terça-feira, 27 de maio de 2014

"Os escritores são estudados na crítica literária da mesma maneira que os atletas na crítica desportiva"

Germano
"Os escritores são estudados na crítica literária da mesma maneira que os atletas na crítica desportiva. Diz-se, por exemplo, de Domingos Monteiro o mesmo que se diz de Eusébio: – o nível mental a que sobe ou desce a inteligência num ou noutro caso é exactamente o mesmo. Comparam-se os poetas como se comparam os jogadores: – em função da prática, da habilidade, da técnica, dos estilos. Vejam-se algumas correspondências:

 «Eusébio é superior a Rogério»

 «Régio é superior a Torga»

 «Neste jogo, Germano mostrou poder reconquistar o seu lugar na equipa do Benfica».

 «Neste livro, Fulano (um escritor conhecido), que já não publicava há alguns anos, mostrou-se ainda de posse de todos os seus recursos estilísticos».

 «Determinado jogador é já uma promessa do nosso futebol».
 «Determinado escritor é já uma promessa das nossas letras». 

António Telmo
Em entrevista ao O Benfica Ilustrado 
(n.º 80, 1 de Maio de 1964, Ano VII)

A Filosofia Portuguesa e o Sport Lisboa e Benfica

Eusébio e Cubillas
"Adepto do Belenenses desde tenra idade – ao que se sabe, em lance de afirmação diferenciadora perante os seus dois irmãos, um benfiquista, o outro sportinguista –, o filósofo [António Telmo] tornar-se-á, mais tarde, nos tempos áureos em que Eusébio e Coluna pontificam no Sport Lisboa e Benfica, fervoroso simpatizante do clube da Luz. É possível que o aceso benfiquismo de Afonso Botelho e de António Quadros, seus amigos e condiscípulos no magistério filosofal de Álvaro Ribeiro e José Marinho, tenha influenciado a mudança de sentido de Telmo, que, por um desses anos faustos dos encarnados, ao cruzar-se com Eusébio no Cinema Roma, em Lisboa, requesta um autógrafo ao pantera negra. É neste contexto de retumbante entusiasmo que, com alguma naturalidade, surge a entrevista concedida pelo filósofo, faz exactamente hoje meio século, ao O Benfica Ilustrado, suplemento mensal do jornal O Benfica, à época dirigido por Botelho. Muito longe da futilidade oca e ligeira que tantas e tantas vezes surpreendemos no periodismo desportivo, as palavras télmicas destacam-se pelo seu interesse e pela elevação de quem as profere: um filósofo é um filósofo!... (...) O jornal O Jogo, que vimos seguindo, dá-nos conta, na sua edição de 13 de Junho desse ano de 1997, das analogias que o pensador estabeleceu entre o jogo e a filosofia. Dois dias antes, em evidente registo lúdico, afirma-se haver quem, na Invicta, espere de Telmo um novo livro, intitulado O Império de Jardel... Humano, porventura demasiado humano para alguns, este outro António Telmo. Mas, afinal, o mesmo de sempre. Quando, com António Quadros, acabado o ágape filosófico com os mestres, mãos nos bolsos, assobiando, sorridente, entrava no primeiro café onde se lhes deparasse uma mesa de matraquilhos..."

Pedro Martins
Texto completo aqui


quinta-feira, 22 de maio de 2014

Seu atributo também

"Se a quem deram a beleza, só seu atributo, castigam com a consciência da mortalidade dela; se a quem deram a ciência, seu atributo também, punem com o conhecimento do que nela há de eterna limitação; que angústias não farão pesar sobre aqueles, génios do pensamento ou da arte, a quem, tornando-os criadores, deram a sua mesma essência? (...)" 

Fernando Pessoa 
(1924)

terça-feira, 20 de maio de 2014

Camaradagem e garantia da admiração permanente























Ao António Quadros [APRESENTAÇÃO DO ROSTO] lembrança da boa camaradagem e garantia da admiração permanente
do
Herberto Helder

Lisboa, Junho, 68

"Numa noite do mês de março, estava o tempo esplêndido, olhei para as minhas mãos, e vi uma nódoa branca.
Compreendam-me.
Eu era um homem sereno, emocionalmente próspero, digamos, sem entretanto me entregar à dissipação.
Convivia com muita gente e podia fazer com que me amassem.
Claro, não amava ninguém, mas a minha vida era como que atravessada diariamente por um calor tranquilo e ligeiro.
E então vi de repente que tinha uma nódoa branca na mão direita.
(...)
Achava-me de certo modo, um indivíduo sem culpas, conhecendo algumas leis seguras, amando lentamente a terra e as estações.
Organizara mesmo um conjunto de aforismos, e acreditava na imparcialidade e - quem sabe? - talvez até acreditasse na justiça.
Havia de ter um dia um talhão de rosas e ser-lhes-ia dedicado.
Rosas tornam o espírito condescendente e vagaroso e dão aos gestos uma grave e amável subtileza.
Tinha esse projecto, o das rosas, certamente. (...)"

Herberto Helder
Apresentação do rosto (1968) pp.158-159

sexta-feira, 9 de maio de 2014

Hiper-especialização ou abertura total

"No ensino [a hiper-especialização] cria logo condições não favoráveis (...) ao espírito de totalidade. Por outro lado, também há no interior do ensino a tendência de abertura total. (...) Vivemos num período de tensão. Pelo menos há tensão. Já é alguma coisa..."


Álvaro Siza Vieira

quinta-feira, 8 de maio de 2014

O diabo, meu Senhor, inventor da moral


"Rica farça a moral! Não me ilude.
Examinem qualquer vendedor de virtude,
Casto como um carvão, magro como um asceta:
A abstinência é impotência, o jejum é dieta.
O diabo, meu Senhor, já vélho e desdentado,
Sifilítico, a abanar como um gato pingado,
O trazeiro sarnoso, em gangrena a medula,
Exaurido a chupões de luxúria e de gula,
Sentindo-se perdido e rabiando, afinal
Quis vingar-se do mundo… e inventou a moral! (...)"

Guerra Junqueiro
Pátria (1896)

terça-feira, 6 de maio de 2014

Para saber andar, é preciso andar


"A liberdade nunca é uma dádiva graciosa; é sempre uma penosa conquista; e resulta uma quimera abusiva estar-se à espera de que um povo se prepare para o exercício de seus direitos afim de só então lh'os conceder.
Como se há-de ele preparar se os não exercita? E não é ridículo acreditar que os interesses que a liberdade popular arruína serão tão magnânimos que se darão a habilitar os explorados a descartarem-se de seus exploradores?
É certo que as multidões oprimidas, quando uma vez conseguem desafogar e libertar-se, têm cometido excessos lastimosos. Mas mais responsáveis são aquelas classes privilegiadas, aquelas instituições egoístas cujo timbre consistiu em tiranizar.
Portanto, em resumo, para um progresso positivo, não há preparação prévia possível. Para saber andar, é preciso andar. (...)"

Sampaio Bruno
Modernos publicitas portugueses, (1906 ), p.148.