[a António Quadros]
Eu não sei se o meu falecido avô paterno está vivo. Não tenho todavia em mim qualquer sinal da sua extinção. Pergunto por isso o que acontece ao nada quando não desaparece? O passado não sou eu mesmo – somente a saudade tomando conta desta ideia individual que guardo unicamente para mim, somente a saudade visível mas aparente ganhando espaço, crescendo comigo no meu movimento, a saudade no seu lugar recôndito, inerte, impassível, indiferente, em última análise, inexistente, sendo coisa nenhuma que alguém estupidamente transporta. A saudade que não tenho, que não quero e que não tive: uma coisa cega dos sentidos, ou do coração. A saudade não pensada, perdida, imaculadamente vivida, esmorecendo com o passar dos dias, ausentando-se com o extenuar da memória, extinguindo-se por completo no momento da nossa morte. A saudade que não existe e que ninguém merece. Por isso a saudade que sinto é em si fecunda, e exige ser gravada. Não a concebo separada da existência que a sofre. Não a entendo longe do pensamento que a imagina. Não a vejo, apesar de tudo, longe do espírito de quem verdadeiramente a sente. É por isso que a vida, como tantas vezes foi descrita, encontra-se na maioria das vezes sob algo maior. Há, em certa medida, uma morte antecipada, um silêncio surdo. Talvez a existência em certas ocasiões não exista em si mesma. Assim como a morte, a morte de alguém. Quantas pessoas conhecemos sem as conhecermos, ou quantas vidas achámos conhecer sem nunca as ter conhecido? Fica apenas uma imagem insegura de alguma coisa que apenas vimos passar. O luto é também ele menor e impassível. Por isso não acredito que o entendimento se interrompa assim. A aventura, a do conhecimento, seja ele qual for, deve perdurar. Deve seguir o seu movimento. Pulsando continuamente em nós, sem remissão. Repetindo-se e transformando-se connosco, numa relação contínua, por vezes dolorosa, mas que perdura, que vive, que verdadeiramente vive! Só no lugar onde a criação acontece, só nesse fulgor onde a verdade se encontra, só no silêncio dessa procura e espera, só no apelo dessa nossa solidão, só no nosso próprio medo, só no anseio da nossa interioridade, só na vontade de criar, de crer e de alcançar, só aí, só aí ascendemos e encontramos.
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