quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Agora, de repente


"Fomos a casa deles, no inverno, e João [Ubaldo Ribeiro] estava de calções e chinelos a cozinhar.  Tinha o sorriso mais extraordinário que alguma vez encontrei e nunca vi ninguém tão baiano, com um sentido de humor caloroso e irónico. Ofereceu-me os seus livros, e lembro-me de ter escrito, na dedicatória de Vila Real, <Ao António, não sabendo mais o que escrever>. (...) Agora, de repente, dizem-me João morreu. Não sei se acredite (...) 

António Lobo Antunes
Visão, Agosto de 2014

domingo, 10 de agosto de 2014

Presente


"O sonho prolongava-se na vigília; não havia solução de continuidade entre o que a consciência recorda como pesadelo passado e o que ela registra como efectividade presente. É o mais que posso esmiuçar. Enfim, não sei. (...)"

Sampaio Bruno
A Ideia de Deus (1902)

sábado, 9 de agosto de 2014

Ribeiro Couto


"Cabocla é um poema. O poema do sertão, o poema da moça de estaçãozinha pobre que Ribeiro Couto trazia dentro de si desde as suas primeiras viagens pela serra acima. 
No símbolo que encerra, Cabocla está na linha da Cidade e as Serras de Eça de Queiroz e Pureza de José Lins do Rego. No ataque à artificialidade da vida citadina e na apologia da vida simples, «natural». (...) Mas enquanto em Eça ou Lins do Rego este símbolo toma uma importância considerável, para não dizer fundamental, em Cabocla, a sua importância é apenas acessória. Porque tudo o que não seja poema, neste romance, é acessório. (...)"

António Quadros
"Cabloca, o romance da saudade", Modernos de Ontem e de Hoje
Portugália Editora (1947), p.180

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"Sabíamos, pela direção do rumor, qual das crianças se movera na cama, no quarto ao lado. Robertinho tinha mau dormir e dava surdos pontapés na parede. Mariazinha sonhava em voz alta. Meu conhecimento do chão era minucioso. Evitava todas as tábuas em falso, todas as asperezas que podiam magoar-me os joelhos, todos os trechos do corredor em que o madeiramento rangia. Adivinhava no escuro os pontos da parede em que me podia apoiar sem enfiar a mão em buracos do adobe, que sugeriam sempre a vida obscura de desconhecidos insetos. (...)"


Ribeiro Couto
Cabocla (1931)

Autor

"O melhor é desistir das ideias de unidade, regularidade, perfeição. É mais um livro. Sou mais um autor. (...)"

António Quadros
Modernos de Ontem e de Hoje (1947)