"(...) Um dia Paris aborreceu-se e expulsou os reis, outro dia aborreceu-se e acolheu os imperadores. Às vezes Lisboa aborrece-se e entra na política – como homens que entram no banho são pisados pela maresia, são feridos pelas areias, esfriados pela neblina e vêm, contentes e transidos, enxugar-se ao sol!
Lisboa toma atitudes, clama, conjura nas esquinas, e bondosamente afastada pela policia, e vem, toda gloriosa e feliz pelas tiranias derrubadas, reler a cartilha! (...) Fica-te em paz, Lisboa! És Baixa e magnífica. Os que te quiserem abençoar terão. de se curvar um pouco para a lama: mas consola-te, se alguém te quiser amaldiçoar terá de se aproximar bastante de Deus!
Tu dorme, digere, ressona, soluça e cachimba. E se algumas lágrimas em ti caírem, vai-as enxugar depressa ao sol! Fica-te em paz! Os que têm alma não querem a luz dos teus olhos; podes consumi-la a contemplar o céu e os universos; por causa do teu olhar sempre erguido para lá, ninguém terá ciúmes do céu!
Os que têm coração não querem as carícias das tuas mãos: podes emagrecê-las a rezar a Jesus; por causa das tuas mãos sempre erguidas para ele, ninguém terá ciúmes de
Deus!
Tu tens a beleza, a força, a luz, a graça, a plástica, a água resplandecente. a linha magnífica. resigna-te. ó Lisboa querida. o clara cidade bem-amada. ó vasta graça silenciosa, resigna-te. o doce Lisboa, coroada de céu, resigna-te – a não ter alma! "
Eça de Queiroz
"Et nune semper" em Prosas Bárbaras
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