"[...] Os citados críticos franceses, [Patrice Delbourg, Jean-Pierre Thibaudat, etc.] deslumbrados pelos sinais mais exteriores e espectaculares da personalidade literária de Fernando Pessoa, insistiram sobretudo nos aspecto inovadores e modernistas da sua obra, na questão intrigante dos heterónimos ou na inteligência prodigiosa de todos os seus escritos. Se ficássemos por aqui, no entanto, pouco avançaríamos no conhecimento da poética pessoana. É que se Pessoa foi um inovador, foi também um expressor de princípios e arquétipos que transcendem as categorias do tempo; se foi um moderno e um modernista, foi também um incansável pesquisador e assuntor do tradicional, do secreto, do mítico, do enigmático, do que se perdeu ou esqueceu e contudo está vivo, porque é talvez perene na cultura portuguesa e universal mais profunda; se, com a invenção dos heterónimos, exprimiu como ninguém a cisão psicológica e espiritual da alma humana, através do drama da sua própria alma, conflitualmente dividida em estratos sobrepostos, ao mesmo tempo nunca deixou de perseguir o nódulo interior ou o princípio de unidade, orientador da reconvergência possível, como telos ou fim último da gesta humana neste mundo de geração e de corrupção; e se a sua fulgurante inteligência analítica dá por vezes impressão de sofística ou dialéctica (tal a facilidade com que manipula os conceitos mais difíceis) há sempre nela, ao mesmo tempo, uma sinceridade, uma autenticidade, um pathos de sofrimento, de angústia e também de incansável determinação próxima da santidade intelectual, que dá grandeza heróica à sua obra, vista no seu conjunto como uma peregrinação sofrida e mantida para o absoluto ou mesmo para o divino, no paradigma fáustico, mas ultrapassando-o em momentos excepcionais de conhecimento merecido e alcançado. [...]"
António Quadros
Obra Poética de Fernando Pessoa, Poesia - I, (1902-1929),
int. e org. de António Quadros, Publicações Europa-América
int. e org. de António Quadros, Publicações Europa-América
Sem comentários:
Enviar um comentário