Georges Duhamel |
"Se tivesse fé, é claro que teria mais oportunidades. Cresci no seio da religião católica. A crise da adolescência, a crise vulgar, despojou-me, esvaziou-me, limpou-me como uma tigela. Depois, contemos dois ou três anos de orgulho, cinco ou seis anos de romantismo, de desespero metafísico, e depois a vida do dia a dia, com todos os seus pequenos problemas guardados no armário, à espera de ser resolvidos. Um facto é incontestável: não tenho fé. Não tenho nisso orgulho algum, não ponho nisso obstinação ou malícia. (...) Não posso afirmar que amanhã continuarei a não ter fé. Espero tudo. (...) Se fosse obrigado a acreditar que seres admiráveis, minha mãe e minha mulher, por exemplo, alimentam pensamentos semelhantes aos meus, o meu amor e a minha admiração dariam lugar ao horror. É pouco mais certo que os homens favorecidos por uma perfeita fé, estão livres de tais pensamentos. Noto este facto pelo tranquilo orgulho que arvoram. (...) Faço da fé, talvez por ser coisa que não tenho, uma ideia esplêndida, augusta. No meu coração, confundo fé com paz, com repouso".
Georges Duhamel
Diário de Salavin (1945)
Trad. de António Quadros
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