segunda-feira, 31 de maio de 2010

Rodrigo Sobral Cunha sobre «A Via Lusófona» de Renato Epifânio

"Ao contrário do que julgam aqueles que se encontram submersos na barbárie solipsista ou na barbárie do colectivismo uniforme, este livro de Renato Epifânio não é o diário de bordo de um navegador solitário: antes nele se encontram, como o vaivém das ondas, as notas de quem voga sobre esse murmúrio luso das águas que une quanto no tempo e no espaço parece separado. [...] " Continue a ler aqui.

notas sobre A Ideia de Deus


"À concepção de Amorim Viana, de um Deus todo luz e bem, que excluiria todo o negativo, o mal e as trevas, meras aparências enganadoras às quais nenhuma realidade essencial corresponderia, produto da deficiente visão humana, vai Sampaio Bruno opor, depois de pertinaz crítica, uma metafísica e uma teodiceia de sinal contrário, segundo as quais noções positivas seriam a fealdade, o erro e o mal e não a beleza, a verdade e o bem, e a origem do mal estaria no próprio Deus e na sua queda. [...]"

António Braz Teixeira
Deus, o Mal e a Saudade, Fundação Lusíada, (1993), pp. 66-67

sábado, 29 de maio de 2010

Convergências e Afinidades

"Julgo ter sido António Quadros (1923-1993) o primeiro que, em Portugal, chamou a atenção para os profundos e significativos paralelismos entre o pensamento, a cultura e a religiosidade russos e portugueses, de modo mais evidente a partir do Iluminismo.
Tendo visitado Moscovo e Sampetersbugo no final da década de 60 do século passado, o pensador português, no volume de impressões de viagem que então publicou, intitulado Uma Viagem à Rússia (1969), e, de forma mais desenvolvida e aprofundada, num extenso ensaio integrado no livro Ficção e Espírito, editado dois anos depois, não só chamou a atenção para o decisivo e invulgar relevo que, na espiritualidade dos dois povos extremos da Europa, assume o culto da Virgem Maria e do Espírito Santo, como estabeleceu oportuno paralelismo entre o pensamento iluminista que inspirou Pedro, o Grande, na edificação de Sampetersburgo, e o Marquês de Pombal, na reconstrução de Lisboa, e apontou flagrantes semelhanças entre a atitude cultural de Puskine (1799-1837) e a de Garrett (1799-1854) e a inspiração popular da renovação romântica que protagonizaram nas respectivas culturas, as profundas afinidades entre a criação romanesca de Raul Brandão (1867-1930) e as de Gogol e Dostoievski e entre teurgias de Soloviev (1853-1900) e de Sampaio Bruno (1857-1915) e as filosofias criacionistas de Berdiaev (1874-1948) e de Leonardo Coimbra (1883-1936), podendo ainda ter referido a séria consideração que o pensamento paradoxal de Chestov (1866-1938) mereceu de filósofos como Vieira de Almeida (1888-1962), Sant’ Anna Dionísio (1902-1991) e José Marinho (1904-1975), bem como a confluência ou anologia entre o paracletismo de Agostinho da Silva (1906-1994) e a doutrina da Sophia de Sergei Bulgakov (1871-1994), pensador cuja filosofia religiosa foi também objecto de compreensiva valorização por parte de Álvaro Ribeiro (1905-1981), tradutor de Soloviev. […]”

António Braz Teixeira
Convergências e afinidades entre o Pensamento Português e o Pensamento Russo (1874-1936)
[Comunicação apresentada à Classe de Letras na sessão de 24 de Abril de 2003]

quinta-feira, 27 de maio de 2010

Quem acompanha a pedalada?

"[....] Procurando embora as grandes sínteses, António Quadros tem agigantado uma obra que acaba por prejudicar, pela extensão, aquele primeiro e último desiderato. A sua capacidade de trabalho e de produção intelectual parecem não de um só indivíduo, mas de uma equipa (e talvez o segredo esteja no subconsciente nacional colectivo...). No entanto, torna-se imperioso ao leitor português acompanhar tão ágil pedalada. E não sei quantas cabeças, hoje, neste país, manicómio em autogestão, terão cabeça para isso.
O que explica talvez o silêncio em volta. Tendo a maior parte dos seus livros um desafio polémico, ninguém no entanto se atreve a responder, quando se trata de analisar tão grande mole de hipóteses e teses. Arruma-se o assunto com um rótulo pejorativo, como já se arrumara, por exemplo, o Sérgio com outro rótulo pejorativo. É destino dos pensadores polémicos, neste Pais, ladrarem no deserto. [...]"
Afonso Cautela
Jornal «A Capital», secção Livros na Mão,
16 de Setembro de 1989

A Rosa Mística (Conto)

"Escrevo estas linhas porque não quero partir sem deixar algum sinal, mesmo imperceptível, da minha passagem. Quem vai lê-las? Interroguei-me longamente e agora prefiro deixar em branco esse aspecto da questão. É possível que seja um funcionário da justiça, um burocrata, um homenzinho de veste cinzenta, de cara cinzenta e de alma cinzenta. Não me admirava que, por malas-artes, este meu primeiro e último escrito fosse desembocar na secretária atulhada de algum jornalista profissional. [...] O eco, o eco mesmo pálido e vago, mesmo mínimo que as minhas palavras possam provocar em alguém, é o meu único testamento. Deixo mais do que dinheiro, creio bem. Deixo a minha frustração e a minha esperança em algumas páginas sujas de tinta. Deixo uma vida inteira em sua essência. [...] E se, impiedoso e cego até final o destino soprar as folhas que escrevi aos quatro ventos? Creiam, é neste momento a minha maior angústia. Tudo teria sido em vão e acaso poder-se-ia concluir que Deus não existe, nem qualquer outro poder semelhante, nem sequer uma força criadora, majestosa e absurda? Julgo, porém, que as coisas não sucedem sem motivo e, embora há muito tenha deixado de reverenciar esse Deus feito e concebido à imagem e semelhança dos homens (quando dizem ser o contrário), encontro em mim neste instante decisivo um grande amor por quem me conferiu uma existência tão frágil e desnecessária, mas me permitiu, no entanto, este assomo último de homem, este preito à vida que, sei-o bem, vai ser interpretado exactamente ao invés. [...]"
António Quadros
Anjo Branco, Anjo Negro, (1973)
Parceria A.M. Pereira pp. 59-60

quarta-feira, 26 de maio de 2010

O amor de Deus pelas criaturas

"Se o amor de Deus pelas criaturas se não individualiza para com estas, a noção de Providência perde-se no conceito indiferente da finalidade genérica. O arranjo universal do existente, em sua ordem e harmonia, não dá mais do que o andamento regular e sistematizado do conjunto; mas toda a carinhosa protecção dum pai para com seus filhos esvai-se; somos cidadãos duma república sob o inflexível império da lei, que é igual para todos. A misericórdia suma, pela via das advertências, dos cuidados, das repressões e das redenções, volve ao nada. [...]"
Sampaio Bruno
A Ideia de Deus, Lello & Irmãos - Editores, 1987, p. 306

A propósito do texto em baixo

"[...] Ah! Adivinho-te a nova curiosidade. Prevejo-te a perguntar-me: - Mas porquê, e para quê, da intimidade das quentes confissões, amarfanhada arrastaste a confidência melindrosa até à barra glacial da indiferença pública? Porquê?
 Pois, na verdade, redargo, não atendeste em que falei daquele meu livro, má coisa, publicado em 1874?! Eu consagrei esse livro à memória de meu pai, falecido a 23 de Fevereiro. Com efeito, era, em parte, o reflexo do ensino que ele me ministrara contra as superstições, e aí estava bem. Mas excedi-o pela vilta de ímpias audácias. E aí não podia estar pior.[...]"
Sampaio Bruno
A Ideia de Deus, Lello & Irmãos - Editores, 1987, p. 34

terça-feira, 25 de maio de 2010

Da análise da crença cristã

"[...] Agora cumpre-nos tão somente declarar bem alto que o cristianismo é uma religião obsoleta, anacrónica, moribunda; uma religião que assenta sobre os cadáveres dos desgraçados, sobre as ossadas denegridas dos queimados vivos. Sim! Uma religião que, depois de mentir à razão e à consciência pelos seus dogmas estultos, pelos seus livres santos, pelas suas doutrinas canónicas, acende fogueiras e levanta forcas, queima em Espanha, trucida em França, delira satanicamente em Roma, uma religião, cujos textos servem assim os padres, uma religião que aspira à catolicidade, à suprema, ao despotismo, é uma religião toda humana, com os nossos vícios e paixões, com a nossa cólera e o nosso furor, é uma religião verdadeiramente infame. [...] Quando o povo pensar, compreenderá tão bem os seus deveres morais e eis que eu já não sou destruidor de todo o edifício social. [...] Querer que o cristianismo seja a religião do futuro seria querer que ontem fosse hoje. Seria um não senso e uma blasfémia. [...]"
Sampaio Bruno,
Analyse da Crença Christã, (1874)
Typ. de Arthur José de Sousa, Porto, pp.311-312

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Da Felicidade

"Não creio que se possa definir o homem como um animal cuja característica ou cujo último fim seja o de viver feliz, embora considere que nele seja essencial o viver alegre. O que é próprio do homem na sua forma mais alta é superar o conceito de felicidade, tornar-se como que indiferente a ser ou não feliz e ver até o que pode vir do obstáculo exactamente como melhor meio para que possa desferir voo. Creio que a mais perfeita das combinações seria a do homem que, visto por todos, inclusive por si próprio, como infeliz, conseguisse fazer de sua infelicidade um motivo daquela alegria serena que o leva a interessar-se por tudo quanto existe, a amar todos os homens, apesar do que possa combater, e é mais difícil amar no combate que na paz, e sobretudo conservar perante o que vem de Deus a atitude de obediência ou melhor, de disponibilidade, de quem finalmente entendeu as estruturas da vida."
Agostinho da Silva
Aproximações
Guimarães Editores, (1960) p.51

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Teoria do Ser e da Verdade


"Assim nos interessa todo o outro do amor, como desamor, abominação e ódio insofrível, assim nos interessa todo o outro da crença, não só como descrença e irremediável cisão aceite, mas como ateísmo, na extrema oposição ou contraposição à fé, à religião e à própria ideia de Deus. [...] Tornou-se grau a grau apreensível que quem nega tem profunda razão de negar. E como se distingue, pode perguntar-se, o heróico portador da negação extrema, do verdadeiro filósofo ou do santamente sábio? A resposta necessariamente advém: aquele tem ainda a razão na opaca sombra, a este foi dado já fazê-la emergir na diáfana luz da ideia ou do unívoco e cindido mas consistente amor."
José Marinho
Teoria do Ser e da Verdade
Guimarães Editores, (1961), pp. 130-131

domingo, 16 de maio de 2010

O movimento fenomenológico em portugal e no brasil


Índice
António José de Brito
nota sobre o aparecimento da fenomenologia em portugual

Clara Morando
alexandre fradique morujão - considerações sobre os seus "estudos filosóficos"

António Braz Teixeira
o realismo fenomenológico de júlio fragata

Renato Epifânio
entre josé marinho e leonardo coimbra: da onto-fenomenologia à cisão extrema

Manuela Brito Martins
eduardo abranches de soveral: alguns apontamentos sobre a escola fenomenológica portuguesa

Manuel Cândido Pimentel
gustavo de fraga: entre fenomenologia e metafísica

Nuno Freixo
maria manuela saraiva e a fenomenologia: entre husserl e sartre

André Barata
experiência, comunicação e ética. perspectivas sobre a etapa derradeira do pensamento de joão paisana

António Paim
o movimento fenomenológico brasileiro

Constança Marcondes César
arte e tempo em maria do carmo tavares de miranda

Paulo Moacir Godoy Pozzebon
a escola filosófica de lovaina e sua influência no brasil

Creusa Capalbo
a filosofia e a fenomenologia no brasil atual

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Do destaque separativo ou da cisão primordial

o que a verdade do Ser em qualquer forma de existência institui, ou constitui, inalterado permanece na própria alteração
José Marinho

António Quadros e o Culto Popular do Espírito Santo

O Culto Popular do Espírito Santo é, muito possivelmente, o acto simbólico que melhor ilustra o essencial da cultura portuguesa no pensamento de António Quadros. Dir-se-ia que, tal como Agostinho da Silva, não muito distante do primeiro a este respeito, António Quadros retira desta celebração a nota essencial da Cultura Portuguesa através do que considerou ser, com o povo português firmando o Culto, o paradigma simbólico da revelação do Espírito.
"Nas Festas do Império portuguesas, criadas por Dinis e Isabel, o homem de baixa condição, o pobre ou a criança sobre cuja cabeça era e ainda é colocada a Coroa do Imperador do Espírito Santo, coroa fechada e encimada por uma pomba branca, símbolo tradicional do divino Paráclito, é por assim dizer o profeta do Império do Espírito Santo de amanhã, iniciando o ritual e as festas, tal como se realizavam, a correlação das crenças e das ideias, das classes e das formas […] a Festa do Império constitui o paradigma simbólico e ritual do projecto áureo português, projecto religioso universal através da iniciativa dionísica, que irá guiar e iluminar singularmente a história nacional no seu período mais fecundo e criacionista." (Quadros, 1987: 45)  
Embora não se saiba ao certo a data exacta do início das celebrações, as suas origens remontam ao início do século XIV. É conhecida a influência da Teologia de Joaquim de Flora, abade cisterciense nascido no século XII, para o nascimento deste culto em territórios de língua portuguesa, nomeadamente em Alenquer, Açores e Brasil (*1).
Importa saber que a teoria joaquimita divide a história em três idades diferentes: a Idade do Pai, a Idade do Filho e a Idade do Espírito Santo. “A idade do Pai corresponde a um tempo criador e legislador, a idade do Filho a uma época de Amor e de caridade e a Idade do Espírito Santo a uma era de graça plena.” (Pinho, 2008: 1114) ou, nas palavras de António Quadros, a um tempo “ […] em que os homens, entregues a uma vida piedosa, ascética, caritativa, já não dependerão das Leis do Pai ou do Filho e já não se terão de guiar dominantemente pelo Antigo ou pelo Novo Testamento, mas antes por um Quinto Evangelho […]” (Quadros, 1987: 25) A teoria da Trindade de Flora foi difundida pelos franciscanos um pouco por toda a Europa. Foi por intermédio de Arnaldo Vilanova, médico da Princesa Isabel de Aragão, futura mulher de D. Dinis, que terão chegado as teorias joaquimistas a Portugal. “Algumas fontes afirmam que Vilanova iniciou a Rainha Santa nas teorias joaquimitas ou na perspectiva radical que os franciscanos dela fizeram, que, ao serem partilhadas com D. Dinis, terão conduzido os monarcas a criar o Culto do Espírito Santo.) (Pinho, 2008: 1114)
António Quadros também apoia a ideia de que a criação do Culto Popular do Espírito Santo em Portugal foi, na realidade, da responsabilidade dos dois monarcas. A primeira celebração teria acontecido por ordem destes em Alenquer, no ano de 1296, antes até da construção da Igreja do Espírito Santo naquela vila. Nos escritos de Flora, a era do Espírito Santo teria início no ano de 1260, D. Dinis, como se sabe, nasce, curiosamente, precisamente um ano depois, para, na perspectiva de António Quadros, “[…] encetar o ano 1º da Idade do Espírito Santo.” (Pinho, 2008: 1114)
"Teria este facto, porventura visto e sentido por ele próprio como providencial, influído no gesto de criar a Festa e a Cerimónia da Coroação simbólica do Imperador do Espírito Santo, tal como se realizou pela primeira vez em Alenquer (cuja Capela do Paço é dedicada ao Paráclito e onde estava a nosso ver o Políptico de Nuno Gonçalves) e logo em muitos lugares do Reino?" (Quadros, 1987: 39) 
António Quadros acredita que sim, e terá mesmo sido o primeiro a salientar este aspecto, que se juntava a um outro já amplamente discutido: o acesso providencial de D. Dinis ao trono. Até por que, para o autor de Portugal Razão e Mistério, não se tratou apenas de uma festa, de uma enigmática coroação tripla, mas sim de um “[…] acto intencional e pesado de simbolismo, tão intencional e pesado de simbolismo, que sem uma reflexão sobre o seu sentido não se nos afigura possível entender o movimento teológico da pátria portuguesa neste período áureo e axial. (Ibidem, p. 40). Em qualquer dos casos, é relevante procurar compreender de que modo o nascimento do Culto Popular do Espírito Santo se relaciona com a reflexão de António Quadros acerca da razão teológica de Portugal. É com base na teoria da Trindade formulada por Joaquim de Flora, que António Quadros entende que: “A razão de Portugal, a razão de ser de Portugal é antes de tudo uma razão teológica, isto é, uma razão aberta para com um telos ou um fim que é a justificação última do seu movimento no tempo e no destino.” (Quadros, 1987: 14) É sua convicção que Portugal está destinado a realizar fins superiores e universais, ou por outras palavras, que é dotado de um projecto áureo de realização universal. É com base nisto, que nasce no seu pensamento a necessidade de esboçar e propor uma arqueologia da tradição portuguesa, “[…] visando não só a procura daquele projecto áureo interrompido ou esquecido, mas cifrado nos sinais, nos símbolos e nos textos que dele […] ainda subsistem.” (Ibidem, p. 18)
Para António Quadros é no reinado de D. Dinis que se realiza a paideia original portuguesa, “[…] abrindo-se então um novo ciclo teológico na vida portuguesa, criando-se entre nós uma paideia original e surgindo uma dimensão inédita da cristandade e da europeidade.” (Quadros, 1987: 15) António Quadros quer com isto dizer que D. Dinis ao instaurar o Culto do Espírito Santo e as Festas da Coroação do Imperador, ao «oficializar» a língua portuguesa, tornando-a obrigatória em todos os documentos públicos, ao fundar o Estudo Geral, (a Universidade Portuguesa), “[…] criando-se entre nós um magistério teológico, filosófico e ético […]” (Ibidem, p. 16) e, finalmente, ao salvar e conservar a Ordem dos Templários, “[…] estabeleceu os fundamentos da paideia singular, de cujas ramificações nos tempos subsquentes nasceria o novo Portugal.” (Idem)
Foi também no reinado de D. Dinis, congnominado, aliás, de o Lavrador, que outros marcos importantes aconteceram, precisamente no empenho, dir-se-ia que simbólico neste contexto (*2), que demonstrou em relação ao próprio fomento da agricultura e do cultivo da terra, a que se lhe associa a prosperidade a grandes zonas rurais. Em qualquer dos casos, o conhecimento de António Quadros acerca do Culto do Espírito Santo, importa sobretudo pelo facto de que o seu pensamento acerca da cultura, encontra aqui, na nossa perspectiva, o seu substrato. A realização popular do Culto, manifesta precisamente o percurso do conhecimento em direcção ao espírito. Por outro lado, pressupõe a realização de um projecto, de um cultivo, que não se esgota na sua dimensão artificial, mas que se realiza, precisamente na conciliação entre natureza e espírito. Ora, para António Quadros, tal como para Agostinho da Silva, o essencial da cultura portuguesa não é constituído “[…] por algo concreto e observável a partir do comportamento dos portugueses […] Mas é inseparável desse mesmo comportamento, desses “sinais” que a acção concreta dos portugueses, criativa e revolucionária em muitos casos, foi produzindo desde a sua origem.” (Gama, 2008: 303) É precisamente a partir desta lição e das iniciativas de significado profético de D. Dinis, que António Quadros entende que Portugal se tornou numa Pátria “[…] de vocação universalista, espiritualista e criacionista.” (Quadros, 1987: 16) e que a cultura portuguesa tem uma missão de diálogo entre o humano e o divino. Ora, esta ideia, determina de forma decisiva todo o seu pensamento acerca da cultura portuguesa. É que, para António Quadros, “[…] se se mantém aberta a comunicação entre o culto e a cultura, através de uma filosofia dinamizante, tão certo é ser o culto o fornecedor dos fins superiores que movimentam para o futuro o pensamento, que de outro modo não ultrapassaria o estádio animal da adopção do meio. (Quadros, 1967: 24)
António Quadros Ferro
(Setembro de 2009)
Notas:

1 - Sabe-se que estas cerimónias se realizaram praticamente do norte ao sul do país, inclusive em Lisboa, mas também em Arruda dos Vinhos, Sardoal, Portalegre, Marvão, Aljezur, etc. Há ainda registo de coroações em Angola, Estados Unidos da América e Índia. António Quadros assistiu pessoalmente a algumas das celebrações, nomeadamente em 1985, na celebração das Festas do Penedo.
2 - Na medida em que a própria evolução do termo cultura “[…] deriva filologicamente de processos agrícolas ou hortícolas de cultivar o solo e de aumentar a fauna e a flora. […] Colere a raiz latina da palavra significa cultivar mas também habitar para adorar e proteger de que deriva cultus. (Pires, 2006: 39)

Bibliografia citada
- Gama, José (2008) Cultura e Filosofia – Estudos sobre o pensamento português, Braga: Universidade Católica Portuguesa de Lisboa – Publicações da Faculdade de Filosofia.
- Pinho, Romana Valente, (2008), “Deus na tradição do pensamento contemporâneo português: a contribuição de António Quadros”, Xavier, Maria Leonor L. O. (org.) A Questão de Deus na História da Filosofia, Sintra: Zéfiro, pp. 90-93.
- Pires, Maria Laura Bettencourt, (2006) Teorias da Cultura, Lisboa: Universidade Católica Portuguesa.
- Quadros, António (1967), O Espírito da Cultura Portuguesa – ensaios, Lisboa: Sociedade de Expansão Cultural.
- Quadros, António (1986), Portugal Razão e Mistério I, Lisboa: Guimarães Editores, Lda.
- Quadros, António (1987a), Portugal Razão e Mistério II, Lisboa: Guimarães Editores, Lda.

terça-feira, 11 de maio de 2010

António Quadros no Marão em casa de Teixeira de Pascoaes

"Lá fora, vinhedos, abelhas zumbindo, a serra escalvada, o Marão. Um corpo vivo, o corpo da natureza, Marános, toda aquela terra áspera, rugosa e dura latejando em Deus e para Deus, procura lentíssima de um destino. Percebemos então, nesse momento, percebemos quase sensorialmente como o poeta pudera experimentar uma saudade do divino na energia que fazia pulsar as entranhas da terra, que rasgava as fontes, que fazia correr os riachos pelas faldas da serrania, que explodia as sementes e as conduzia à apoteose da árvore, da flor, do fruto. A mesma saudade que nos prendia à terra e às suas raízes, a mesma saudade que nos atraía para um oculto esplendor. [...] Ali sentado, absortos, esquecidos do nosso eu, foi então que erguemos os olhos e o vimos, aquele quadro assinado por um pintor que julgáramos apenas escritor: Raul Brandão. Era o retrato da natureza viva e mágica que o último romântico, Teixeira de Pascoaes, nos quisera ensinar a sua poesia. Natureza mágica, natureza com alma, natureza com espírito, natureza divina. Mas natureza, também, sofredora, carecente, portadora de um pathos... Na sala havia outros quadros do autor do Húmus. Retratos um pouco rudes, porventura imperfeitos sob o estrito ponto de vista plástico, mas muito próximos da intuição pascoalina de uma natureza saudosa, uma natureza teleonómica, em movimento para a sua própria essência através das formas e das cores que compõem a sua existência."
António Quadros
Estruturas Simbólicas do Imaginário
na Literatura Portuguesa,
Átrio (1992) p. 59

quinta-feira, 6 de maio de 2010

A propósito da fotografia em baixo

"[...] Acabemos com a polémica por a ignorarmos santamente, sendo ora platónicos ora aristotélicos, insubstanciais substantes e complementares de nós próprios, indefiníveis e vincados, inexistentes e de um bruto peso, sem um escaninho em que nos metam e neles todos cabendo, tão amplos que os enchamos e tão exíguos que haja sempre lugar à multidão. [...]"

Agostinho da Silva,
Para Álvaro Ribeiro: sete notas a dez anos cada
disponível aqui.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O grupo da Filosofia Portuguesa e não só


1ª fila: Sant'Anna Dionísio, Padre Dias de Magalhães, Agostinho da Silva, Maria Violante Moreira, João Botelho, José Marinho. 2ª fila: Pinharanda Gomes, Eduardo Salgueiro, António Quadros, Francisco Sottomayor, Álvaro Ribeiro, Afonso Botelho, António Alvim, Armândio César, Francisco da Cunha Leão, Maria Leonor C. Leão, Augusto Saraiva, Vasco da Gama Rodrigues e três amigos de Agostinho da Silva, entre outros.

terça-feira, 4 de maio de 2010

Do 57

“Não se aperceberam ainda os espíritos distraídos, anacrónicos ou utópicos, de que a cultura portuguesa está a atravessar por uma transformação tão profunda que alguns dos seus mais brilhantes pilares ameaçam ruir diante da impaciência das novas gerações." Manifesto de 57, in 57, I (1957), p.2

domingo, 2 de maio de 2010

"Do Diabólico ao Simbólico: A Filosofia de Vilém Flusser"

Colóquio Internacional Do Diabólico ao Simbólico: A Filosofia de Vilém Flusser. Dias 3 e 4 de Maio no anfiteatro IV da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Programação aqui.