sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Sant'Anna Dionísio e a "Quinta Amarela" no Porto

Sant'Anna Dionísio
- desenho de Carlos Carneiro -

"Após uma brevíssima passagem por Coimbra (...) onde terá sido aluno de Carolina Michaelis de Vasconcelos e para a qual aí preparou um trabalho escolar que lhe revelaria, durante as pesquisas, uma espantoso plágio de um professor universitário, Sant'Anna Dionísio transfere-se para a primeira e, a seu modo, única Faculdade de Letras do Porto, na qual concluirá a sua licenciatura em Filologia Germânica. (...) A Faculdade funcionava então na chamada «Quinta Amarela», que Sant'Anna Dionísio bem conheceu, pois matricular-se-á num novo curso, desta feita em Filosofia, para cujo resultado oficial apresentará, no fim dos anos necessários, uma tese sobre «Bergson», valorizada em 29 de Outubro de 1926, com 16 valores. (...) Da «Quinta Amarela» (...) deixou-nos ele viva descrição, de cores e odores, comentando que este local representava um renovado Jardim da Amizade, de grega reminiscência, onde «em horas intemporais» livremente se filosofava. Além do edifício, «...sossegada moradia urbana, rodeada de muros e arvoredo, ocupada até 1910 por uma dúzia de freiras de não sei que Ordem e que uma década depois (...) se converteria em provisória sede da tão promissora como efémera Faculdade de Letras da Universidade do Porto» havia sobretudo o envolvimento natural, de apelo panteísta, que ele assim retrata: «(...) havia velhas japoneiras, que pela Páscoa, se cobriam de camélias rubras e brancas; tufos de mirto e loureiro; maciços de alecrim; caneleiras de flores rubicundas e essência adocicada; (...) dois ou três velhos castanheiros ao fundo, no extremo da antiga cerca e, pelo meio, conduzindo a diversos recantos, pacatas veredas flanqueadas de buxo que, com o tempo, se converteriam em meia dúzia de casamentos felizes e dois ou três dramas camilianos.». (...)"

Paulo Samuel
em O Tripeiro, 1991.

Quantos, entre nós, neste século

"Quantos entre nós, neste século, representaram o espírito português, parecem hoje ter perdido a sua aposta na regeneração nacional. Ao contrário, a degenerescência é o nosso lote. Teremos escrito a nossa mensagem na areia, ou não era ainda a nossa hora? (...) Desapareceremos para sempre do mapa, como dizem os augures da desgraça, ou acabará enfim por vencer a razão portuguesa, a filosofia portuguesa, o pensamento de Portugal, expresso afinal pelos melhores, de entre os portugueses deste século?"

António Quadros
20 de Julho de 1985.
Testemunho remetido a Manuel Gama, em
«Pensar a Europa a Partir do Movimento da Filosofia Portuguesa» Op. cit., p. 275

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Aki Kaurismäki

Aki Kaurismäki

Ípsilon: Há coisas semelhantes entre portugueses e finlandeses?

Aki Kaurismäki: "Sim. Nós temos a melancolia, vocês têm a saudade. A melancolia finlandesa é quase a saudade portuguesa, mas não totalmente. Só os portugueses podem saber o que é. Ontem estive a tomar café. Dois homens estavam em pé, a olhar para o mar. Num deles consegui ver nos olhos a saudade. Durante meia hora. Depois voltaram ao trabalho. Acho que era saudade. O máximo que consegui chegar dela. Conheciam-se, claro. Não se falaram praticamente. Dois metros de distância entre eles."

Aki Kaurismäki
em entrevista ao jornal Público (Ípsilon) de 18-02-2012

«O Pesadelo», conto de António Quadros

Projecto de Catarina Sarmento, Fevereiro de 2012

Carta de António Quadros a Agostinho da Silva

"Meu querido Amigo:

(...) Ando a ver neste momento se consigo acertar o ritmo para a minha existência quotidiana e com aquela ordem de prioridades que seja por um lado a mais consentânea com a minha personalidade (...) e por outro lado com o que é mais urgente eu tentar aqui e agora, a partir da perspectiva em que me vejo colocado. (...) Tenho andado por aí a bater contra as paredes. E o meu método tem sido nadar tanto quanto possível na corrente (...) não para me deixar levar por ela, mas para tentar desviá-la de dentro. Há os que se lhe opõem frontalmente; há os que se isolam, na prossecução de uma obra profunda e que por si própria se imponha, sem cedências de diálogo e sem os compromissos de acção.
Cada um é como é. Eu sou do signo Caranguejo. Outra metáfora seria: ladeio, em vez de ir directamente e claramente ao fim; ladeio, parece que recuo, dou uma volta, faço figura de ambíguo, ou de opaco, ou de desajeitado, ou de pouco firme. (...) Contudo sou persistente. (...) Sei que o meu caminho não é certamente o melhor. É o meu, unicamente porque é o que posso tomar. (...)
Que fazer, pois?
Pois, evidentemente continuar.
(...)"

António Quadros, 8 de Março de 1976
em resposta a uma carta de Agostinho da Silva de 9 de Fevereiro do mesmo ano.
cf. António Quadros, A Arte de Continuar Português (1978) pp 191-203.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Mediunidade


"O autor deste escrito [Sant'anna Dionísio] testemunhou, há cinco anos ainda, na residência de Leonardo Coimbra, uma sessão impressionante com um medium de visão, (...) dirigido por Leonardo Coimbra mesmo, da qual se lavrou uma acta, que deve existir no seu espólio."

Sant'anna Dionísio
"Leonardo Coimbra, contribuição para  o conhecimento
da sua personalidade e seus problemas", (Porto, 1936) p.48, Nota de rodapé.

Ao longo da nave

"Irmã, tu crês na verdade em Deus, não é tudo um fingimento, não é tudo um genial embuste, não é tudo um pomposo espectáculo, inventado para responder ao medo? (...)"

António Quadros
Histórias do Tempo de Deus
(1965)

Privilégio do poder e privilégio do sofrimento

"O coração da humanidade apodrece quando uns reclamam o privilégio do poder e outros o do sofrimento. (...) Em face do sentimento, do pensamento e da morte, não há privilégios."

António Quadros
Histórias do Tempo de Deus
(1965)

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Pasternak-Jivago

Boris Pasternak
"Por certo o Doutor Jivago pode ser considerado, sob um ângulo social e mesmo psicológico, como a crónica da guerra civil russa, articulando, de forma que lembra irresistivelmente o Tolstoi de Guerra e Paz, a sequência exterior dos eventos, os remoinhos humanos por ele agitados e os reflexos de todo este turbilhão revolucionário numa alma sensível e inteligente como é a de Pasternak-Jivago, testemunha e personagem cuja confrontação difícil com a realidade envolvente constitui a própria trama do romance. Considero [Boris] Pasternak o melhor prosador russo deste século, depois de Tolstoi. É um grande poeta e um grande romancista, da família espiritual de Pushkine, que olha com melancolia em sua volta e assiste ao desmoronar da cultura criadora do seu país, ao combate à personalidade e à liberdade individual. O seu Doutor Jivago é ele próprio, intelectual reduzido ao silêncio, mas pode ser também um retrato do próprio espírito russo, sujeito ao colete de forças do sistematismo germanizante.
Pasternak pouco beneficiou do período de liberalização da época de Khrouschev, que Ilya Ehrenburg, escritor muito ocidentalizado, mas sem o seu génio, simbolizou no seu romance, aliás medíocre, O Degelo.

António Quadros
Ficção e Espírito
(1971)

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Letra Livre edita «O Homem Unidimensional» de Herbert Marcuse

O Homem Unidimensional, Herbert Marcuse
trad. de Miguel Serras Pereira
Letra Livre, 2012
"Na opinião de Marcuse -  e trata-se de um ponto de vista notável, que convém meditar e medir em todas as suas implicações - «a grande arte entendeu-se sempre bem com a realidade horrorosa», conservando, apesar das injustiças ou males ambientes, «um conteúdo transcendente». Com os avanços do industrialismo, da tecnologia e do socialismo, na medida em que a «realidade horrorosa» se vai desfazendo e em que o «conteúdo transcendente» desaparece (hipóteses discutíveis, é claro), a arte e a literatura só apresentam duas saídas possíveis, uma vez que fique ultrapassada a problemática social urgente e que a «fuga» para o transcendente já não se propicie (sublinho que não aceito a tese marxista de que a visão do transcendente é alienação e desejo inconsciente de fuga das realidades...). Dessas duas saídas a primeira é, na «sociedade repressiva» ou na «sociedade de consumo», a porta condenada de uma orla decorativa, «forma de rebelião contra a arte ilusionista da europa». No entanto, se «na consciência dos artistas de vanguarda, a arte se converte numa orla decorativa mais ou menos bonita, confortável, num mundo de terror (...) tal função de luxo da arte deve ser destroçada», em nome da segunda saída, isto é, a função de protesto, que Marcuse considera predominante. (...)
No pensamento de Marcuse, deve findar o reinado do livro e da biblioteca, do quadro e do museu, devem findar a arte plástica, como a arte literária. (...) O ideal de Marcuse, ideal de longínquas ressonâncias míticas e utópicas, é a «sociedade como obra de arte.» (...) Chegado a este ponto, completa-se porventura o círculo, de forma que terá escapado à consciência do próprio Marcuse. É que, se o seu erro inicial (...) foi o de conceber uma sociedade unicamente horizontal, um jogo de forças humanas em tensão dialéctica, em choque, em apetência de repressividade ou de libertação, esquecendo (...) a profundidade e a altura do espírito, que mais tarde ou mais cedo, mesmo no seio do turbilhão social ou da pressão da massa, se nos reencontra como questão pessoal a sós consigo própria, obrigando-nos a responder como indivíduos e logo como pessoas aos desafios metafísicos do ser e do nada, da vida e da morte. (...) Marcuse repõe, talvez sem dar por isso, muito embora em termos aparentemente só humanistas, o velho ideal religioso e agustiniano da «cidade de Deus», reergue das cinzas uma nova sacralização, recusa um Deus que fosse manifestável iconograficamente (Marcuse é decididamente um iconoclasta), mas para o ressuscitar como ordem estética."

António Quadros
Ficção e Espírito 
(1971) pp.239, 240 e ss. 

Saudade palpável

Da esquerda para a direita Galatea Kazantzakis, Ellie Alexiou, Markos Avgeris, Kostas Varnalis, Nikos Kazantzakis e Charilaos Stefanides. 5.8.1912.

"Sou um velho amigo de Kazantzakis e, embora ele tivesse morrido pouco tempo antes, encontrei-o por todos os caminhos do mar, da terra e das ilhas, logo na primeira vez que fui à Grécia. Em Creta persegui a sua saudade palpável."

António Quadros
Ficção e Espírito (1971)
p. 403

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Para a unidade interna

"A ciência procura a verdade na unidade de uma fórmula, a arte na simpatia das almas. A ciência parte do visível complexo para o visível simples e harmonioso; a Arte parte da pluralidade visível das fórmulas para a unidade interna das almas."

Leonardo Coimbra
Contemporânea, nº8, Fevereiro de 1923, pp. 49-53. 

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Correio da Manhã, 4 de Dezembro de 1986.

Orlando Vitorino
Correio da Manhã - Perante tantos e tão grandes ataques, onde poderemos encontrar o Pensamento português?
Orlando Vitorino - Ao lado de toda esta acção política efectiva, comandada por um pensamento político estrangeiro, tem continuado a desenvolver-se o Pensamento português. O que existe do patriótico em Portugal está concentrado, ou melhor, está refugiado desde há dois ou três séculos no Pensamento filosófico.
(...)
CM - E a Filosofia portuguesa tem força para sobreviver e ajudar Portugal a resistir?
OV - Com certeza. Temos o exemplo do Leonardo Coimbra, a figura central da Filosofia portuguesa, que viveu nas condições mais hostis, mais desfavoráveis, e conseguiu ser o maior filósofo contemporâneo, não só de Portugal como de toda a Europa. Leonardo Coimbra resistiu às maiores intrigas políticas, urdidas quer através dos partidos da época quer através do Parlamento. 
A força de uma Filosofia reside na verdade do pensamento por ela transmitido e, depois de Leonardo Coimbra, essa verdade de pensamento foi pacientemente sistematizada por um homem chamado Álvaro Ribeiro, tarefa a que entregou toda a sua vida, com ausência total de ambições e com sacrifício do seu bem-estar.

Excerto de uma entrevista a Orlando Vitorino. 
Texto de  Victor Medanha. Correio da Manhã, 4 de Dezembro de 1986.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Ali à mão de semear, nas ruas do Porto!

Amorim Viana
«À influência do ambiente e da ideologia paternas, ao descobrimento do mal, ao choque com o Diário da Tarde e com... a Carta Constitucional, aliou-se a figura enigmática de Amorim Viana e a leitura da sua opus magnus, Defesa do Racionalismo ou Análise da Fé, que, publicada em 1865, teve uma terceira edição em 1885. (Três edições, num lapso de vinte anos, de um notável livro de filosofia religiosa heterodoxa no Porto dos fins do século passado - XIX!) O Newton da Academia Politécnica do Porto, «sujíssimo, rotíssimo, sempre com um chapéu alto imundamente oleoso e com umas botas gretadas e cambas», atravessava «filosoficamente de bengala na mão as ruas do Porto, ainda que chovesse a cântaros, fazia paragens nos botequins, especialmente no chalet da Cordoaria, para beberricar bebidas brancas, genebra, de preferência», e encafuava-se longamente, indiferente a tudo, na Biblioteca Pública. Aí, Bruno e Basílio Teles, meninos do Liceu, «com um estremecimento íntimo», iam «espreitar o sábio no isolamento da sua absorvida leitura». Um sábio, da categoria de «Descartes, Montesquieu, Jouffroy», ali à mão de semear, nas ruas do Porto! Era de fazer perder a cabeça a jovens intelectualmente ambiciosos...», como por exemplo Sampaio Bruno. (Joel Serrão)

J Francisco Saraiva de Sousa
Texto completo aqui.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Longe dos homens vizinho das ideias

em A Capital («Poeira da Arcada»)
 13 de Novembro de 1915
"Sampaio Bruno começou a sua carreira de escritor como propagandista e terminou-a na serenidade filosófica do estudo e da meditação consciente, pondo o seu pensamento longe dos homens e vizinho das Ideias. A sua acção deixou de impressionar as turbas e purificou-se como uma corrente de água que quanto mais corre tanto mais se clarifica. Entre os seus contemporâneos era já um quase esquecido. E agora, para além da campa, o seu nome será um vago sussurro de uma folha seca."

"Sampaio Bruno não tem nada com a Maioria"

Sampaio Bruno
25 de Novembro de 1915
Meu caro Álvaro Pinto:

Recebi a sua carta a pedir-me algumas palavras para o próximo nº da Águia consagrado à memória de Bruno.
É fácil falar de um homem que escreve para ser lido; mas falar de quem escreve para ser meditado, como o autor de A Ideia de Deus, é coisa séria: exige trabalho, tempo e competência. Falta-me tudo.
De resto, não quero elogiar os mortos com o fim de dizer mal dos vivos, como, entre nós, acontece várias vezes. Deus me livre de esgrimir com um esqueleto contra os desgraçados que ainda vivem! É cruel e macabro.
Também não quero consagrá-lo em palavras, porque é infinitamente ridículo a gente falar de um escritor com uns ares de Pantheon ou numa atitude quadrada e angulosa de Academia que abre as portas, dizendo: "entra para o meu seio que só aí encontrarás os louros da glória eterna".
Não desejo ainda promover a Sampaio Bruno consagrações em mármore ou bronze. Toda esta matéria enobrecida, lá fora, amesquinhou-se em Portugal, desde que preferiu amoldar-se, não às frontes inspiradas que afirmaram a vida do espírito, na terra, mas às formas daquele bicho em que Bordalo [Pinheiro] sintetizou a nossa única indústria produtiva.
Sampaio Bruno não tem nada com a Maioria: é um Ser à parte, pelo que trouxe de alma e sabedoria ao nosso meio. Digo sabedoria e não ciência. Esta aprende-se facilmente nos livros; quanto àquela, poucos têm o dever de a receber directamente das coisas e da vida. É um dom essencial que põe o indivíduo em íntima confidência com as verdades superiores escondidas na mentira das aparências. A sabedoria foi a qualidade suprema de Bruno, que se torna assim numa figura quase religiosa, intérprete dos sonhos do homem, enviada à nossa dolorosíssima ansiedade.
Eis como aparece à minha admiração comovida, esse nobilíssimo homem. Que os dignos dele o glorifiquem, em silêncio, no santuário das suas almas, lendo-o e meditando-o; e, sobretudo, vivendo, como ele viveu, uma vida mais que humana, isto é, uma pura e superior intenção.

Seu muito amigo
Teixeira de Pascoaes
em A Águia, nº 48, Dezembro de 1915

Sampaio Bruno por Manuel Monterroso

Box de ferro

"O dr. Affonso Costa faz parte de um grupelho de insensatos e vaidosos, que intentam desacreditar a dignidade politica e pessoal de velhos e lealissimos correligionarios. E' um desleal republicano, se republicano é; tão sómente um ambicioso desregrado e sem escrupulos."

Sampaio Bruno
Voz Pública, 10 de Janeiro de 1902

"Hontem, por volta das 9 horas menos um quarto da noite, o sr. José Pereira de Sampaio descia, só, tranquilo e socegadamente a rua Sá da Bandeira, desta cidade. Atravessou a rua, vindo da tabacaria Gonçalves, o dr. Affonso Costa, acompanhado de vinte indivíduos, aproximadamente. Subito, o dr. Affonso Costa, dirigindo-se ao sr. José Sampaio, berrou-lhe: – Ah, seu canalha! E, levantando a mão armada de um "box de ferro", assentou-lhe uma forte pancada na cabeça. Logo, os indivíduos que acompanhavam o dr, mettendo-se na contenda, agarraram os dois, mas permittindo que o dr. Costa continuasse aggredindo violentamente o sr. José Sampaio. (…)"

Voz Pública, 12 de Janeiro de 1902

Mais aqui

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Antologia do conto fantástico português

Fernando Ribeiro de Mello / Edições Afrodite, 1974.
"Com a presente antologia, que não é nem poderia ser definitiva, procurou-se reunir alguns dos textos mais significativos do conto fantástico na literatura portuguesa. Iniciando-se no Romantismo – a época em que o género floresceu e garantiu direito de cidadania -, atravessando os inúmeros “ismos” da segunda metade do século XIX e da presente centúria, esta antologia abrange uma vasta panorâmica de autores, desde Alexandre Herculano aos representantes da novíssima geração literária."

Para além de António Quadros com o conto "Pesadelo", figuram nesta antologia Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Fialho de Almeida, Raúl Brandão, Mário de Sá-Carneiro, Ferreira de Castro, David Mourão-Ferreira, Ana Hatherly, Vítor Silva Tavares, António Barahona da Fonseca, entre muitos outros.
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O Pesadelo

"Não me envies mais morte, Senhor. (...) Não a morte, não. (...) Porque é preciso lutar, Senhor? São provas que exiges? É na destruição que se funda o amor? 
Ninguém respondeu e até mesmo os pássaros desapareceram ao ouvir o seu lamento. As cinzas tinham-se alargado à paisagem estreita. Onix caminhava numa planície negra, sem árvores, sem flores, sem ervas, enquanto o sol iluminava agora a terra com uma luz sombria e pardacenta.."

António Quadros

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Jorge de Sena e Delfim Santos


"Quando em 1966 José-Augusto França pergunta por carta a Jorge de Sena se ele «– Soube da morte (coração) do Delfim Santos, em Setembro?», o autor dos Sinais de Fogo respondeu: «– Soube, sim, da morte do Delfim Santos. Mais outro que morre de frustração portuguesa». Certamente evocava o Poeta o amor tão pouco retribuído dele próprio e de Delfim à cultura, ao pensamento e às letras portuguesas – um e outro aguardam ainda o reconhecimento que lhes é devido, entre tantos motivos, pelo seu pioneirismo, pela sua ousadia, pela sua frontalidade e sobretudo por essa tão fértil atitude de exemplar inconformismo e perdurável esperança, sempre iludida e sempre forçosamente adiada, num Portugal que pudesse ser realmente digno dos seus escritores e pensadores. "

Filipe Delfim Santos
em "Correspondência 1943-1959", 
Guerra e Paz (2012) p. 26.
Texto completo aqui.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Da plena libertação

‎"Se a humanidade se dirigisse com segurança irreversível para a sua plena libertação, também as fixações ou cristalizações objectuais da literatura ou da arte a breve trecho se revelariam inúteis e até nocivas, por manterem ficções.”

António Quadros
Ficção e Espírito (1971), p. 246.

A experiência filosófica

"A experiência filosófica plena é interior e mental. O documento externo que a estimula e fecunda, seja tratado, poema ou crítica tem pois um mero valor filosófico potencial. A filosofia não é o livro, ou seja, não é a coisa. A filosofia é a vida do espírito, apoiando-se, sim, num suporte exterior, mas desde que este possa ser ultrapassado e transcendido."

António Quadros
O Espírito da Cultura Portuguesa (1967) p. 77.

«As Palavras» de Jean-Paul Sartre


"É, de entre os livros de Sarte, o mais belo. E é porventura o mais verdadeiro, porque, fiel até ao fim ao seu pensamento, provando-o mesmo à luz impiedosa da expressão autobiográfica, todavia ousa concluir contra si próprio. […] Concluído o grande empenho racionalista de desmistificação da existência, cuja chave psicológica nos oferece de mão beijada nesta obra, o severo denunciador dos símbolos, das fábulas e das crenças, o exigente moralizador em nome de uma impossível ética dessacralizada, olha-se agora ao espelho e eis que se vê, ele próprio, mito, ele próprio ser pensante, escritor sagrado que não se dera conta da impostura."

António Quadros
Ficção e Espírito (1971), pp. 212-13.