José Marinho |
"O magistério de Álvaro [Ribeiro] e de [José] Marinho ultrapassava o plenário. Cada um dos discípulos dispunha de frequentes oportunidades de conversar com Álvaro a sós: ou em sua casa, ou noutro Café, ou no mesmo, a hora diferente da habitual. Era um dos aspectos sugestivos da vida do grupo, porque tanto Marinho como Álvaro apreciavam conversas separadas, mas não se mostravam muito agradados quando vinham a saber, do outro, que as havia. Com Marinho estes encontros separados eram por via da regra na Pastelaria Nova Iorque, a Entrecampos (agora um banco), onde também aparecia o matemático lógico Germano Rocha, que se exaltava nas discussões com Marinho. Pelo contrário, Álvaro nem permitia, nem dava azo a exaltações. Tudo o que se dizia tinha de ser muito bem pensado, e muito bem dito. Regra de ouro: um pensamento correcto exprime-se, sem atropelos, numa frase correcta, linear, bem construída. Como, às vezes, com certa ironia Marinho murmurava, Álvaro do que gostava era de silogismos. Por sua vez, Álvaro ironizava que Marinho do que gostava era de enigmas. Tudo em amizade, na verdade. (...)
As tertúlias da «Filosofia Portuguesa» raro iniciavam a conversa sobre um tema, antes de José Marinho chegar. Decerto os mais novos discorriam acerca disto ou daquilo, de livros que andavam lendo, ou laborando em miscelâneas de opinião, Álvaro Ribeiro assistindo, paciente, dizendo uma ou outra palavra, para ajudar a exposição de cada um, mas evitava animar instinto dialéctico, e a tendência para a discussão. (...) a aula só começava com Marinho, cujo horário de trabalho não lhe permitia chegar antes das seis da tarde. Ao aparecer, e depois de se arrumar indagava: «Qual é o tema?», ou «Que tema há para hoje?» (...) É relevante fixar este costume, de não se iniciar a conversa na ausência de Marinho, como que num acto de lealdade. (...) Ambos se tratavam por «senhor» não havia tu cá tu lá entre ambos. (...) Depois da morte de José Marinho verificou-se uma interrupção das tertúlias das Quintas Feiras (...) Numa carta que de Álvaro recebi ainda nesse ano de 1975, explicava ele a suspensão das reuniões, confessando como seria doloroso estarmos juntos à espera do Mestre, que não viria. (...)"
Pinharanda Gomes
em "A tertúlia de Álvaro Ribeiro e de José Marinho"
Revista Nova Águia, nº 8, 2011, pp 117-125.
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