segunda-feira, 30 de março de 2015

Religiosa heterodoxia


"Religiosos têm sido os maiores poetas portugueses." António Quadros defendeu esta ideia em 1979, num texto de evocação de José Régio, a quem atribuía o pódio do génio poético português no século XX, a par de Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa. É impossível saber se, porventura vivo, o filósofo estenderia hoje a graça a Herberto Helder (que tanto o admirava). Contudo, também deste poeta se poderá dizer que foi heterodoxo, certamente torturado, por vezes dubitativo. Todos, cada um a seu modo, “não realizaram obra confessional, eclesial, ritualista, antes partiram de uma longa ou de curtas mas perturbantes experiências místicas, ou metagnósicas, de que regressaram perturbados, mas ao mesmo tempo iluminados, deslumbrados, sublimados”.
Herberto Helder fê-lo sem fidelidade a Deus (“destruído pelo extremo exercício da beleza”), mas com um visionarismo largo e profundo da vida, nascido da tentativa de toque poético nas coisas mesmas, directas e quotidianas (“vem aí o sagrado, e tornam-se radiosas as coisas mínimas”). Numa simultânea carnificação e coisificação da palavra, o poeta pesquisou gestos primitivos (como levar a colher à boca), uma iluminação primordial, a “alquimia do verbo” possuindo “todas as paisagens do mundo”, tal como Rimbaud a sonhou. (...)

Filipa Melo
Jornal Sol | 29-03-2015

sexta-feira, 27 de março de 2015

O encontro de Sampaio Bruno com António Nobre


"Na escura rua de Trévise me procurou, abandonando por horas a sua preferida margem esquerda, de que lhe era tão penoso afastar-se, António Nobre, uma tarde em que eu sofria cruelmente. Esta visita sensibilizou-me; como me encantou a conversação do poeta, pelo tom subtil da melindrosa reserva na consolação, a um tempo caridosa e primorosa, d’um’alma em carne viva, como a minha por então andava. (...)"

Sampaio Bruno
do prefácio a Despedidas (livro póstumo) 
de António Nobre 

Fernando Gil e José Marinho

(...)

DN: Como é que surge a filosofia para si? O seu percurso é algo atípico; fez uma breve incursão na Sociologia, licenciou-se em Direito, e em 61 decidiu-se pelo estudo da Filosofia em Paris.

Fernando Gil: Nessa altura, em 61, já tinha escrito um livrinho de filosofia. 

DN: Não foi uma espécie de ousadia escrever um livrinho de filosofia sem antes a ter estudado?

Fernando Gil: Foi com certeza o exemplo de um mestre, José Marinho, que eu frequentava em cafés da Avenida de Roma, que podia animar um jovem, que tinha tido alguma revelação da filosofia através do prefácio da «Fenomenologia da Percepção» de Merleau-Ponty, a avançar sozinho. O José Marinho era, justamente, um filósofo insensato, e animava tudo o que pudesse parecer um caminho pessoal. Não fui só eu; várias pessoas à volta dele beneficiaram desse apoio. Talvez tenha sido ainda mais insensato porque escrevi o livro sabendo muito pouco de filosofia.

DNa | Diário de Notícias | 2000

segunda-feira, 23 de março de 2015

Confluências n.º5

Confluências, n.º 5, colecção Cadernos de Filosofia Extravagante
 Janeiro de 2015

A jovem não escondeu o seu desapontamento

"Formávamos uma pequena multidão. Pelo menos, deve ter sido assim que para nós olhou a rapariga que, naquele momento, se acercou do grupo. Forasteira, teria cerca de 20 anos e vinha ao fresco, vaporosa, balnear, esperançada na réstia de um Verão a destempo face à iminência da hora em mudança. 
Quis saber o que ali se iria passar. Dissemos-lhe que já se tinha passado. (...) Alguém lhe terá então falado da homenagem prestada a Agostinho, do lançamento do livro com as suas cartas para António Telmo. E a palavra filosofia, naturalmente, veio à baila. A jovem não escondeu o seu desapontamento perante o quadro: – Filosofia??!! quase protestou, envolvendo o desdém da pergunta num esgar de desconsolo. Esperaria talvez poder assistir à projecção de um filme, suplemento prazenteiro à inopinada vilegiatura, e deparara-se afinal com um bando plúmbeo de monos dissecadores de alfarrábios. Em suma: uma seca! 
Não obstante, reteve o nome de Agostinho: – Agostinho da Silva? Mas ele ainda é vivo? – indagou. Paciente, proficientemente, esclarecemo-la, explicando-lhe que a apresentação das Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo constituíra, justamente, uma comemoração, entre outras, em que Sesimbra foi aliás pródiga no ano passado, dos vinte anos da sua partida. Para o nosso desespero ser completo, veio ainda uma terceira questão: – E a filosofia dele era estilo quê? Tipo Platão? 
Mais disse a suave rapariga outonal ser aluna do IADE, em Lisboa. Muito gostaria de lhe ter feito a pergunta que então me não ocorreu: se acaso sabia quem tinha fundado a escola que frequentava? Imagine o leitor que se trata de um filósofo, para mais um filósofo português, de seu nome António Quadros. Este amigo de António Telmo e Agostinho da Silva, regressado à pátria após uma estada no Brasil, onde fora realizar conferências, foi o núncio do convite que o segundo, com Eudoro de Sousa, dirigira ao primeiro para se lhes juntar, em Brasília, como professor da Universidade onde os dois então pontificavam. Corria pelo meado a década de sessenta. E o resto é sabido. (...)
Por muito que custe à excelente moça balnear, parece haver sempre uma opção filosófica depositada nos gestos, mesmo os mais pequenos, só na aparência insignificantes, com que urdimos as teias das nossas vidas. Quando Agostinho da Silva virava costas ao mergulho nas ondas do mar a seus pés, e com estes de abalada se afoitava a calcorrear os morros que circundam a cova funda, para visitar o amigo Rafael Monteiro na sua casa castelã, estava por certo a fazer uma escolha, tão escorada no sentimento como no pensamento. E quando António Quadros congeminou o desígnio, entre nós pioneiro, de criar uma escola de arte e decoração que viria a concretizar em 1969, facultando aos estudantes portugueses um curso de Design de Interiores e Equipamento Geral concebido sob padrões internacionais de vanguarda, bem sabia que as imagens não raro decidem das ideias por que guiamos os nossos passos. (...)"

Pedro Martins, aqui.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Do ontem hoje

"Pretendo aludir nestas linhas a dois vícios que inferiorizam grande parte da nossa literatura contemporânea, roubando-lhe esse carácter de invenção, criação e descoberta que faz grande a arte moderna. São eles: a falta de originalidade e a falta de sinceridade. (...)"

José Régio
Presença, n.º1, 10 de Março de 1927

quinta-feira, 12 de março de 2015

(d)e

Elvira Sobral (d)e Almada Negreiros, 1894

Frisos

"Eu amo a Lua do lado que eu nunca vi.
Se eu fosse cego amava toda a gente. (...)"

Almada Negreiros
 Frisos, Canção da Saudade 
Orpheu I

terça-feira, 10 de março de 2015

Conferências, livros, bibliografias...

"A arte de filosofar não consiste em escrever livros, em proferir conferências, em minutar lições que, ostensivamente, efectuem transmissão de ensino público. Todas as manifestações da filosofia que os bibliógrafos registam os biógrafos explicam, combinando a bibliografia com a biografia, resultam de uma actividade inaudível e invisível a que se dá o nome secreto de pensamento (...)"

Álvaro Ribeiro
A Arte de Filosofar
Portugália Editora, 1955

quinta-feira, 5 de março de 2015

O sensacionismo

“O sensacionismo, que mais tarde Fernando Pessoa teorizaria em numerosos escritos, é, com Cesário Verde, a primeira irrupção do moderno na poesia portuguesa. A poesia vai alimentar-se na prosa para se renovar. É uma poética do aquém, que valoriza e restaura a consciência e a qualidade das coisas, do que é circunstancial, material e concreto. (...)” 

António Quadros
 O primeiro modernismo português (1989)

quarta-feira, 4 de março de 2015