ôntico. Em vez de reconhecer o seu carácter prismático, estes ideais sonham-se colocados no ponto onde é possível observar a total multiplicidade dos prismas. (...)"

António Quadros 
A Existência Literária (1959), p 71

terça-feira, 12 de março de 2013

Nostalgia de uma pátria


"(...) a profecia do Quinto Império (...) constituiu um dos esteios do idealismo patriótico de Fernando Pessoa, o qual, se na esfera do real manifesta a puerilidade primitiva do espírito que o concebeu, no domínio da poesia vem a ser uma das fontes que alimentam o rio da sua imaginação, insuflando-lhe esse Além, que é uma das mais intensas da sua obra poética. Material como é o idealismo patriótico tradicionalista, este idealismo patriótico em Fernando Pessoa não era, no fim de contas, senão uma forma de realização espiritual desse sentimento de nostalgia de uma pátria psicologicamente sita na infância e metafisicamente na Imortalidade." 

 João Gaspar Simões

segunda-feira, 11 de março de 2013

Das leis mitológicas


"A tragédia grega é afinal (...) uma apologética das leis mitológicas cuja desobediência  mesmo inconsciente, é castigada pelos deuses. As profecias de Cassandra denunciam infracções de um tempo mítico cuja crítica só é feita na obra de Aristóteles. (...)"

António Quadros 
Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista (1982) p. 357

domingo, 10 de março de 2013

Todo o universo

"todo o universo é um sarcasmo,
a chuva goteja trágicas gargalhadas,
estou só,
sou só (...)"

António Quadros
"Ode ao desejo" (excerto) 
em Imitação do Homem, (1966) pp. 12-13.

sábado, 9 de março de 2013

Consciência infeliz

"O sebastianismo parte realmente da consciência infeliz da realidade portuguesa, em dado momento histórico, para apostar na esperança na regeneração através de um salvador pessoal, de um chefe carismático e pessoal. Tal «consciência feliz» é a primeira e a mais clara cifra de Os Lusíadas. Para o poeta (em expressão de uma eloquência desgarradora), a pátria «está metida/ No gosto da cobiça e da rudeza/ Duma austera, apagada e vil tristeza».
Os críticos interpretam, em geral, este passo, de uma forma por demais simplista. Estariam decadentes as velhas virtudes morais; os Portugueses ter-se-iam tornado corruptos e ambiciosos; a desagregação em marcha seria causada por um abaixamento do carácter e do ânimo.
Mas não nos podemos esquecer (...) a sensação de desenraizamento, de perda de identidade e de distanciamento em relação a toda uma continuidade histórica, que se ressentiu como tendo sido traída pelo italianismo, pelo castelhanismo e pelo contra-reformismo dogmático de D. João III. (...)"

António Quadros
Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista (1982) pp. 40-41