"(…) a angústia é um sentimento peculiar do «drama como movimento que se ignora», ou do falso movimento, que se agita tanto mais quanto suspeita não passar de uma aparência ou uma máscara do verdadeiro movimento. Kierkegaard, Sartre, Heidegger prestaram especial atenção a este sentimento difuso, indeterminado, quase inqualificado, que o homem encontraria dentro de si como inerente à sua mesma condição vivente. Mas terá a angústia, tal como a descreve a fenomenologia existencialista, isto é, como um sentimento incausado, porque consubstancial ao ser humano, terá a angústia realmente um valor universal, transcendente às filosofias, às civilizações e às culturas? A sua presença quase exclusiva nos países da Europa Central, particularmente no triângulo constituído pelos países nórdicos, pela França e pela Alemanha, não indicará ao invés que se trata de um sentimento decorrente naturalmente do teor de determinadas perspectivas filosóficas? E estas perspectivas filosóficas, nascidas na era da industria, da técnica e da sociologia, não resultarão afinal da queda do movimento, detido na problemática do ser em situação estática?
Efectivamente, a dialéctica do ser e do nada, a oposição entre o ser e o não ser, geradores dos sentimentos de desespero, de desgarramento e, principalmente, de angústia, tal como surge descrita em Heidegger ou em Sartre, seriam inconcebíveis numa filosofia dinâmica, porque, se o nada representa a coisificação de um estado-limite, o não-ser é um artificio gramatical que perde realidade quando transposto para termos vitais. Assim, as ucronias apenas subsistem com todo o seu poder de atracção enquanto são garantidas por sistemas em queda para o estatismo. De igual modo, os conceitos de progresso circulam dentro do mesmo tipo de sistema, propondo caminhos aparentemente válidos para a ucronia ou para a utopia."
António Quadros
O Movimento do Homem
Sociedade de Expansão Cultural (1963)
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