quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Fidelidade essencial

"Quando Fernando Pessoa identifica a pátria com a língua e não a língua com a pátria está proclamando a sua fidelidade essencial ao espírito, e não às manifestações mais terrenas e contingentes que são as nações e as sociedades." 

 António Quadros

E se pulássemos?

Sampaio Bruno

"E se pulássemos, caro amigo? Sossegue; coisa pouca. De ocidente a oriente; de este a oeste, como quem dissera de norte a sul, de polo a polo, de nadir a zenit. Mas, em espírito, entende-se. Outramente não o consentem nem a majestade da sua pança nem o respeito pela assistência, que nos contempla, escarninha. Mas é que, havendo-lhe falado do novelista espanhol Galdós, cuido que por um processo natural me acudiu ao espírito o nome do romancista russo Dostoiewsky (...) Qual o motivo desta evocação do russo? Que afinidades ao ibero prendem o salvo? Pensando nisto, après coup, julgo que foi a vibração actual de uma releitura a que volvi com íntimo sobressalto. É um absurdo de talento que pertence ao livro [«Esfinge e Realidade» de Benito Pérez Galdós], que excede o poder da atenção, direi de compreensividade, das turbas aglutinadas em banquetes de espectáculo. (...) Composição estranha! Agita-a um bafo morno de loucura raciocionante."

Sampaio Bruno
Notas do Exílio, (1893), pp.45-48

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Decomposição e Renascença

"A metáfora bíblica do rebanho assenta bem num povo cujas melhores virtualidades se guardam ainda no ambiente rural, que até em muitas cidades subsiste, quase ignorado. Nem sempre houve esta dicotomia entre o citadino e o rústico, mesmo em Lisboa, cujos bairros mal disfarçavam as origens campesinas dos vizinhos. Compreende-se, por isso, que a Restauração de 1640 se tivesse travado entre Vila Viçosa e a capital, pólos complementares de um País unido no mesmo impulso libertador. (...)"

Joaquim Domingues
«Decomposição e Renascença»,
Diário do Minho, republicado aqui.

Razão pura


"A possessão da natureza só ficará plenamente justificada, só se tornará inteiramente possível e só atingirá a finalidade que, por intermédio da ciência, se propôs e nos nossos dias parece já ter alcançado, quando a natureza se afigurar ao homem como mundo de ilusão e da fábula, mundo portanto sem realidade, sem essência nem necessária existência, mundo de formas e corpos que, em si inertes e sem vida, são movidos por forças que em si próprios não contêm mas lhe são alheias e extrínsecas e não neles, mas só no pensamento abstracto ou do que chegará a chamar-se «razão pura», revelam seu segredo. (...)"

Orlando Vitorino
Refutação da Filosofia Triunfante, (1976) pp. 63-64

Teoremas de Filosofia



"Ninguém está preparado para aceitar o absurdo."

Afonso Botelho
O Toiro Celeste Passou (1963), p.44

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Regresso de Fernando Pessoa


"[Fernando Pessoa] toma a decisão da sua vida: regressar a Portugal, de onde partira com 8 anos, deixando a mãe, o padrasto e os irmãos na África do Sul e arriscando-se a viver num meio que lhe é praticamente desconhecido. Assim, em Agosto de 1905, com 17 anos, parte para Lisboa, para se matricular no Curso Superior de Letras. Quais os motivos desta decisão, que deve ter sido dramática para um homem da sua sensibilidade? Não será difícil conhecê-los e compreendê-los. Sozinho com a mãe, depois do desaparecimento do pai e do irmão, sobre ela terá projectado toda a sua afecticidade e dela ao mesmo tempo terá recebido o amor exclusivo que as suas carências infantis exigiam. Mas o segundo casamento, a mudança súbita de vida, a difícil integração num novo lar que não terá sentido como inteiramente seu, o nascimento, um a um, dos irmãos, que decerto mobilizaram a maior parte da atenção, do carinho e até do tempo da sua mãe, também partilhados com o padrasto, que tomava o lugar do pai, tê-lo-ão acossado à solitude e à mágoa insatisfeita de que dá testemunho a sua poesia do Cancioneiro. (...) Uma das grandes linhas de força da personalidade e da obra de Fernando Pessoa, o sentimento patriótico, mergulha efectivamente as suas raízes emotivas nessa múltipla saudade: saudade do pai, saudade do lar e da família em que "ninguém estava morto", saudade da Pátria onde fora feliz, onde ficara o Pai e com o Pai se lhe identificaria pouco a pouco a sensibilidade, na imaginação, na memória inconsciente. (...)" 

 António Quadros 
Bruxelas, Junho de 1989