sábado, 26 de julho de 2014

Fedro

"Quem ousaria dizer ao autor do Fedro: Põe de parte o aspecto mítico ou mítico-poético do teu pensamento para seres lógico (...)?"

José Marinho
 Filosofia, Ensino ou Iniciação, (1972) p. 57

Somos bons a empurrar

"Empurra-se o menino, empurra-se o adolescente, empurra-se o adulto: somos todos uns excelentes pedagogos: empurramos. (...)"

Agostinho da Silva 
Dispersos (1989)

Cabeças cúbicas/bestas quadradas

"O que fazemos é criar cabeças cúbicas. E nós perdemos essa memória do cúbico, o que dizemos é que a maior parte das vezes, a pessoa sai da escola sendo uma besta quadrada."

 Agostinho da Silva 
Namorando o amanhã (1996), p.44

Saudade, mito, sensação, percepção

“Não é uma actividade menos racionalista pensar a saudade ou o mito, do que pensar a sensação ou a percepção (....).”

António Quadros
Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista, II Volume, p. 25.

quinta-feira, 24 de julho de 2014

Todos os matizes faíscam

"O sol amanhece sobre as águas silenciosas da Bahia e todos os matizes faíscam por cima das ondas, dos topos das árvores do casario suspenso entre as brumas da aurora, os campanários das velas de um saveiro aqui e acolá. (...)"

João Ubaldo Ribeiro
Viva o povo brasileiro (1984) 

18,19 e 23

Dia 18 de Julho morre
dia 19 Rubem Alves
dia 23 Ariano Suassuna.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Ariano Suassuna 1927-2014

Angelina


"As primeiras lições encontraram a sua inteligência aberta. Angelina era sôfrega de aprender, de estudar, para brilhar perante os mestres, a família, as pessoas das relações. Havia, no seu ânimo, o propósito, inconsciente, de vencer as amigas e as primas na única competição a que podia concorrer com elas, a da inteligência. Dentro em pouco era tido como prodigiosa. Fazia exames em Lisboa e obtinha classificações desvanecedoras. Também aprendia música e tocava expressivamente harpa e violino. Pelos quinze anos começou a fazer versos. Mais tarde, depois de passar uns invernos em Lisboa, de ver o teatro português e francês, escreveu teatro. (...) Mas Angelina ainda tinha fome de mais aplausos e desejava publicar as suas peças. (...) Os pais facilitavam-lhe todos os desejos, viviam em perene servidão de amor, por contricção de suas culpas irremissíveis e para que a infelicidade de Angelina se atenuasse. O remorso dos dois transparecia na generosidade com que lhe satisfaziam os caprichos. (...) O notário da vila, um janota disposto a vender em leilão matrimonial a sua categoria de doutor, escreveu a Angelina a primeira carta amorosa. Uma carta que ela leu com espanto e releu com angústia. Uma carta com que ela rasgou o véu que lhe encobria a tragédia do destino. (...)"

Maria Archer
Filosofia de uma mulher moderna (1950) p.84

terça-feira, 22 de julho de 2014

Pedra Bonita de José Lins do Rego


"José Lins do Rego, escritor nordestino, da Paraíba, foi e continua a ser um dos romancistas brasileiros mais apreciados em Portugal, onde estão editados quase todos os seus livros. Não poderemos considerá-lo um autor regionalista, porque procura dar e dá a visão em profundidade da paisagem humana, social e física do Nordeste, quer no sentido da sua identificação, quer num sentido psicológico, sociológico e ético, nunca cedendo à tentação, comum nos anos trinta e quarenta, de fazer literatura de subordinação ideológica ou política.
De entre os seus melhores romances (...) Pedra Bonita avulta como um dos mais poderosos, senão o mais radical e profundo no esboço das suas figuras de tragédia, embora num contexto aventuroso, épico e místico. Tem continuação em Cangaceiros, mas agora antes com acentuação no tema do cangaço onde se misturam o crime, a vingança, o carisma heróico do bandido, um código de honra, a violência desapiedada, a luta do bem e do mal, o ódio e também por vezes a força de sentimentos recalcados como o amor filial ou fraternal, pois Domício, o tocador de viola, irmão de Bentinho, um dos fanáticos da Pedra, acabou por juntar-se ao chefe dos Cangaceiros, o seu outro irmão, Aparício. Pedra Bonita não narra propriamente os episódios de 1838, atrás citados. É sobretudo o romance do destino implacável, do fado inescapável, do mythos trágico no sentido grego. Se o mito sebástico fora até aqui patriótico, entre saudosista e profético, simbólico de uma esperança ou de uma aposta no maravilhoso, de um dinamismo messiânico, embora onírico, mas representativo de um pathos nacional, Lins do Rego ergue, com o seu António Bento, uma figura de tragédia sertaneja, segundo o arquétipo das personagens de  Ésquilo e de Sófocles. (...)"

António Quadros
Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista (1983) p. 202

Suassuna


"Simplesmente, Suassuna o que faz é realizar, prodigiosamente, em romance e em poesia, na dupla dimensão do histórico-existencial e do mítico-popular, algo de equivalente àquela maravilhosa viagem onírica que nos contou Jung nas suas memórias e que lhe abriu o caminho psicológico para a descoberta do inconsciente colectivo ou arcaico. (...) Suassuna só pode ser valorativamente  apreciado, quanto a mim, na altíssima perspectiva dos grandes criadores literários do nosso século. (...)"

António Quadros
Poesia e Filosofia do Mito Sebastianista (1983) p.235

António Quadros e Ariano Suassuna


António Quadros e Lima de Freitas


Em Nova-Iorque

No Carvoeiro

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Os amantes

- Onde íamos nós?
- Não sei. Tenho medo. Não sou capaz de continuar.
- Não és capaz? Agora, que tudo ia tão bem? Não vês como tudo tem corrido hoje muito melhor?
- Mas tenho medo. Acho que estamos a dar cabo de nós. Qualquer dia damos cabo um do outro.
- E então, não vale a pena? Ou sentes-te muito satisfeita com aquilo que és? Ou pensas que me devo sentir muito satisfeito com aquilo que sou?

(...)

- O que é preciso é irmos todas as noites cada vez mais longe.
- E depois?
- Ou há sempre depois ou deixa de haver depois. Não podemos parar.
- Eu preferia que voltássemos para trás.
- Não. Isso nunca.

David Mourão-Ferreira
Os Amantes (1968) p.117

Fraternalíssimo



Ao António Quadros,
querido Amigo, incomparável camarada,
figura de proa
em tantos e variados sectores da cultura portuguesa contemporânea
e sobretudo, ao excelente narrador das "Histórias do Tempo de Deus",
com o fraternalíssimo abraço 
do
David Mourão-Ferreira
Junho. 68.

segunda-feira, 14 de julho de 2014

Uma carta inédita no dia do seu aniversário

Cascais 8.7.87

Meu caro António Telmo:

(…). 
O ano de 1986 foi sobretudo de batalha intelectual comigo próprio: para completar a organização das Obras em Prosa de F. Pessoa para a Europa-América; para completar e entregar a tempo o vol. II de Portugal, Razão e Mistério; para preparar o curso sobre Filosofia Portuguesa que dei no Rio de Janeiro…
À chegada, já sabe, os meus problemas cardíacos. Só há pouco terminei a longa série de análises complicadas no Hospital de St.ª Cruz (coronariografia, isótopos, etc., etc.), pois suspeitavam de algo mais grave do que afinal parece que tenho. Foi pois posta de lado a cirurgia, mas terei que tomar sempre uns 5 ou 6 remédios, fazer regime constantemente e reduzir o “stress” da minha vida, no que o IADE tem a parte maior, hoje com cerca de 100 professores e cerca de 1.000 alunos. (…). Mas… meti-me nisto e já não poderei sair tão facilmente, pois sinto a responsabilidade perante as pessoas que trabalham no IADE, os alunos, etc. É qualquer coisa da ordem do dever, mas que distrai do que seria essencial: pensar, reflectir. 
E é do que sinto mais falta. Decerto, o meu trabalho intelectual ressente-se deste misto de falta de tempo e de pressa, pois me pesa muito não saber se ainda terei os anos suficientes para completar a obra, que imodestamente julgo poder realizar dentro das minhas possibilidades e faculdades, obra esta que afinal, depois destes anos todos, povoados de tanta inutilidade, ainda via no princípio, nas primeiras frases… Assim, o ano de 1987 foi mais marcado pela luta pela saúde, o que graças a Deus, e de momento, parece já quase controlado, embora ainda chegue ao fim do dia bastante cansado, sobretudo quando o passo todo em Lisboa. (...)
Entretanto, tenho escrito alguns textos e ensaios, como a comunicação que em Agosto vou fazer à Áustria, no Alpbach European Forum (“Do Império do Espírito Santo ao Mito do Quinto Império”), como outra que fiz na Universidade Católica sobre a Justiça e a Paz ou o longo texto sobre a Filosofia Portuguesa no século XX para a revista Democracia e Liberdade (para o qual você também colaborou e que, segundo diz o Pinharanda, deve sair em Setembro); e também fui falar de temas semelhantes à Escola Superior de Belas Artes, à Universidade Nova, à Sociedade Histórica da Independência de Portugal e ao Instituto D. João de Castro, sempre a convite de estudantes e gente moça (excepto no último caso), o que mostra o interesse que os temas portugueses voltam a despertar na juventude. Mas tudo isto é… viver dos rendimentos, de certo modo repetir os temas já tratados! Nalguns destes lugares tenho coincidido com o Agostinho da Silva, com o desgosto de verificar que está cada vez mais acérrimo na sua campanha contra a filosofia portuguesa. Portugal não tem filósofos (apenas o Spinoza) e aliás não tem importância, porque o que importa é a Sabedoria (e isso o povo português tem-na com seus mitos e crenças) e a matemática ou pragmática!
Não é preciso filosofar, o que é preciso é agir, para o que basta o fundamento de uma sophia por assim dizer inerente ao nosso povo, com a graça do Espírito Santo a soprar no nosso sentido, etc. Em tudo isto, muitos compromissos com a política do momento, com o socialismo, com o terceiromundismo, com os nomes em voga, Soares, Saramago, etc. É muito esquisito mas não me arrependo de lhe ter dedicado o livro, pois tenho que ser justo: foi ele que me inspirou o seu tema central, além de que há nele um fogo na oratória, que leva muita gente nova para fora dos enquadramentos positivistas ou comunistas, abrindo-lhes portas. 

Continue a ler aqui.

quarta-feira, 9 de julho de 2014

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"Mesmo do lugar dos réus, é sempre interessante ouvir falar de nós próprios. (...)"

Albert Camus
O Estrangeiro, trad. de António Quadros

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Em campo

António Quadros (1º a contar da esq. na primeira fila) com família e amigos. (Perto de Odivelas, s.d.)


terça-feira, 1 de julho de 2014

Brazileiro amigo, queres tu por teu turno rir do lisboeta?

"O brazileiro nao é elegante como o conde de Orsay ou Brummel: — mas tu, portuguez, dandy desventuroso do Chiado, ou contribuinte da rúa dos Bacalhoeiros, tens a tua elegancia dependurada no bom Nunes algibebe! O brazileiro nao é extraordinario como Peabody que deu de esmolas cem milhões, nem como Delescluze que queimou París: — mas tu, portuguez, es táo extraordinario como urna couve, e aínda táo extraordinario como um chínelo. Ora o brazileiro nao é formoso, nem espirituoso, nem ele­gante, nem extraordinario — é um trabalhador. E tu portuguez não es formoso, etc. — es um mandrião! De tal sorte que te ris do brazileiro — mas procuras viver á custa do bra­zileiro. Quando vês o brazileiro chegar dos Brazis, estalas em pilherias: — e se elle nunca de la voltasse com o seu bom dinheiro, morrenas de fome! Por isso tu — que em conversas, entre amigos, no café, és inexgotavel a trocar o brazileiro, — no jornal, no discurso ou no sermão, es inexhaurivel a glori­ficar o Brazileiro. Em cavaqueira é o macaco; na imprensa é o nosso irmao d'além-mar. Brazileiro amigo, queres tu por teu turno rir do lisboeta? A esse collete verde, que tanto te escarnecem, fecha bem as algibeiras; esse predio sarapintado d'amarello, que tanto te caricaturam, tranca-lhe bem a porta; esses pés, aos quaes tanto se accusam os j cañetes e os tamancos primitivos, nao os ponhas mais nos botéis da capital — e poderás rir, rir do carão amarrotado com que então ficará o lisboeta, que tanto ria de ti! "

"O brazileiro"
Eça de Queiroz (1872)
Texto completo aqui