O Culto Popular do Espírito Santo é, muito possivelmente, o acto simbólico que melhor ilustra o essencial da cultura portuguesa no pensamento de António Quadros. Dir-se-ia que, tal como Agostinho da Silva, não muito distante do primeiro a este respeito, António Quadros retira desta celebração a nota essencial da Cultura Portuguesa através do que considerou ser, com o povo português firmando o Culto, o paradigma simbólico da revelação do Espírito.
"Nas Festas do Império portuguesas, criadas por Dinis e Isabel, o homem de baixa condição, o pobre ou a criança sobre cuja cabeça era e ainda é colocada a Coroa do Imperador do Espírito Santo, coroa fechada e encimada por uma pomba branca, símbolo tradicional do divino Paráclito, é por assim dizer o profeta do Império do Espírito Santo de amanhã, iniciando o ritual e as festas, tal como se realizavam, a correlação das crenças e das ideias, das classes e das formas […] a Festa do Império constitui o paradigma simbólico e ritual do projecto áureo português, projecto religioso universal através da iniciativa dionísica, que irá guiar e iluminar singularmente a história nacional no seu período mais fecundo e criacionista." (Quadros, 1987: 45)
Embora não se saiba ao certo a data exacta do início das celebrações, as suas origens remontam ao início do século XIV. É conhecida a influência da Teologia de Joaquim de Flora, abade cisterciense nascido no século XII, para o nascimento deste culto em territórios de língua portuguesa, nomeadamente em Alenquer, Açores e Brasil (*1).
Importa saber que a teoria joaquimita divide a história em três idades diferentes: a Idade do Pai, a Idade do Filho e a Idade do Espírito Santo. “A idade do Pai corresponde a um tempo criador e legislador, a idade do Filho a uma época de Amor e de caridade e a Idade do Espírito Santo a uma era de graça plena.” (Pinho, 2008: 1114) ou, nas palavras de António Quadros, a um tempo “ […] em que os homens, entregues a uma vida piedosa, ascética, caritativa, já não dependerão das Leis do Pai ou do Filho e já não se terão de guiar dominantemente pelo Antigo ou pelo Novo Testamento, mas antes por um Quinto Evangelho […]” (Quadros, 1987: 25) A teoria da Trindade de Flora foi difundida pelos franciscanos um pouco por toda a Europa. Foi por intermédio de Arnaldo Vilanova, médico da Princesa Isabel de Aragão, futura mulher de D. Dinis, que terão chegado as teorias joaquimistas a Portugal. “Algumas fontes afirmam que Vilanova iniciou a Rainha Santa nas teorias joaquimitas ou na perspectiva radical que os franciscanos dela fizeram, que, ao serem partilhadas com D. Dinis, terão conduzido os monarcas a criar o Culto do Espírito Santo.) (Pinho, 2008: 1114)
Importa saber que a teoria joaquimita divide a história em três idades diferentes: a Idade do Pai, a Idade do Filho e a Idade do Espírito Santo. “A idade do Pai corresponde a um tempo criador e legislador, a idade do Filho a uma época de Amor e de caridade e a Idade do Espírito Santo a uma era de graça plena.” (Pinho, 2008: 1114) ou, nas palavras de António Quadros, a um tempo “ […] em que os homens, entregues a uma vida piedosa, ascética, caritativa, já não dependerão das Leis do Pai ou do Filho e já não se terão de guiar dominantemente pelo Antigo ou pelo Novo Testamento, mas antes por um Quinto Evangelho […]” (Quadros, 1987: 25) A teoria da Trindade de Flora foi difundida pelos franciscanos um pouco por toda a Europa. Foi por intermédio de Arnaldo Vilanova, médico da Princesa Isabel de Aragão, futura mulher de D. Dinis, que terão chegado as teorias joaquimistas a Portugal. “Algumas fontes afirmam que Vilanova iniciou a Rainha Santa nas teorias joaquimitas ou na perspectiva radical que os franciscanos dela fizeram, que, ao serem partilhadas com D. Dinis, terão conduzido os monarcas a criar o Culto do Espírito Santo.) (Pinho, 2008: 1114)
António Quadros também apoia a ideia de que a criação do Culto Popular do Espírito Santo em Portugal foi, na realidade, da responsabilidade dos dois monarcas. A primeira celebração teria acontecido por ordem destes em Alenquer, no ano de 1296, antes até da construção da Igreja do Espírito Santo naquela vila. Nos escritos de Flora, a era do Espírito Santo teria início no ano de 1260, D. Dinis, como se sabe, nasce, curiosamente, precisamente um ano depois, para, na perspectiva de António Quadros, “[…] encetar o ano 1º da Idade do Espírito Santo.” (Pinho, 2008: 1114)
"Teria este facto, porventura visto e sentido por ele próprio como providencial, influído no gesto de criar a Festa e a Cerimónia da Coroação simbólica do Imperador do Espírito Santo, tal como se realizou pela primeira vez em Alenquer (cuja Capela do Paço é dedicada ao Paráclito e onde estava a nosso ver o Políptico de Nuno Gonçalves) e logo em muitos lugares do Reino?" (Quadros, 1987: 39)
António Quadros acredita que sim, e terá mesmo sido o primeiro a salientar este aspecto, que se juntava a um outro já amplamente discutido: o acesso providencial de D. Dinis ao trono. Até por que, para o autor de Portugal Razão e Mistério, não se tratou apenas de uma festa, de uma enigmática coroação tripla, mas sim de um “[…] acto intencional e pesado de simbolismo, tão intencional e pesado de simbolismo, que sem uma reflexão sobre o seu sentido não se nos afigura possível entender o movimento teológico da pátria portuguesa neste período áureo e axial. (Ibidem, p. 40). Em qualquer dos casos, é relevante procurar compreender de que modo o nascimento do Culto Popular do Espírito Santo se relaciona com a reflexão de António Quadros acerca da razão teológica de Portugal. É com base na teoria da Trindade formulada por Joaquim de Flora, que António Quadros entende que: “A razão de Portugal, a razão de ser de Portugal é antes de tudo uma razão teológica, isto é, uma razão aberta para com um telos ou um fim que é a justificação última do seu movimento no tempo e no destino.” (Quadros, 1987: 14) É sua convicção que Portugal está destinado a realizar fins superiores e universais, ou por outras palavras, que é dotado de um projecto áureo de realização universal. É com base nisto, que nasce no seu pensamento a necessidade de esboçar e propor uma arqueologia da tradição portuguesa, “[…] visando não só a procura daquele projecto áureo interrompido ou esquecido, mas cifrado nos sinais, nos símbolos e nos textos que dele […] ainda subsistem.” (Ibidem, p. 18)
Para António Quadros é no reinado de D. Dinis que se realiza a paideia original portuguesa, “[…] abrindo-se então um novo ciclo teológico na vida portuguesa, criando-se entre nós uma paideia original e surgindo uma dimensão inédita da cristandade e da europeidade.” (Quadros, 1987: 15) António Quadros quer com isto dizer que D. Dinis ao instaurar o Culto do Espírito Santo e as Festas da Coroação do Imperador, ao «oficializar» a língua portuguesa, tornando-a obrigatória em todos os documentos públicos, ao fundar o Estudo Geral, (a Universidade Portuguesa), “[…] criando-se entre nós um magistério teológico, filosófico e ético […]” (Ibidem, p. 16) e, finalmente, ao salvar e conservar a Ordem dos Templários, “[…] estabeleceu os fundamentos da paideia singular, de cujas ramificações nos tempos subsquentes nasceria o novo Portugal.” (Idem)
Foi também no reinado de D. Dinis, congnominado, aliás, de o Lavrador, que outros marcos importantes aconteceram, precisamente no empenho, dir-se-ia que simbólico neste contexto (*2), que demonstrou em relação ao próprio fomento da agricultura e do cultivo da terra, a que se lhe associa a prosperidade a grandes zonas rurais. Em qualquer dos casos, o conhecimento de António Quadros acerca do Culto do Espírito Santo, importa sobretudo pelo facto de que o seu pensamento acerca da cultura, encontra aqui, na nossa perspectiva, o seu substrato. A realização popular do Culto, manifesta precisamente o percurso do conhecimento em direcção ao espírito. Por outro lado, pressupõe a realização de um projecto, de um cultivo, que não se esgota na sua dimensão artificial, mas que se realiza, precisamente na conciliação entre natureza e espírito. Ora, para António Quadros, tal como para Agostinho da Silva, o essencial da cultura portuguesa não é constituído “[…] por algo concreto e observável a partir do comportamento dos portugueses […] Mas é inseparável desse mesmo comportamento, desses “sinais” que a acção concreta dos portugueses, criativa e revolucionária em muitos casos, foi produzindo desde a sua origem.” (Gama, 2008: 303) É precisamente a partir desta lição e das iniciativas de significado profético de D. Dinis, que António Quadros entende que Portugal se tornou numa Pátria “[…] de vocação universalista, espiritualista e criacionista.” (Quadros, 1987: 16) e que a cultura portuguesa tem uma missão de diálogo entre o humano e o divino. Ora, esta ideia, determina de forma decisiva todo o seu pensamento acerca da cultura portuguesa. É que, para António Quadros, “[…] se se mantém aberta a comunicação entre o culto e a cultura, através de uma filosofia dinamizante, tão certo é ser o culto o fornecedor dos fins superiores que movimentam para o futuro o pensamento, que de outro modo não ultrapassaria o estádio animal da adopção do meio. (Quadros, 1967: 24)
António Quadros Ferro
(Setembro de 2009)
Notas:(Setembro de 2009)
1 - Sabe-se que estas cerimónias se realizaram praticamente do norte ao sul do país, inclusive em Lisboa, mas também em Arruda dos Vinhos, Sardoal, Portalegre, Marvão, Aljezur, etc. Há ainda registo de coroações em Angola, Estados Unidos da América e Índia. António Quadros assistiu pessoalmente a algumas das celebrações, nomeadamente em 1985, na celebração das Festas do Penedo.
2 - Na medida em que a própria evolução do termo cultura “[…] deriva filologicamente de processos agrícolas ou hortícolas de cultivar o solo e de aumentar a fauna e a flora. […] Colere a raiz latina da palavra significa cultivar mas também habitar para adorar e proteger de que deriva cultus. (Pires, 2006: 39)
Bibliografia citada
- Gama, José (2008) Cultura e Filosofia – Estudos sobre o pensamento português, Braga: Universidade Católica Portuguesa de Lisboa – Publicações da Faculdade de Filosofia.
- Pinho, Romana Valente, (2008), “Deus na tradição do pensamento contemporâneo português: a contribuição de António Quadros”, Xavier, Maria Leonor L. O. (org.) A Questão de Deus na História da Filosofia, Sintra: Zéfiro, pp. 90-93.
- Pires, Maria Laura Bettencourt, (2006) Teorias da Cultura, Lisboa: Universidade Católica Portuguesa.
- Quadros, António (1967), O Espírito da Cultura Portuguesa – ensaios, Lisboa: Sociedade de Expansão Cultural.
- Quadros, António (1986), Portugal Razão e Mistério I, Lisboa: Guimarães Editores, Lda.
- Quadros, António (1987a), Portugal Razão e Mistério II, Lisboa: Guimarães Editores, Lda.
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