segunda-feira, 21 de junho de 2010

Invenção e Loucura

"Num ambiente social de poetas líricos, senão em valor absoluto, pelo menos com o valor da quantidade, raros são os que amadoreceram a noção do inconsciente individual e que assumiram toda a riqueza substancial e quase infinita do seu conteúdo, já na exegese, já na própria expressão poética. Ainda há quem explique o conceito de poesia pelo conceito de mistério, assim lhe conferindo abusivamente o carácter de uma religião: e não apenas de uma religião, de uma religião de dogma, cujo ritual se fundamentasse, não numa filosofia teológica, mas numa teologia dogmática onde o valor de mistério não pudesse, sequer, se posto em causa. [...] Confortado no seu apressado e espontâneo labor pela convicção do dito mistério, eis que o jovem poeta se põe a cantar, isto é, a falar uma linguagem de rimas, de metros, de palavras incomuns, de imagens alegóricas. Alimenta ele a convicção de que será visitado, misteriosamente, pelo génio poético, pelo génio da invenção, por esse génio subtil e invisível que, misteriosamente, assistiria cada poeta. [pelo contrário] o grande poeta é um homem que assume sobre si a representação de um desiquilibrio psíquico em relação aos outros homens. [...] Em verdade, em sua poética, ele procura comportar-se como inconsciente, na convicção que nos dará assim uma imagem, senão mais lógica e sensata, pelo menos mais verdadeira do mundo. Uma vez entrado nesta zona, que é a zona legítima da invenção, da partogénese criadora, o poeta pode comportar-se de duas formas: ou consciencializar e racionalizar, numa segunda instância todos os seus inconscientes e irracionais [...] ou abandonar-se inteiramente ao delírio do conhecimento inconsciente, relegando para um plano inferior o funcionamento racional. [...]"

António Quadros
A Existência Literária, Sociedade de Expansão Cultural (1959) pp. 81-82

1 comentário:

Fernanda Rocha Mesquita disse...

Bom dia, daqui do Canada. Obrigado por me deixar o endereço. Eu procurei mas nao encontrei como seguir os seus blogs. É verdade o que encontro neste texto. O poeta e' aquele que se mostra um pouco louco, e com a razao de mostrar que sente a vida de modo mais fiel e consciente que muitos outros.
Subir a um patamar da vida, para olhar a vida corrente e supostamente normal, por vezes o poeta e eu sinto, quando leio grande poesia, aparece num mundo aparte, como se fosse esse mundo o verdadeiro mas muitas vezes inexplicavel. Mas quase sempre dou razao ao poeta porque inexplicavel tambem e' o mundo visivel à volta do qual o Homem gira. Um bom dia. fernanda