"Sei que apesar da estranheza do que me era dado a ler, e sem compreender em profundidade muito do que estava a ler, eu admirava a convicção das ideias, a amplitude das referências, a densidade dos argumentos. Exclamando pouco depois a minha admiração entre gente que eu acreditava mais sábia em virtude das letras das canções que dedicavam à democracia, logo ali mesmo me calaram com o argumento de aquele era discurso desprezável. Filosofia Portuguesa, diziam, acrescentando a deseronra do seu esoterismo e até a sua associação à ditadura. Engoli envergonhado a crítica feroz aos meus gostos desviantes, sufoquei a leitura de António Quadros e tentei manter-me na linha ideológica correcta. Mas aquele episódio veio inevitavelmente à memória quando alguns anos mais tarde, amadurecido pelo erlebnis da História portuguesa, acabei finalmente por reconhecer que se à direita a coisa continuava a enrufar-me, à esquerda a vida intelectual estava afinal pontilhada de ignorantes compulsivos. A vida e a academia fizeram-me entretanto crítico literário e ensaísta. Voltei à leitura de António Quadros, e em 1989 deparei com uma das mais perspicazes abordagens da literatura de que eu tantas vezes falava sem conhecer alguma da sua natureza mais subsistente. Intitula-se A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos últimos 100 anos. (...)"
Manuel Frias Martins
António Quadros,18 anos depois
Fundação António Quadros (2011)
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