quarta-feira, 21 de julho de 2010

Helena

"[...] A que eu julgara ter morrido no meu coração como eu teria morrido no dela, a que eu magoara, a que sobrevivera à minha fuga lamentável estava agora comigo, apertando naturalmente a minha mão, acarinhando-a e tratando-me de novo [...] pelo meu nome próprio. As nossas mãos acomodaram-se, a minha palma e os meus dedos calejados de escritor e jornalista, a suavidade feminina da sua pele, que o manuseio dos livros e as lidas da casa não tinham conseguido desfrear. Eu desejava-a, sim desejava-a. Perguntarás, atónito: como, agora, assim, tu, velho filósofo doente? Uma alegria. Uma dor. Um querê-la absurdamente, quando sabia que nunca a poderia ter. Mas uma consolação. Eu vivia. Não ousámos sequer sorrir-nos. Quase embaciados os seus olhos, mas conseguiu dominar-se...Eu vivia, vivia uma vida de homem. Não era capaz de dizer mais do que: - Helena, Helena..."

António Quadros
Uma Frescura de Asas, Europress (1990) pp. 95-96

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