"As primeiras lições encontraram a sua inteligência aberta. Angelina era sôfrega de aprender, de estudar, para brilhar perante os mestres, a família, as pessoas das relações. Havia, no seu ânimo, o propósito, inconsciente, de vencer as amigas e as primas na única competição a que podia concorrer com elas, a da inteligência. Dentro em pouco era tido como prodigiosa. Fazia exames em Lisboa e obtinha classificações desvanecedoras. Também aprendia música e tocava expressivamente harpa e violino. Pelos quinze anos começou a fazer versos. Mais tarde, depois de passar uns invernos em Lisboa, de ver o teatro português e francês, escreveu teatro. (...) Mas Angelina ainda tinha fome de mais aplausos e desejava publicar as suas peças. (...) Os pais facilitavam-lhe todos os desejos, viviam em perene servidão de amor, por contricção de suas culpas irremissíveis e para que a infelicidade de Angelina se atenuasse. O remorso dos dois transparecia na generosidade com que lhe satisfaziam os caprichos. (...) O notário da vila, um janota disposto a vender em leilão matrimonial a sua categoria de doutor, escreveu a Angelina a primeira carta amorosa. Uma carta que ela leu com espanto e releu com angústia. Uma carta com que ela rasgou o véu que lhe encobria a tragédia do destino. (...)"
Maria Archer
Filosofia de uma mulher moderna (1950) p.84
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