"Lá fora, vinhedos, abelhas zumbindo, a serra escalvada, o Marão. Um corpo vivo, o corpo da natureza, Marános, toda aquela terra áspera, rugosa e dura latejando em Deus e para Deus, procura lentíssima de um destino. Percebemos então, nesse momento, percebemos quase sensorialmente como o poeta pudera experimentar uma saudade do divino na energia que fazia pulsar as entranhas da terra, que rasgava as fontes, que fazia correr os riachos pelas faldas da serrania, que explodia as sementes e as conduzia à apoteose da árvore, da flor, do fruto. A mesma saudade que nos prendia à terra e às suas raízes, a mesma saudade que nos atraía para um oculto esplendor. [...] Ali sentado, absortos, esquecidos do nosso eu, foi então que erguemos os olhos e o vimos, aquele quadro assinado por um pintor que julgáramos apenas escritor: Raul Brandão. Era o retrato da natureza viva e mágica que o último romântico, Teixeira de Pascoaes, nos quisera ensinar a sua poesia. Natureza mágica, natureza com alma, natureza com espírito, natureza divina. Mas natureza, também, sofredora, carecente, portadora de um pathos... Na sala havia outros quadros do autor do Húmus. Retratos um pouco rudes, porventura imperfeitos sob o estrito ponto de vista plástico, mas muito próximos da intuição pascoalina de uma natureza saudosa, uma natureza teleonómica, em movimento para a sua própria essência através das formas e das cores que compõem a sua existência."
António Quadros
Estruturas Simbólicas do Imaginário
na Literatura Portuguesa, Átrio (1992) p. 59
Estruturas Simbólicas do Imaginário
na Literatura Portuguesa, Átrio (1992) p. 59
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