"Incansavelmente, nas agruras do exílio e da miséria, D. João de Castro estuda as Trovas [de Gonçalo Annes Bandarra], interpreta-as com fina casuística, ajeita-as ao seu sonho de desesperado: o Bandarra previa não só a catástrofe, mas também a salvação. É que D. Sebastião nem morrera nem poderia ter morrido! Era o pobrezinho calabrês perseguido, naturalmente, pelos grandes da Terra, ciosos do milagre que tal sobrevivência já representava e das proezas que o «rei» teria de levar avante... É um sonho espantoso pela intensidade e pela duração, documentado pelas páginas que intensamente escreveu. (...) Com a sua morte, o sonho sebastianista de D. Sebastião propriamente dito, em sua pessoa redivivo, desvanece-se aos poucos.
Mas eis que, em 1624, Manuel Bocarro publica Anacephaleosis da Monarquia Lusitana, logo apreendida e perseguido o autor. É que, bem consideradas as coisas, o Encoberto seria, afinal, o duque D. Teodósio, da poderosa Casa de Bragança! Depois, falecido o duque, sem que tivesse havido ensejo para que se descobrisse como quem era, as trovas do Bandarra, bem interpretadas, o que anunciavam, isso sim, era o fim do domínio castelhano e a entronização do restaurador D. João IV!
Segundo assevera João Lúcio de Azevedo, então «as Trovas eram livro que em cópias manuscritas andava em mãos de toda a gente, lido, relido, decorado e discutido.» Eram como que a consagração sobrenatural dos feitos da Restauração: pois, no dia da aclamação de D. João IV, não estivera exposta na Sé, como se de um santo se tratasse, a imagem do Bandarra? (...)"
Joel Serrão
Do Sebastianismo ao Socialismo em Portugal
(1969) pp. 15-16.