"Nesta adoração há uma atmosfera de presépio, é bucólica, humilde, mas é também imensa como um campo de trigo, lembra os ritos da terra, a mulher «anima mundi», sempre virgem porque jamais conquistada ou vencida: «Tu és o meu eterno feminino, a luminosa metade da concha doirada onde dorme a eterna semente dos mundos, a terra lavradinha e pronta onde o beijo do sol de Deus fez crescer os trigos, a rocha profunda onde a chuva dos céus se acumula, como na concha das tuas mãos, para as sedes do estio».
Ao longo desta adoração vai-se evoluindo gradualmente da terra para o céu, a mulher amada vai sendo gradualmente descarnada até se tornar um incorpóreo símbolo. De telúrico o amor passa a estática contemplação, o olhar vai gradualmente subindo ou mergulhando. Em certo momento a adoração é um diálogo, como se a alma respondesse a si própria na ânsia de se sentir ouvida, mas logo abandona esse instante de solicitação de escuta para seguir na certeza da adoração sem propósito: o amor ultrapassa o desejo e a meta não é a posse mas a alegria. A alegria do encontro, do encontro das almas, do encontro da alma consigo própria: a alegria originária. (...)"
(Excerto do prefácio) em Leonardo Coimbra
Adoração, Cânticos de Amor (Delfos, s/d)
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