quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Maçadorias


"Sinceramente, cuido que os resultados não equivalem às esperanças e penso que uma obscuridade mística, misteriosamente, permanece e permanecerá, improdutiva. A transcendentalidade guarda e guardará a sua virgindade. A vossa curiosidade é impotente. Não a forçará; não a seduzirá; não a reduzirá. A transcendentalidade é insusceptível de estupro. Oferece-se, coqueteia connosco; faz-nos negaças. Retira-se, irritada, perante a brutalidade do espiritismo, que é uma impertinente importunidade. Um caixeirola frívolo faz dançar uma mesa de pé-de-galo. Os espíritos têm de acudir prestes, a aturar as maçadorias do marçano ocioso."
Sampaio Bruno
A Ideia de Deus, (1902)
Lello & Irmãos - Editores, 1987, pp. 105-106

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Um pessimismo activo e criador

"A ideia mestra da minha vida é a ideia do homem, do seu rosto, da sua liberdade criadora. [...] Mas tratar do homem é já tratar de Deus. Isso é essencial para mim. [...] Presentemente, o nosso pensamento fez-se mais pessimista, é mais sensível ao mal e aos sofrimentos do mundo: mas este pessimismo não é passivo, não se afasta da dor do mundo, pelo contrário, acolhe-a. É um pessimismo activo e criador. Todas as minhas obras se consagram a este único tema. Tentei aqui fundamentá-lo e pô-lo à luz num ensaio filosófico existencial. Outrora, Feuerbach, que estava a meio caminho, queria passar da ideia de Deus à ideia do Homem. Depois Nietzsche, que foi mais além, quis passar da ideia do homem à ideia do super-homem. O homem não só era aqui apenas um caminho como era destinado a sentir que era somento um caminho, uma passagem. Tal é precisamente o tema essencial do cristianismo. E uma filosofia da existência humana, é uma filosofia cristã, teândrica. Não coloca nada mais alto do que a Verdade. Apenas a Verdade não é objectivada: a verdade não entra em nós como um objecto. A Verdade implica a actividade do espírito do homem, o conhecimento da Verdade depende dos graus de comunidade que podem existir entre os homens, da sua comunhão no Espírito."

Nicolau Berdiaev, Cinco Meditações Sobre a Existência, Guimarães Editores, (1961) pp. 208-209. Tradução de Ana Hatherly.

Nicolau Berdiaev ou Berdiaeff (1874-1948) foi um importante escritor e filósofo russo. Nasceu em Kiev no dia 6 de Março de 1874 e morreu em Paris em 1948, no dia 24 do mesmo mês. Foi preso em 1898 por se manisfestar contra a opressão do regime bolchevique e acabou por ser expulso da Universidade de Kiev, onde era estudante de direito. Entre 1919 e 1920 foi professor de filosofia na Universidade de Moscovo. Dois anos depois é expulso da União Soviética juntamente com outros intelectuais russos. Depois de uma curta estadia em Berlim, exila-se em Paris, onde funda a revista The Way, dedicada à filosofia da religião. A revista é publicada até ao início da II Guerra Mundial. Em 1947, um ano antes de morrer, recebe o doutoramento "honoris causa" pela Universidade de Cambridge. Berdiaev publicou, entre outras obras, O Significado da História (1923) A Revolução Russa (1931) Uma nova idade media: reflexões sobre o destino da Rússia e da Europa (1932); Escravatura e Liberdade (1939) O Divino e o Humano (1949), a grande maioria delas sem tradução em Portugal.

Fica a sugestão.

Vale a pena lembrar que António Quadros escreveu um importante ensaio sobre os paralelismos entre o pensamento russo e português, incluído no livro Ficção e Espírito de 1971;  pp -11-174. No último capítulo, António Quadros escreve uma interessante reflexão sobre as páginas autobiográficas de Berdiaev. Sobre esta matéria consultar ainda Convergências e afinidades entre o Pensamento Português e o Pensamento Russo, de António Braz Teixeira.

16 de Janeiro de 1902

Porto — Na rua Sá de Bandeira, junto ao estabelecimento Guimarães, houve uma cena de pugilato entre dois membros do partido republicano, o ex-deputado, e advogado Dr. Afonso Costa, e o jornalista José Sampaio, que ficou ferido. Este conflito foi originado por um artigo de Sampaio desagradável ao seu correligionário, acerca do congresso último que houve em Coim¬bra. O partido está dividido em dois campos, e o encontro dos dois campeões mais tenso tornou os espíritos nos dois grupos. Para se fazer uma ideia d'essa tensão basta reproduzir a epígrafe com que a Voz Pública, jornal republicano, noticia o caso: Agressão traiçoeira — Tentativa de homicídio pelo Dr. Afonso Costa na pessoa do Sr. Pereira de Sampaio (Bruno).

O caso ficou entregue aos tribunais onde o Dr. Afonso Costa negou em absoluto que a agressão tivesse sido feita com box, ou qualquer outro instrumento cortante. Por causa d'isto, foi feito exame directo e minucioso ao ferido. Em Portugal-Brasil, n.º 72 de 16 de Janeiro de 1902.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Fernando Pessoa, Poeta, Profeta e Alquimista do Verbo


"[...] O Primeiro Fausto deveria ordenar-se segundo quatro grandes temas cujos títulos são sintomáticos: O mistério do mundo; O horror de conhecer; A falência do prazer e do amor; O temor da morte. Mistério, horror, falência, temor...

Mas, se uma parte considerável da sua lírica ortónima, em contraponto com o radicalismo daquela tentativa dramática, nos aparece de facto como profundamente ensimesmada, registo de uma desoladora solidão individual, documento de uma tocante sentimentalidade frustrada, projecção de uma incerteza angustiada, às vezes angustiada quanto à vida de relação e até à vida de pensamento, contudo a nota mais forte da obra que conseguiu erguer e nos legou é dinâmica, interventora, frequentemente polémica, criacionista.

Assumir na poesia a cisão dilacerante com que se encontrou ao tomar consciência do seu Si conflitual e praticar uma constante intra-análise psíquica, eis o que o libertou para a exigência de uma univocidade por assim dizer escatológica, para a procura de uma identidade ética e sublimatória, para a entrega a uma obediência supra-egolátrica ou supranarcísica, que nele foram aliás sempre problemáticas e que constituíram a longa iniciação da sua vida." 

António Quadros, "Fernando Pessoa, Poeta, Profeta e Alquimista do Verbo" em Estudos sobre Fernando Pessoa no Brasil, Revista Comunidades de Língua Portuguesa (1985), p. 28.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Acto - fascículos de cultura, 1 e 2

"Por demais sabemos que nunca o exemplo estrangeiro estimulou profundamente o surto das nossas virtualidades; e muito menos agora, quando a Europa tenta em vão equacionar o seu problema cultural, poderíamos confiar com carácter de exclusividade nos agentes das culturas estranhas que nas suas malas diplomáticas nos trazem os destroços de doutrinas refutadas."
Do jornal Acto, (1951/1952) publicaram-se dois números. O primeiro fascículo, com direcção de António Quadros e Orlando Vitorino, sai no dia 1 de Outubro de 1951. Reúne textos de António Quadros, Augusto Frederico Schmidt, José Blanc de Portugal, José Marinho, Lêdo Ivo, Luís Washington, Manuel dos Passos, Mário de Sá-Carneiro, Martins Correia, Orlando Vitorino, Ortega y Gasset, Raúl Leal, Sant'ana Dionísio e Texeira de Pascoaes.

O 2º e último fascículo do Acto, publicado no dia 1 de Março de 1952, contém textos de Álvaro Ribeiro, António Quadros, Benedetto Croce, Cunha Leão, Delfim Santos, Hein Semke, Luís Washington, Orlando Vitorino, S.S. o Papa Pio XII, Raúl Leal e ainda ilustrações de Couto Viana e Martins Correia.