quarta-feira, 27 de abril de 2011

Conversa entre Orlando Vitorino e João Luís Ferreira

João Luís - Quer falar de arquitectura para uma revista que se intitula “Utópica”?
Orlando Vitorino - Porque não? A contradição pode ser estimulante.

J.L. - Onde está, neste caso, a contradição?
O.V. - É que toda a arquitectura é tópica. A utopia é o que não tem lugar. Ora nada pode haver sem lugar, o que é sobretudo evidente na arquitectura.

(...)

J.L. - Os “caminhos na utopia” conduzem, portanto, à anti-utopia?
O.V. - Sim. Mas há sempre a possibilidade de entender a utopia como um idealismo provocado por uma justa reacção ao que se encontra institucionalizado. Neste caso, dir-se-à utópica a procura de caminhos (já não na utopia como queria M. Bubber) que o institucionalismo - regimes políticos, universidades, opinião pública... - tem por função impedir. Creio que é este o caso da sua revista “Utópica”. Podemos, portanto, conversar.

J.L. - Diga-me então: que é a arquitectura?
O.V. - É lugar e proporção.

J.L. - Que é o lugar?
O.V. - É, primeiro, a negação do espaço.

J.L. - Como nega o lugar o espaço?
O.V. - Marcando-lhe limites, definindo-o.

J.L. - A definição é negação?
O.V. - Foi o que nos ensinou Espinoza, que era geómetra, ao pôr como princípio de imaginar e pensar que “toda a afirmação é negação” pois nega o que fica fora do que se afirma.

J.L. - Onde começa a arquitectura?
O.V. - Começa ou na Grécia ou no Céu ou no Céu e na Grécia.

J.L. - E o Egipto?
O.V. - Aí, foi só geometria. Faltava a proporção para ser arquitectura.

J.L. - Julguei que na Grécia só havia começado a filosofia.
O.V. - A filosofia é o embrião que contém todas as artes.

J.L. - Tudo, então, é filosofia?
O.V.- Nada é sem filosofia.

J.L. - Onde está, no embrião, a arquitectura?
O.V. - Na geometria.

J.L. - Foi por isso que Platão escreveu sobre os umbrais da escola: “só entram os que são geómetras”?
O.V. - Exactamente.

J.L. - Que é a geometria?
O.V. - É a primeira determinação do lugar e a primeira negação do espaço.

J.L. - Diz-se que os gregos ignoraram o infinito. Foi por serem geómetras?
O.V. - O infinito é a negação do limite, portanto do lugar. Onde está o infinito, não há geometria. há só matemática.

J.L. - Os gregos não foram matemáticos?
O.V. - Aristóteles deixou escrita a refutação da matemática. Dos modernos, só Hegel compreendeu e repetiu a refutação. Dos contemporâneos, só Leonardo Coimbra.

(...)

J.L. - Qual o lugar arquitectónico do homem. É a cidade? É a casa?
O.V. - Hegel, que era nórdico e, como protestante, “trazia o Deus na barriga”, disse que a primeira obra arquitectónica é o templo a que chamou “a casa de Deus”.

J.L. - Está certo?
O.V. - Está errado. Tudo o que é do homem tem início no homem.

Revista Utópica (1988)
Entrevista completa pode ser lida aqui.

1 comentário:

Scarabeus disse...

Muito boa a entrevista. Gostei muito. Parabéns!

L. Oliveira Marques