segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Filosofar

"(...) Filosofar não é (...) somente construir grandes sistemas metafísicos demonstradores da agilidade e da fantasia da razão humana; não é desistir de conhecer as causas para se limitar a descrever as leis; não é substituir a exigência da verdade pelas exigências momentâneas da vontade; não é, tão pouco, repousar simplesmente sobre textos que, adlulterados por intermediários, tradutores e adaptadores, mais não comunicam do que fragmentos ou facetas isoladas da verdade. Filosofar é reflectir e racionalizar, tanto ou mais do que os textos, seja o idioma nacional, portador de palavras intraduzíveis e inefáveis, sejam as tradições escritas e orais da pátria do filósofo (...), sejam as obras poéticas, sejam as manifestações artísticas, sejam as revelações colectivas e particulares, e seja, por último, a experiência individualmente inspirada e comunicada ao pensador. (...)"


António Quadros, A Angústia do nosso tempo e a crise da universidade

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

O finalismo e o a-finalismo do nosso sistema educativo

"(…) ao estudar, o fim do aluno é hoje «passar o exame», «ter o diploma» - e nada mais. O seu objectivo é quase unicamente utilitarista. Pretende o diploma porque o diploma dá acesso a posições social e economicamente compensadoras. Daí a sua total obediência, para não dizer escravização, à ciência do professor, que pode ser falsa, incompleta, desactualizada, pervertida e burocratizada, mas que não constitui para o aluno mais do que «o obstáculo que é preciso transpor», sem análises nem afirmações de personalidade que estariam deslocadas. Por sua vez, o professor, uma vez instalado na sua posição liceal ou universitária, limita a sua acção ao ensino de um conjunto de conhecimentos especializados, sujeitando inteiramente o aluno, ou a uma preguiça que o impede de actualizar-se constantemente no seu ramo de saber, ou a uma incapacidade intelectual para transcender o «conhecimento do compêndio», ou à especifica direcção cultural do seu espírito (…) observa-se que, ao longo dos anos da sua aprendizagem, o aluno apenas estudou para os sucessivos exames com que pretenderam medir a sua memória e a sua inteligente maleabilidade às atitudes culturais e espirituais mais diversas; e que esta diversidade heteróclita, acumulada nos anos cruciais da sua evolução mental, o levaram a deter-se cepticamente à beira dos grandes problemas da existência, não os vivendo heroicamente, mas, pelo contrário, substituindo, em todas as ocasiões, a verdade pela utilidade e pelo interesse.(…) o aluno universitário sabe mais do que o liceal – mas não sabe melhor. Ao obter, finalmente, o seu diploma de curso superior, o licenciado olha para trás e lamenta o tempo que perdeu em todas as matérias que fogem à sua especialização. Essas matérias assemelham-se às peças de «puzzle»: mas nunca as conseguiu reunir e agora já é tarde. Não se lhe apresentaram como «necessárias», como harmoniosamente ligadas, como tendendo, com a lógica indestrutível dos acordes diferentes, mas unidos, de uma sinfonia, para um mesmo objectivo.Licenciado, pode vir a ser um bom especialista, um bom profissional. Como homem, porém, será o que os caprichos da sua existência extra-univertária dele fizeram: família, cultura literária, influência de formas artísticas, amigos, formação religiosa ou política…E como estes factores sociais sofrem da mesma crise, espelhando a errada formação escolar básica, o resultado é a vida, em todos os seus planos antropológicos, cosmológicos ou teológicos, se reduzir à vida de cada um; cada homem passa a considerar-se o princípio e o fim de todas as coisas, a razão do «ego» domina as outras, a existência é um campo de batalha, não entre o bem e o mal, mas entre o «eu» e os «outros»."

António Quadros, «A Angústia do nosso tempo e a crise da universidade»

domingo, 14 de outubro de 2007

Oferecer aos homens da terra uma antevisão do céu conseguida por meios humanos...
António Quadros, in Introdução a uma Estética Existencial

terça-feira, 9 de outubro de 2007

requiem para um amigo que vai morrer, que já morreu


Movem-se os outros
À tua volta
Falam, suspiram,
Pensam em ti.
Olham-te e choram
Lembrando os tempos
Em que brincavas
No teu jardim
A vida é curta,
Curta demais.
Foge a alegria,
Foge a tristeza,
E fica apenas
Um quarto escuro
Um corpo imóvel
E uma saudade.
Olhos fechados,
Olhos de pedra,
És uma coisa
Não és mais nada.
Nem mesmo um beijo
Eles te dão.
Nem uma carícia
Na tua face.
Caem as lágrimas
Mas é mentira.
Tu já não és,
Só eles são.
Fazem projectos
Pensam em si,
Sob a trizteza
Luz e ambição.
Há já desejo
No olhar daquele.
Há já ternura,
Na alma da mãe.
Vem a vaidade,
Surge a inveja,
Mas a alegria
Submerge tudo.
E eles já sonham
Com a luz do sol,
E eles já sonham
Voltar a rir.
A vida é curta
Curta demais.
Vamos viver
Que o tempo passa.
Vais a enterrar.
Mas há as flores.
Desces à campa
E as aves cantam.
Há uma angústia,
Mas é o medo
Mas é a piedade
Da nossa dor.
E a terra cobre
O ser que foste,
E uma oração
Sobe para os céus.
Salva-o Meu Deus,
Ele era bom...
Só nesse instante,
Foste chorado:
Logo a seguir
Há que viver.
Repousa em paz
Não fazes falta.

Passaram anos
E a tua imagem
Assiste à vida...
Numa moldura.
E a tua imagem
Já nem sequer
Inspira aos teus
Uma lembrança.
Serves apenas
Para enfeitar
Uma saleta.
Não tenhas pena,
Pois todos morrem,
Pois todos passam,
E a morte ri
A par da vida.


António Quadros, Viagem Desconhecida

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

(...) Chamamos-lhes alunos. Deveríamos antes chamar-lhes discípulos, se fossemos capazes de ser mestres. (...)

António Quadros