"A ideia mestra da minha vida é a ideia do homem, do seu rosto, da sua liberdade criadora. [...] Mas tratar do homem é já tratar de Deus. Isso é essencial para mim. [...] Presentemente, o nosso pensamento fez-se mais pessimista, é mais sensível ao mal e aos sofrimentos do mundo: mas este pessimismo não é passivo, não se afasta da dor do mundo, pelo contrário, acolhe-a. É um pessimismo activo e criador. Todas as minhas obras se consagram a este único tema. Tentei aqui fundamentá-lo e pô-lo à luz num ensaio filosófico existencial. Outrora, Feuerbach, que estava a meio caminho, queria passar da ideia de Deus à ideia do Homem. Depois Nietzsche, que foi mais além, quis passar da ideia do homem à ideia do super-homem. O homem não só era aqui apenas um caminho como era destinado a sentir que era somento um caminho, uma passagem. Tal é precisamente o tema essencial do cristianismo. E uma filosofia da existência humana, é uma filosofia cristã, teândrica. Não coloca nada mais alto do que a Verdade. Apenas a Verdade não é objectivada: a verdade não entra em nós como um objecto. A Verdade implica a actividade do espírito do homem, o conhecimento da Verdade depende dos graus de comunidade que podem existir entre os homens, da sua comunhão no Espírito."
Nicolau Berdiaev, Cinco Meditações Sobre a Existência, Guimarães Editores, (1961) pp. 208-209. Tradução de Ana Hatherly.
Nicolau Berdiaev ou Berdiaeff (1874-1948) foi um importante escritor e filósofo russo. Nasceu em Kiev no dia 6 de Março de 1874 e morreu em Paris em 1948, no dia 24 do mesmo mês. Foi preso em 1898 por se manisfestar contra a opressão do regime bolchevique e acabou por ser expulso da Universidade de Kiev, onde era estudante de direito. Entre 1919 e 1920 foi professor de filosofia na Universidade de Moscovo. Dois anos depois é expulso da União Soviética juntamente com outros intelectuais russos. Depois de uma curta estadia em Berlim, exila-se em Paris, onde funda a revista The Way, dedicada à filosofia da religião. A revista é publicada até ao início da II Guerra Mundial. Em 1947, um ano antes de morrer, recebe o doutoramento "honoris causa" pela Universidade de Cambridge. Berdiaev publicou, entre outras obras, O Significado da História (1923) A Revolução Russa (1931) Uma nova idade media: reflexões sobre o destino da Rússia e da Europa (1932); Escravatura e Liberdade (1939) O Divino e o Humano (1949), a grande maioria delas sem tradução em Portugal.
Fica a sugestão.
Vale a pena lembrar que António Quadros escreveu um importante ensaio sobre os paralelismos entre o pensamento russo e português, incluído no livro
Ficção e Espírito de 1971; pp -11-174. No último capítulo, António Quadros escreve uma interessante reflexão sobre as páginas autobiográficas de Berdiaev. Sobre esta matéria consultar ainda
Convergências e afinidades entre o Pensamento Português e o Pensamento Russo, de António Braz Teixeira.