"[Fernando Pessoa] toma a decisão da sua vida: regressar a Portugal, de onde partira com 8 anos, deixando a mãe, o padrasto e os irmãos na África do Sul e arriscando-se a viver num meio que lhe é praticamente desconhecido. Assim, em Agosto de 1905, com 17 anos, parte para Lisboa, para se matricular no Curso Superior de Letras.
Quais os motivos desta decisão, que deve ter sido dramática para um homem da sua sensibilidade?
Não será difícil conhecê-los e compreendê-los. Sozinho com a mãe, depois do desaparecimento do pai e do irmão, sobre ela terá projectado toda a sua afecticidade e dela ao mesmo tempo terá recebido o amor exclusivo que as suas carências infantis exigiam. Mas o segundo casamento, a mudança súbita de vida, a difícil integração num novo lar que não terá sentido como inteiramente seu, o nascimento, um a um, dos irmãos, que decerto mobilizaram a maior parte da atenção, do carinho e até do tempo da sua mãe, também partilhados com o padrasto, que tomava o lugar do pai, tê-lo-ão acossado à solitude e à mágoa insatisfeita de que dá testemunho a sua poesia do Cancioneiro. (...)
Uma das grandes linhas de força da personalidade e da obra de Fernando Pessoa, o sentimento patriótico, mergulha efectivamente as suas raízes emotivas nessa múltipla saudade: saudade do pai, saudade do lar e da família em que "ninguém estava morto", saudade da Pátria onde fora feliz, onde ficara o Pai e com o Pai se lhe identificaria pouco a pouco a sensibilidade, na imaginação, na memória inconsciente. (...)"
António Quadros
Bruxelas, Junho de 1989