quarta-feira, 28 de abril de 2010

A morte antes da morte

"[...] Começamos a morrer quando deixamos para trás a infância, isto é, quando perdemos a ingenuidade, o optimismo, a capacidade de rir com as manhãs soalheiras do universo. Começamos a morrer quando a sombra alastra em nós de tal modo, que nenhum calor já é capaz de nos reconfortar. Começamos a morrer quando se acumulam exessivamente na nossa alma as células gastas das ilusões perdidas. [...]"


António Quadros
A Morte antes da Morte,
In: “Sílex”, Lisboa, n.° 4, Set. 1980, pp. 3-8

Heteronímia e Alquimia ou do Espírito da Terra ao Espírito da Verdade

"[...] Perguntamo-nos hoje, ao acompanhar os desenvolvimentos ainda mais recentes da psicologia, que significado real terá tido a simulação ou o fingimento de Pessoa, no sentido corrente destes termos, e como ele próprio os definiu, falando para estranhos ou para um público vago. Perguntamo-nos se os heterónimos não correspondem simplesmente a cisões reais e inescapáveis de uma individualidade que quase diríamos infinitamente complexa, mas tomando ela consciência plena do fenómeno e procurando assumi-la e, em último termo, sublimá-la. Entre a individualidade e a personalidade interpõe-se a máscara ou persona, que é a projecção de uma síntese de traços caracterológicos, inclinações anímicas e complexos afectivos. Usada desde muito cedo, senão abusada pelo voluntarismo do orgulho (eu sou quem sou, eu sou coerente comigo próprio, não há em mim contradições), a persona confirma e acentua o que se chama a unidade personalística. Os heterónimos seriam pois, se porventura analisados por Janet, Morton Prince ou Jung, «parcelas de personalidade», coexistentes e independentes, caracterologicamente diferenciadas e até com memória própria que, confrontando-se no teatro do inconsciente, mas reconhecidas pela consciência vigilante do poeta, viveriam o que este definiu como «um drama em gente».
António Quadros
Fernando Pessoa, Vida, Personalidade e Génio,
Publicações Dom Quixote, (2000), 5ª edição, pp. 278-279

sábado, 24 de abril de 2010

António Quadros, O Escritor e a sociedade

“Fora da solidão da criação o escritor não existe como escritor, é um homem social. (...) mas é quando ele está só que estabelece a maior comunicação com o maior número de pessoas. Porque a solidão criativa é de certo modo um diálogo com os outros, enquanto, por outro lado, pode parecer paradoxal (...) a vida pública do escritor é quando há menos diálogo com os outros (…) é um acidente, é qualquer coisa artificial e um pouco superficial. Não é aí que ele se realiza. É quando está só que o escritor comunica com os outros e digamos mais do que isso, comunica com o Universo.”  António Quadros (O Escritor e a sociedade, RTP, 1983)

quinta-feira, 22 de abril de 2010

António Quadros sobre Fernando Pessoa

"[...] Os citados críticos franceses, [Patrice Delbourg, Jean-Pierre Thibaudat, etc.] deslumbrados pelos sinais mais exteriores e espectaculares da personalidade literária de Fernando Pessoa, insistiram sobretudo nos aspecto inovadores e modernistas da sua obra, na questão intrigante dos heterónimos ou na inteligência prodigiosa de todos os seus escritos. Se ficássemos por aqui, no entanto, pouco avançaríamos no conhecimento da poética pessoana. É que se Pessoa foi um inovador, foi também um expressor de princípios e arquétipos que transcendem as categorias do tempo; se foi um moderno e um modernista, foi também um incansável pesquisador e assuntor do tradicional, do secreto, do mítico, do enigmático, do que se perdeu ou esqueceu e contudo está vivo, porque é talvez perene na cultura portuguesa e universal mais profunda; se, com a invenção dos heterónimos, exprimiu como ninguém a cisão psicológica e espiritual da alma humana, através do drama da sua própria alma, conflitualmente dividida em estratos sobrepostos, ao mesmo tempo nunca deixou de perseguir o nódulo interior ou o princípio de unidade, orientador da reconvergência possível, como telos ou fim último da gesta humana neste mundo de geração e de corrupção; e se a sua fulgurante inteligência analítica dá por vezes impressão de sofística ou dialéctica (tal a facilidade com que manipula os conceitos mais difíceis) há sempre nela, ao mesmo tempo, uma sinceridade, uma autenticidade, um pathos de sofrimento, de angústia e também de incansável determinação próxima da santidade intelectual, que dá grandeza heróica à sua obra, vista no seu conjunto como uma peregrinação sofrida e mantida para o absoluto ou mesmo para o divino, no paradigma fáustico, mas ultrapassando-o em momentos excepcionais de conhecimento merecido e alcançado. [...]"
António Quadros
Obra Poética de Fernando Pessoa, Poesia - I, (1902-1929),
int. e org. de António Quadros, Publicações Europa-América

terça-feira, 20 de abril de 2010

Texto de Álvaro Costa de Matos sobre o 57

A história do Movimento da Cultura Portuguesa e do Jornal 57, fundado e dirigido por António Quadros, é um dos temas do último número da Revista Jornalismo & Jornalistas (Jan/Mar, 2010) disponível aqui. O texto é da autoria de Álvaro Costa Matos, coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

António Quadros sobre...

A Torre de Barbela de Ruben A.

"[...] Se o romance Caranguejo (1954), escrito ao contrário, de diante para trás, com uma atmosfera kafkiana, permanece um dos marcos principais da nossa mais inovadora novelística dos últimos 35 anos, e se os três volumes de O Mundo à Minha Procura (1964-1968) contituiem paradigma da autobiografia primordial, em que o eu-omphalos, o eu-umbigo do mundo, é o herói de um mito solar em desagregação, oscilando entre a auto-ironia crítica, a saudosa elegia dos paraísos perdidos e a secreta, silenciada esperança numa regeneração do cosmos em sua volta. A Torre de Barbela, um dos romances mais originais que entre nós foram escritos, é a obra prima, escrevemos no In Memoriam, de um Ruben minhoto enxertado de surrealista metafísico e de comediógrado à Ionesco. [...]"

António Quadros
Estruturas simbólica do imaginário na literatura portuguesa
Átrio, 1992, p.185

sábado, 17 de abril de 2010

Mircea Eliade sobre E. M. Cioran

"[...] Conhecia muito bem Cioran. Já éramos amigos na Roménia, nos anos 1933-1938 e fiquei feliz de o reencontrar aqui, em Paris. Admirei Cioran após os seus primeiros artigos publicados em 1932, quando tinha apenas vinte e um anos. A sua cultura filosófica e literária, os místicos alemães e Açvagosha. Por outro lado, possuía, muito jovem ainda, um espantoso domínio literário. Tanto escrevia ensaios filosóficos como artigos panfletários com um poder extraordinário. Podemos compará-lo aos autores dos apocalipses e aos mais famosos panfletários políticos. O seu primeiro livro em romeno, Nos Cumes do Desespero, era apaixonante como um romance e simultaneamente melancólico e terrível, deprimente e exaltante. Cioran escrevia tão bem o romeno que não podíamos imaginar que um dia mostraria a mesma perfeição literária em francês. Penso que o seu exemplo é único. É verdade, desde sempre, tinha admirado o estilo, a perfeição estilística. Dizia, muito sério, que Flaubert tinha razão quando trabalhava toda a noite para evitar um subjuntivo... [...]"


Mircea Eliade

A Provação do Labirinto, Diálogo com Claude-Henri Rocquet
Publicações Dom Quixote, 1987, pp.74-75

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Forças terrenas



"[...] a saudade vence a irreversibilidade do tempo e a distância do espaço, efectua a síntese, ou mais a união do espaço e do tempo, anulando sua aparente diferença e desunião: e anulando-os finalmente como forças terrenas. Se quisermos apontar na espiritualidade mundial outro princípio semelhante e inserto numa dada filosofia, lembremos o ioga na filosofia indiana. A saudade é, tal o ioga, na sua vera tradução, união. E ambos como dimensões específicas de duas grandes espiritualidades mundiais; situadas, uma num extremo atlântico da Europa, outra no centro da Ásia. E duas formas diferentes que tomou o mito da reintegração, o que está primordialmente na saudade e no ioga. E ambos como disciplinas de ascese, visando a perfeição do ser e estar no mundo, num estado de consciência superior. [...] Mas, notável diferença, a saudade, pelo homem português, levou esse princípio à sua manifestação na História pela Descoberta da terra e do céu. Embora haja também no ioga esta dimensão cósmica, ela não se projectou num acto histórico realizado efectivamente na realidade. Na introversão da alma indiana e não-vontade de intervenção no mundo alheio, mas voluntariamente limitando-se sobre si, não houve essa outra projecção no plano histórico, tal como a nação portuguesa; uma concepção espiritual traduzida extrovertidamente num feito à medida universal, abrindo novo ciclo, a Idade Moderna."


Dalila Pereira da Costa
As Margens Sacralizadas do Douro Através de Vários Cultos.
(Lello Editores, 2006: p.101)

Poemas de Frei Agostinho da Cruz

Alta Serra deserta, de onde vejo
As águas do Oceano de uma banda,
Da outra, já salgadas, as do Tejo.

Integrado no ciclo Portugal Renascente (iniciativa conjunta dos Cadernos de Filosofia Extravagante e da Nova Águia, em parceria com a Câmara Municipal de Sesimbra), tem lugar no próximo dia 24 de Abril, sábado, pelas 15:00, na Sala Polivalente da Biblioteca Municipal de Sesimbra, o lançamento de Poemas da Montanha, recolha de poesias de Frei Agostinho da Cruz que conta com um prólogo de Dalila L. Pereira da Costa e tem a chancela da Serra d’Ossa. A apresentação da obra estará a cargo de Luís Paixão.
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Frei Agostinho da Cruz (Agostinho Pimenta) nasceu em Ponte da Barca, no Alto Minho, no dia 3 de Maio de 1540 e morreu em Setúbal em 1619. Em 1560 entrou como noviço no Convento de Santa Cruz da Serra de Sintra e aos 21 anos de idade fez-se capuchinho tomando o nome pelo qual viria a ser conhecido. Frei Agostinho da Cruz foi nomeado guardião no Convento de S. José de Ribamar aos 65 anos, vivendo a partir daí como eremita na serra da Arrábida, onde permaneceu por 14 anos vivendo do que a natureza oferecia. Foi poeta mas queimou quase toda a sua poesia. Os poemas que restaram foram publicados em 1771 primeiro e em 1918 depois. Morre no dia 14 de Março no Hospital de Nossa Senhora Anunciada em Setúbal.

Sobre Frei Agostinho da Cruz, Teixeira de Pascoaes escreveu: “Todo o espírito superior, na luta vencedora contra a materialização, ou se mata, como Antero de Quental, ou, como Frei Agostinho da Cruz, força a barreira tenebrosa e ajoelha, rezando, aos pés de Deus...” Teixeira de Pascoaes, Os poetas lusíadas, Assírio e Alvim, Lisboa, 1987, p. 115

terça-feira, 13 de abril de 2010

Biblioteca de António Quadros

A biblioteca de António Quadros está a partir deste mês disponível para consulta. A grande maioria dos livros que o escritor reuniu, anotou e sublinhou ao longo da sua vida encontram-se agora na sede cultural da Fundação António Quadros em Lisboa.  Mais informações aqui.

Da «Ode aos mitos ibéricos»

Maravilhoso e vil
este mundo é outro e é o mesmo,

forma dramática ou épica de luta
pela vida mais verdadeira e mais real
que o homem em seu sonho escuta.

António Quadros
(Imitação do Homem, odes, Textos Espiral, 1966)

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Da «Ode à noite»

Três vezes interroguei a providência
e três vezes me respondeu o imenso lamento
do perene humano sofrimento,
porquê, para quê?
de onde, para onde?

António Quadros
(Imitação do Homem, odes, Textos Espiral, 1966)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

António Quadros sobre..

António Sérgio

"Sérgio passou como um furacão pela vida cultural portuguesa. Idealista, foi sobretudo um guerreiro, um paladino, um voluntarista. Quis demolir para reconstruir, mas principalmente demoliu. A sua obra teve desmedida influência e, depois dele, nada ficou igual ao que era. Para o melhor ou para o pior. Quanto a nós, para o pior...
[...] Foi um pensamento essencialmente redutor. Um pensamento constantemente apostado em reduzir o complexo ao simples, o enigmático ao claro, o curvilíneo ao rectilíneo, o múltiplo e o diverso ao uniforme, o imenso ao mínimo, o espiritual ao material e o antropológico ao sociológico.
[...] Depois de supervalorizar uma sociologia horizontal, matemática e genérica, ignorando (ou ocultando) os dados da antropologia cultural, da psicologia, da caracterologia, da psicanálise, etc. (o que era muito mais fácil no seu tempo), tratava-se para Sérgio, de mostrar como tudo quanto é sociologicamente insignificante, na realidade... não existe.
[...] José Marinho esclareceu-o perfeitamente: em António Sérgio, a razão aparece-nos «sem o próprio conceito» [....]"

António Quadros
Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista II, pp. 23-24
(Guimarães, 1983)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

António Quadros sobre...

OS PASSOS EM VOLTA, HERBERTO HELDER

"Os passos em volta, superam aquele realismo ingénuo de uma positividade extrínseca e social e, se não desembocam numa concepção plena e consciente de outra realidade mais real, pode dizer-se que estão a caminho. Herberto Helder dá neste livro o passo da crítica, problematização de uma realidade apreendida por exclusiva via sensorial, e por isso insatisfatória. No entanto, dir-se-ia que a vagabundagem, o isolamento, a inquietação - leitmotivs constantes de conto para conto -, que caracterizam as suas personagens autobiográficas, surgem como fuga não ao tipo de realidade de que partiu, mas ao tipo de realidade a que dir-se-ia não quer chegar. [...]"

António Quadros
Crítica e Verdade, Introdução à actual Literatura Portuguesa 
(Clássica Editora, 1964)

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Delfim Santos em diálogo



Livro de homenagem a Delfim Santos com cordenação e introdução de Cristiana de Soveral e Paszkiewicz e textos de Norberto Ferreira da Cunha, António Braz Teixeira, Manuel Ferreira Patrício, Renato Epifânio, Joaquim Domingues, Celeste Natário e Alberto A. Abreu. (Porto, Caixotim, 2010)