sexta-feira, 16 de março de 2012

Diga-me, Dr. Mendonça

‎"Diga-me, Dr. Mendonça, quando é que tem tempo para pensar... para se recolher... para descobrir o que realmente é... Quando, se a vida não nos dá tempo... intimidade... liberdade? Andamos sempre rodeados de pessoas... os outros que não nos largam... querem que sejamos assim... ou assim... (...) e aconteceu-me fugir... tentar fugir... largava tudo, fosse o trabalho ou a casa... e andava pelas ruas... ao acaso... andava, andava, e esquecia-me onde estava... quem era. (...) As pessoas sentem-se inseguras diante dos loucos, mesmo que sejam inofensivos, quase normais, e sabe, eu penso que esta insegurança é boa. Devemos estar inseguros. Devemos pensar o que não foi pensado. Devemos suspeitar, porque a vida é infinitamente complexa e nunca ninguém lhe deu a volta.
(...)
- Você pensa talvez que já estou a ficar parecido com eles? Que sou um velho maníaco, a pedir reforma? É capaz de ter razão, é capaz de ter razão..."

António Quadros
do conto «A Palavra», 
em 'Histórias do Tempo de Deus' (1979)

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