O homem português, ou melhor, o arquétipo do homem português é o que emerge e se revela em determinados períodos históricos favoráveis, mas é também o que se oculta ou é ocultado, o que se reduz a uma vida estagnada e recalcada, nos períodos em que se desfaz a sua «paideia». Uma «paideia», ao modo grego, é a solidariedade e a univocidade entre a estrutura cultural e o sistema educativo de um povo, ambos se ordenando a um «telos» ou a um fim superior, que todos então sentem como seu, pelo qual vivem, lutam e sacrificam se necessário for. Sem a restauração de uma «paideia» essencialmente portuguesa, não deixando de ser universal, será difícil, se não impossível, que o homem português se reencontre, numa reinvenção que ou começa pelas elites, pelas classes letradas, ou nunca mais será possível. Sem uma «paideia» portuguesa renovada jamais poderemos ter uma pátria portuguesa dinâmica, criadora de valores, voltada para o futuro a partir das suas raízes e das suas linhas genéticas fundamentais, sem as quais a nossa identidade se perderia num progressismo vazio e superficial.
Recorrendo à metáfora camoniana, assistimos nos últimos anos à vitória do Velho do Restelo sobre o Gama, o mesmo é dizer, da terra sobre a água e sobre os elementos aéreo e ígneo. (…) O que parece dominar hoje em Portugal é a face negativa, nocturna, decaída do arquétipo, do modelo ou da imagem sublimatória que o português já teve de si próprio e o levou a ousar rasgar os seus trilhos na superfície do mundo ou da vida. (…) Vivemos hoje um período de menoridade e de adolescência regressiva em que, predominando o intelecto passivo, as pessoas se auto-satisfazem e auto-iludem com os lugares-comuns ideológicos, com os discursos demagógicos e com as ideias convencionais de gerações que, para repudiarem um certo tipo histórico de nacionalismo, perderam a própria identidade e já não sabem quem são ou para que são, como portugueses.
António Quadros In, «Portugal, Razão e Mistério»
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