sexta-feira, 4 de maio de 2012

O toiro celeste passou


"O Toiro Celeste Passou [Afonso Botelho, 1965] não é apenas a sua melhor novela: é também, não hesitamos em afirmá-lo, uma das mais invulgares novelas com que pode contar a nossa literatura contemporânea. (...) A novela flui com naturalidade, a partir de um dado inicial ou fabuloso, de função provocadora e dialéctica. (...) Este processo dá efectivamente à novela um cariz existencial que se irá confirmando pouco a pouco. Apresenta-nos Afonso Botelho a dialéctica da honra e da verdade, que também pode traduzir-se como dialéctica do personalismo e da filosofia. Mas onde, quanto a nós, Afonso Botelho supera a interpretação puramente kafkiana ou existencialista, é na coincidência com outras dimensões que abrem a simbólica da novela a uma amplitude muito maior. (...) Sejamos um pouco mais precisos. A novela abre com uma epígrafe aparentemente enigmática, mas que justifica inteiramente o seu titulo: Nout, a deusa do céu, acolhia o sol como o Toiro celeste, incarnação da virilidade (Textos da Pirâmide). Logo, apresenta-nos quatro amigos, de caracterologia diferente e bem marcada, jogando às cartas e conversando. Qual seria a sua reacção quando postos face a face com a sua própria verdade, com a verdade que o homem-pessoa, que o homem-convencional oculta de si próprio e sobretudo dos outros? É então que, provocado e invocado pelo diálogo, o toiro celeste passa, deixando na cabeça de cada um o ornato que tradicionalmente significa a infidelidade da mulher. (...)"

António Quadros
"Entre o Amor a Morte, entre a Honra e a Verdade" 
em Estruturas Simbólicas do Imaginário na Literatura Portuguesa (1992), pp. 158-159
[de artigos publicados no Diário Popular, de 11-08-1966 e de 19-03.1967]

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