quinta-feira, 31 de março de 2011

Tradução de António Quadros


"Amo os que vivem hoje na mesma terra que eu, e são esses que saúdo. É por eles que luto e é por eles que estou disposto a morrer. E por uma cidade longínqua, de que não tenho sequer a certeza, não irei contra os meus irmãos. Não aumentarei a injustiça viva em nome de uma justiça morta.

(...)

Kaliayev, depois de um silêncio
Nunca ninguém te amará como eu te amo.

Dora: Eu sei. Mas não será melhor amar como toda a gente?
Kaliayev: Não sou como toda a gente.
Amo-te como sou."

Albert Camus
Os Justos, Livros do Brasil, s/d, (1960)
Tradução e Prefácio de António Quadros
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"A honra do justo consiste na absoluta ausência de interesses pessoais, ao ponto de dar a própria vida a uma causa nobre. O justo é o que assume a responsabilidade pelos seus actos, aceitando de cabeça levantada o calvário que lhe é imposto. Mas, ao mesmo tempo, o justo é o que ama os homens, seus irmãos." (do prefácio)

quarta-feira, 30 de março de 2011

«Espaço Mortal» de Afonso Cautela


"Assim Afonso Cautela escreve como um crucificado, olhando do alto do seu calvário o movimento caótico e incompreensível dos seres humanos separados, hostis, repulsivos. [...] A poesia, poesia rigorosamente de «espaço mortal», reflecte as mesmas coordenadas. Tudo o que existe macula a liberdade interior: por isso a existência aparece ao poeta como luta – a cada instante – de vida ou de morte num espaço restrito e prisional. Magoado ou ofendido ou humilhado ou irado, o poeta responde com o gume dos seus versos – mas talvez o mais ferido resulte ele mesmo. O amor oferece-se-lhe sem dúvida como bálsamo: porém, julgamos que na poesia surge mais como aspiração do que como iniciação, quer dizer, situa-se mais no plano da alma do que no plano do espírito."

António Quadros
Jornal «57», Nº 9, Setembro de 1960, p.9

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Afonso Joaquim Fernandes Cautela nasceu em 1933 em Ferreira do Alentejo. Professor do ensino primário e jornalista, foi ainda funcionário público, livreiro e bibliotecário das Bibliotecas Itinerantes da Fundação Calouste Gulbenkian em Tavira e Cuba do Alentejo.
Publicou três livros de poemas: Espaço Mortal (1960), O Nariz (1961) e Campa Rasa (2011). Organizou, com Serafim Ferreira, a antologia Poesia Portuguesa do Pós-Guerra (1965), publicou com Vítor Silva Tavares e Rui Caeiro Poesia em Verso (2007) e com Liberto Cruz uma recolha antológica do poeta Raul de Carvalho: Poesia – 1949-1958 (1965). Editou ainda dois números dos cadernos Zero: «A falência do neo-realismo» e «Líricas Maiores e Menores» e fez parte da antologia Surreal-Abjeccionismo, organizada por Mário Cesariny.
No domínio do ensaio, destaque para Depois do Petróleo, o Dilúvio (1973),  A Indústria do Ruído (1974), Contributo à Revolução Ecológica (1976) e Ecologia e Luta de Classes (1977). Tem colaboração dispersa na imprensa, nomeadamente nos jornais A Capital, O Século57 (1957-1962), (dirigido por António Quadros) e n' A Planície (1952-1964).
Durante os anos 70 e 80, colaborou na campanha ecologista, tendo fundado em 1974, com cinco amigos, a associação Movimento Ecológico Português. Entre 1974 e 1980, publicou o jornal Frente Ecológica, do qual saíram 15 números. Durante 12 anos, manteve uma crónica semanal de temas ecológicos, com o título «Crónica do Planeta Terra» no diário vespertino A Capital, onde coordenou também uma secção semanal intitulada «Guia do Consumidor». Neste período coordenou ainda a Colecção "A par do tempo", da Editorial O Século. Desde 1992 que se empenha no estudo e prática da Gnose Vibratória, criada em França por Étienne Guillé.

A Beleza e o Caos

"Criar é organizar, lutar contra a potência do espírito desordenado. Criar beleza é opor a graça à força caótica da fealdade. [...] a beleza se acha confundida na desordem do caos que se mistura ou se misturou à criação divina. [...] Quem sabe se o caos não é se não a memória dos homens, a sua multiplicidade, as diferenças abissais que separam uma alma de outra e todas do conhecimento supremo. Esquecemos?"


Ana Hatherly
em 57, ano IV, n.° 9, Lisboa, Set. 1960, p. 6 e 10. Disponível aqui.

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Poeta, ensaísta, investigadora, artista plástica e tradutora, Ana Hatherly, pseudónimo literário de Ana Maria de Lourdes Rocha Alves, nasceu na cidade do Porto em 1929. Licenciada em Filologia Germânica pela Universidade de Lisboa, doutorada em Estudos Hispânicos pela Universidade de Berkley,  foi uma das fundadoras do PEN Clube Português. Frequentou a tertúlia do grupo da Filosofia Portguesa, chegando a colaborar no jornal 57 (1957-1962), dirigido por António Quadros. Nos anos 60 e 70, com Ernesto de Melo e Castro, cria o grupo de Poesia Experimental. Em 1960 edita a antologia Caminhos da Moderna Poesia Portuguesa, onde, por sinal, figura António Quadros e publica, entre outras obras, Um Ritmo Perdido (1958), 39 Tisanas (1969), Um Calculador de Improbabilidades (2001), Fibrilações (2005), A Idade da Escrita e outros poemas (2005).
Traduziu A Voz Secreta das Mulheres Afegãs, de Bahodine Majrouh; O Peão Agressivo, de Robert Littell; Férias de Agosto, de Pavese; Cinco Meditações Sobre a Existência, de Nicolau Berdiaev; Antologia poética, de Gunnar Ekelöf; A Europa durante a Reforma, de Geoffrey Rudolph Elton; Dicionário Infernal, de Collin de Plancy; O Amor e o Ocidente, de Denis de Rougemont; Sade, Meu Próximo, de Pierre Klossowski; Imagística do espaço fechado na poesia de Fernando Pessoa, de Leland Robert Guyer; O Vagabundo do Dharma, de Han-Shan; A Vénus de Kazabaïka, de Sacher-Masoch; Ouve-nos senhor do céu que é a tua morada e Através do Canal do Panamá, ambos de Malcolm Lowry; etc.
Recebeu diversos prémios pela sua actividade literária. Em 1978 foi galardoada pela Academia Brasileira de filologia do Rio de Janeiro com a medalha Oskar Nobiling, em 1998 obteve o Grande Prémio de Ensaio Literário da Associação Portuguesa de Escritores, em 1999 o Prémio de Poesia do P.E.N. Clube Português; e, em 2003, o Prémio de Poesia Evelyne Encelot, em França.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Tríade


Da esquerda para a direita: 1ª linha: José Marinho, Álvaro Ribeiro; 2ª linha: Adolfo Casais Monteiro, Joaquim Magalhães, Leonardo Coimbra, Luís Guedes de Oliveira, Carlos Sanches; 3ª linha: Horácio Cunha, António Alvim.
(em Leonardo, I, nº3, 1988)

sexta-feira, 25 de março de 2011

Café Palladium, Porto, Outubro de 1941


(da esq. p.ª dir.) João Alves, Sant'Anna Dionísio, Carlos Sanches, José Régio, Jorge de Sena, Alfredo Pereira Gomes, Adolfo Casais Monteiro e Alberto de Serpa

terça-feira, 22 de março de 2011

segunda-feira, 21 de março de 2011

O magistério dos discípulos

Da esquerda para a direita: António Braz Teixeira, António Quadros, Pinharanda Gomes e Afonso Botelho. (Nas comemorações do centenário do nascimento de Leonardo Coimbra em 1983.)

18º aniversário da morte de António Quadros

Hoje, dia 21 de Março de 2011, assinala-se o 18º aniversário da morte de António Quadros com a celebração de uma missa em sua memória. É na Igreja Paroquial de Cascais, às 19h15.

Ao longo desde dia, a Fundação António Quadros, estará na livraria Artes e Letras, no Largo Trindade Coelho em Lisboa, prestando a sua homenagem ao escritor. Estarão à venda várias obras de António Quadros, assim como de Fernanda de Castro e António Ferro.

No Sábado, dia 26, a homenagem acontece no Palácio Foz, com a apresentação do Prémio António Quadros Cultura e Pensamento, uma mostra bibliográfica da sua obra e leituras de alguns dos seus poemas.
Veja o programa completo aqui.

sexta-feira, 18 de março de 2011

Colóquio "A Obra e o Pensamento de Eudoro de Sousa"


O Instituto de Filosofia Luso-Brasileira promove, dias 22 e 23 de Março, no Palácio da Independência em Lisboa, o Colóquio "A Obra e o Pensamento de Eudoro de Sousa". Comunicações de João Ferreira, António Braz Teixeira, Joaquim Domingues, Miguel Real, Luís Loia, Rodrigo Sobral Cunha, Constança Marcondes César, entre outros. Programa completo aqui.

terça-feira, 15 de março de 2011

Dois novos títulos

 

A Fundação António Quadros vai dar brevemente à estampa dois novos títulos. Um livro de homenagem a António Quadros, que assinala os 18 anos depois da sua morte, que inclui testemunhos de amigos, família e  várias personalidades da nossa cultura, e ainda a troca de correspondência entre Delfim Santos e a Família Castro e Quadros Ferro, com prefácio de António Braz Teixeira e organização de Filipe Delfim Santos. Para além de outros documentos inéditos, este epistolário reúne 28 cartas de António Ferro, Fernanda de Castro, António Quadros e Delfim Santos e ainda uma epístola de José Osório de Oliveira sobre a saída de António Ferro do Secretariado Nacional de Informação (SNI) em 1949.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Homenagem a António Quadros

Dalila Pereira da Costa, conhecimento pela experiência mística


"O conhecimento pela experiência mística, que Fernando Pessoa considerava genuíno, embora inseguro, que na obra de Leonardo se liga à graça, na de Marinho à visão unívoca e na de Álvaro Ribeiro à gnose tem sem dúvida, na obra de Dalila Pereira da Costa, talvez a mais vivencial e contudo mais meditada expressão da nossa cultura moderna. [...] A filosofia portuguesa contemporânea, muito embora tenha predominantemente um caraácter teleológico e operativo, sobretudo com Sampaio Bruno, Leonardo Coimbra e Álvaro Ribeiro, tendendo não raro a distanciar-se do passivismo da postura intelectual recptiva e mística, não deica contudo de considerar o seu valor na ordem do conhecimento.
Bruno [...] radica toda a construção intelectual de A Ideia de Deus, em fenómenos auditivos inexplicáveis que experienciou e atribuiu a intervenções angélicas.
Leonardo Coimbra, falando da passividade mística, apontava no entanto para o acordo superior das duas formas de pensamento humano -  a científica e a mística.
Obra contrapolar de outras, marcadamente lógico-científicas, como A Razão Experimental, o seu livro A Alegria, A Dor e a Graça, está inteiramente repassado de uma sensibilidade mística, descrevendo a natureza, as criaturas, os seres humanos, Deus, como em verdadeiro trânsito da percepção sensorial para a apercepção espiritual, como em anunciação de uma fenomenologia ontopneumatológica pessoalmente vivida.
Álvaro Ribeiro, também com algumas reservas perante o pensamento místico, tanto no cristianismo como no budismo, admite em a A Arte de Filosofar uma gnoseologia da intuição, da imaginação, do sonho e da visão contemplativa, desde que pensadas à luz da razão conceptuante, à luz de um racionalismo aberto para o mistério.
José Marinho transporta abertamente a realidade da experiência mística ou unitiva como visão, visão unívoca, para o seu sistema filosófico. Ela é, a visão unívoca, como que a vivência agraciada que para os homens será o ponto luminoso pelo qual podem experienciar fugazmente a relação enigmática entre o Ser da Verdade e a Verdade do Ser, mau grado o mundo de cisão em que vivem.
Quanto a Afonso Botelho, na recente suma do seu pensamento que intitulou Da Saudade ao Saudosismo, elevou ao nível especulativo e filosófico as intuições de Pascoaes e de outros poetas saudosistas, delineando o conceito de uma filosofia gnoseológica da saudade, com nítidas afinidades místicas.
O livro [Místicos Portugueses do Século XVI] de Dalila Pereira da Costa, porém atinge uma dimensão singular na exegese da literatura mística, porque na sua personalidade se encontram harmoniosamente, tanto a inteligência hermenêutica apoiada na mais sólida cultura, como a predisposição e «saber de experiências feito» de quem é, ela própria, uma espiritual, uma mística, autora das páginas mais fulgurante de A Força do Mundo ou de Os Jardins da Alvorada.

António Quadros
Memórias das Origens, Saudades do Futuro (1992) pp.58-59

quinta-feira, 10 de março de 2011

Fundação António Quadros recebe estatuto de Utilidade Pública


A Fundação António Quadros recebeu hoje, dia 10 de Março de 2011, por deliberação da Presidência do Conselho de Ministros, o estatuto de Utilidade Pública.

Trata -se de uma Fundação que evidencia, face às razões da sua existência e aos fins que visa prosseguir, manifesta relevância social. Coopera com entidades públicas e privadas na prossecução dos seus fins.

quarta-feira, 9 de março de 2011

Sobre a fotografia em baixo

Se eu ficasse aqui, indefinidamente a escrever, transformar-me-ia num tecido puído; desfeita quando alguém, ou alguma coisa me tocasse, deixaria apenas poeira com brilho das palavras e dos seres.
[...]
Passei o dia com as plantas. A conversar sobre elas, a distribui-las pelos jardins em vasos e bacias de esmalte e de barro. Comprei dezenas no mercado de Jodoine onde pude finalmente ir por ser quinta-feira de Ascensão. Tive um pensamento, de que já perdi a memória textual, onde plantas germinavam na sombra. Perdi a maneira de dizer, que era exacta e solidária - singular. Um dia, no Inverno, estava na estufa, quando senti o desejo irreprimível de baixar-me sobre a mesa e beijar uma planta. Desde aí, há entre elas e eu uma possibilidade de expressão, de código desconhecido.

Maria Gabriela Llansol

sexta-feira, 4 de março de 2011

Marchámos em difícil equilibrio

"Os anos rolaram. Não perdemos nunca felizmente a ingenuidade das nossas primeiras indignações. Também nunca as confundimos com os processos sofísticos ou dialéctivos de movimentos apenas interessados em substituir uns professores por outros professores, uma burocracia por outra burocracia. Marchámos em difícil equilíbrio sobre um fio escaldante, recusámo-nos ao hipnótico jogo das direitas e das esquerdas, repudiámos a proposta opção entre formas paralelas de adormecimento mental, fizemos do nosso patriotismo o único universalismo possível em tempo de diáspora, fizemos também do nosso exigente universalismo o único patriotismo aceitável, adversário do nacionalismo como do árido internacionalismo, do conservadorismo como do apressado progressismo. [...] Empenhámo-nos numa acção cultural, mas de finalidade espiritual, pois que a cultura não dispensa, sob pena de esterilidade, a enigmática e imensa energia concentrada da semente."

António Quadros
"Cisão ou Diáspora",
em Espiral, 8/9 (1965), pp 58-59

O tempo de Deus é o tempo da atenção. O tempo de Deus é hoje.

"Ninguém poderá negar a grandeza da concepção de Deus e, concomitantemente, do homem e do Universo que António Quadros nos oferece nas suas Histórias do Tempo de Deus. Ela é a dádiva fraternal de um pensador que estende amigavelmente a todos os homens a mão como o fruto do trabalho mais operoso e mais nobre, procurando incutir-lhes confiança no destino de cada um e no da Humanidade e despertar-lhes o interesse pelos problemas cuja meditação e discussão muito podem contribuir para o seu enriquecimento interior."

José A. Ferreira
"A Perianábase da Alma nas Histórias do Tempo de Deus de António Quadros",
em Espiral, nº 10 (1966) p.95

quinta-feira, 3 de março de 2011

Este, aqui

"Advertência preambular, prefácio, prolegómeno, intróito, ou como queiram chamar-lhe, manda a técnica que aqui escrevunhe. Pergunto-me, porém, para quê? Na humilhada volta, encontro-me, em verdade, com copains no cemitério, com camaros de pé na escotilha do Brasil. Miseramente, com isto para o brochador. [...] Mas - feliz, infelizmente - eu não sou um homem de letras, eu nunca quis jamais ser outra coisa de que um homem de propaganda. Não sou um literato, sou um jacobino, não sou um estético.
Por isso não me amofino. Não discorro para iguais; falo para quem, mentalmente, menos seja. Os de cima que outramente se regalem. Se há para baixo, que, aprendendo, se orientem. Este, aqui, como no que precedeu, como no que há-de seguir, este, aqui, meu único, desdenhoso, indiferente intuito. [...] Reconheço-os, pressinto-os, esses enganos. Alguns desagradáveis. Mas terrível o que emerge da esperança final na restauração de certa zona, abandonada, em fuga, como terra maldita pelos mesmos lábios de Deus. Este acudimento ao espírito de irritantes previsões mais me enfurece. Contra semelhante prólogo. Contra análoga ideia de o apontar sequer. Para fazer pensar a gente em coisas tristes. Em desgraças, que nem pode remediar nem sabe consolar. Assim, decido-me. Não o escrevo."

Sampaio Bruno
Notas do Exílio - 1891-1893
Lello & Irmão Editores, (1986), p.VIII

quarta-feira, 2 de março de 2011

Fingir a eternidade pela desproporção das durações


"A arquitectura é uma arte de próxima finalidade, cuja beleza é a adaptação finalista; ou, quando de superiores interesses, é uma arte simbólica. O seu simbolismo consiste na representação dos pensamentos humanos pelo elementar movimento dos corpos. [...] A arquitectura quase mais nada é, para a sensibilidade, que a mineralização da vida, a fingir a eternidade pela desproporção das durações."

Leonardo Coimbra
A Alegria, a Dor e a Graça
Editores Renascença Portuguesa, Porto, 1920, p. 65-68.