Sampaio Bruno |
Meu caro Álvaro Pinto:
Recebi a sua carta a pedir-me algumas palavras para o próximo nº da Águia consagrado à memória de Bruno.
É fácil falar de um homem que escreve para ser lido; mas falar de quem escreve para ser meditado, como o autor de A Ideia de Deus, é coisa séria: exige trabalho, tempo e competência. Falta-me tudo.
De resto, não quero elogiar os mortos com o fim de dizer mal dos vivos, como, entre nós, acontece várias vezes. Deus me livre de esgrimir com um esqueleto contra os desgraçados que ainda vivem! É cruel e macabro.
Também não quero consagrá-lo em palavras, porque é infinitamente ridículo a gente falar de um escritor com uns ares de Pantheon ou numa atitude quadrada e angulosa de Academia que abre as portas, dizendo: "entra para o meu seio que só aí encontrarás os louros da glória eterna".
Não desejo ainda promover a Sampaio Bruno consagrações em mármore ou bronze. Toda esta matéria enobrecida, lá fora, amesquinhou-se em Portugal, desde que preferiu amoldar-se, não às frontes inspiradas que afirmaram a vida do espírito, na terra, mas às formas daquele bicho em que Bordalo [Pinheiro] sintetizou a nossa única indústria produtiva.
Sampaio Bruno não tem nada com a Maioria: é um Ser à parte, pelo que trouxe de alma e sabedoria ao nosso meio. Digo sabedoria e não ciência. Esta aprende-se facilmente nos livros; quanto àquela, poucos têm o dever de a receber directamente das coisas e da vida. É um dom essencial que põe o indivíduo em íntima confidência com as verdades superiores escondidas na mentira das aparências. A sabedoria foi a qualidade suprema de Bruno, que se torna assim numa figura quase religiosa, intérprete dos sonhos do homem, enviada à nossa dolorosíssima ansiedade.
Eis como aparece à minha admiração comovida, esse nobilíssimo homem. Que os dignos dele o glorifiquem, em silêncio, no santuário das suas almas, lendo-o e meditando-o; e, sobretudo, vivendo, como ele viveu, uma vida mais que humana, isto é, uma pura e superior intenção.
Seu muito amigo
Teixeira de Pascoaes
em A Águia, nº 48, Dezembro de 1915
Sem comentários:
Enviar um comentário