quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Fernando Pessoa
terça-feira, 11 de novembro de 2008
Jornal de Letras 31.8,1988
segunda-feira, 27 de outubro de 2008
Dos Arquétipos do Ideal Português às Instâncias da Realização de Si
Publicou António Quadros em 1967, em O Espírito da Cultura Portuguesa, um ensaio onde, procurando formular o que seria o “ideal português”, na linha das preocupações da Renascença Portuguesa, enuncia “um grupo de dez palavras ou cifras, cujo sentido ideal e simbólico se desdobrou na nossa cultura em vários planos significativos, desde o literal ao simbólico, do poético ao artístico e mesmo ao filosófico”. Diz serem “arquétipos” [...] cuja conjugação desenha porventura [...] o ideal português” e que seriam tónicas profundas do “nosso modo de filosofar” ou “palavras-mães” “que nos soam tão familiares [...] que nem reparamos na originalidade das meditações que nos sugerem”. Ilustra-o com sintéticos mas fecundos desenvolvimentos da premência na história, na cultura e no pensamento português, bem como das sugestões filosóficas e universais, das palavras nesta ordem apresentadas: “Mar, Nau, Viagem, Descobrimento, Demanda, Oriente, Amor, Império, Saudade, Encoberto”.
I - Saudade
II - Oriente
III - Encoberto
IV - Demanda
V - Viagem
VI - Nau
VII - Mar
VIII - Descobrimento
IX - Amor
X - Império
Paulo Borges
quarta-feira, 22 de outubro de 2008
Pai, a noite (texto de Rita Ferro)
segunda-feira, 13 de outubro de 2008
Nova Águia Nº 2 - 2º Semestre 2008
& o futuro da lusofonia
Inclui:
Texto de Adriano Moreira
O Território e o Mapa de João Teixeira da Motta (Com cartas de Agostinho da Silva, Cruzeiro Seixas, Dalila Pereira da Costa e António Quadros)
Inédito de Jean-Yves Leloup
http://www.zefiro.pt/
http://www.novaaguia.blogspot.com/
(Lista actualizada dos lançamentos da Nova Águia)
segunda-feira, 29 de setembro de 2008
A Vida dos Livros
segunda-feira, 28 de julho de 2008
Homenagem a António Quadros
ANTÓNIO QUADROS
O homem inteiro, rijo, de gestos elegantes,
Impecavelmente vestido, de voz franca,
Com uma presença de sabedoria e educação
Supremas, veio cumprimentar-nos, a nós,
Os petizes sem nome. A mão era forte,
Segura, fraterna. Um mestre, um sábio?
Mais que mestre e sábio: um cavaleiro
De Portugal, porque só os que demandam,
Os que conhecem o valor do sacrifício e
O caminho na noite trazem para os outros
Um coração fundo e palpitante nas mãos.
Depois cerraram-se cortinas, lajes, portas.
Não a memória, não o exemplo e o Graal.
Participaram neste desafio Mafalda Ferro, Maria Ana Ferro, Romana Valente Pinho , Cecília Melo e Castro, Klatuu Niktos e Ruela.
sábado, 26 de julho de 2008
Homenagem a António Quadros
"Foi na década de 80 que a convite de António Quadros, ingressei nesta Instituição – a que nos habituámos chamar de “Comunidade IADE” e que tão boas recordações mo trazem à lembrança, fazendo com que os seus princípios e o seu pensamento norteiem toda a minha postura nesta nossa “Casa”. Começo então por citar António Quadros, lendo um pequeno excerto do “Proémio” do seu livro “Memórias das Origens – Saudades do Futuro” para enquadrar o meu singelo depoimento sobre a importância que a sua visão do mundo, de Si mesmo e do Outro, representou e representa ainda, tanto para mim.
Assim, escreve:
“......A memória das origens é a recordação velada do princípio do ser, que é também o princípio do nosso ser. A pergunta sobre quem somos é inseparável da pergunta sobre de onde vimos.
Estas interrogações temos de nos fazer, como indivíduos-pessoas, como portugueses, como seres humanos, se desejamos ser mais do que entidades vegetativas, fruidoras da existência ou seus destroços, simples predadores ferozes ou tontas borboletas encadeadas pelas cintilações do próximo, do imediato, do que apenas interessa à superfície sensorial do nosso eu.
Quem somos? Que deve a nossa identidade aos nossos pais e avós? Como nos marcaram eles, na espiral genética e na herança moral e cultural? Até que ponto devemos ser-lhes fieis e a partir de onde podemos ou devemos resistir-lhes, afirmando a nossa liberdade?......” e mais à frente: “....Às perguntas sobre quem somos e de onde vimos acrescenta-se necessariamente uma terceira: para onde vamos.....” e ainda: “.......A saudade do futuro é uma paixão que animou toda a nossa história, como inspira toda a nossa cultura, fautora de acertos ou de erros, mas sempre omnipresente. O hoje é uma passagem evanescente entre um ontem que remonta às origens e um amanhã que é para nós mais, bem mais do que um mundo simplesmente melhor do que este, é um reino da primazia do espírito e dos seus valores, para o qual, consciente ou inconscientemente, trabalha tudo o que em cada um de nós é altruísta, dadivoso, generoso, visionário….”
Ora é então por aqui que eu pretendo construir este meu momento de reflexão, mais do que um simples depoimento, sobre o que me liga ao pensamento de António Quadros, atrevendo-me a citá-lo como acabei de o fazer, quando afinal falo sobre a minha produção artística que tão bem entendeu, acarinhou e incentivou.
Numa época em que se tornava muito difícil comunicar “Arte Electrónica”, então chamada de “Infopintura”, a um público consumidor em que as tintas, os pincéis e a tela, eram os instrumentos e suportes privilegiados da pintura clássica, António Quadros, tal como Stockausen afirma, “viu mais, ouviu mais e sentiu mais.” Apoiou desde a minha primeira exposição toda a minha criação artística, classificando-a de “inovadora e de um grande sentido estético”.
Afirmava que era pela esfera das emoções “como eu me propunha” que entendia a minha expressão plástica e poética, quando “olhava, sentindo” repetindo as minhas palavras, “os espaços imagéticos das minhas memórias” que, como eu afirmava, “teriam começado antes de existir, nas moradas seguras dos meus encantamentos.”
Num mundo cada vez mais global e massificante, verberativamente mais prosaico e em que os espaços comunicacionais se elevam como máquina destruidora da razão, fala-se muito hoje de afectos, de Inteligência Emocional, num paralelismo de resposta quase estigmatizante.
Sendo que a questão das emoções remonta mesmo a Aristóteles, passando por Cícero, Pascal, Nietzsche, Sartre, Platão e tantos outros cujas referências seriam aqui exaustivas, todos eles, de uma maneira ou de outra, me influenciaram nesta minha forma de ver e sentir o mundo e a minha relação com “o outro”. António Quadros com a sua enorme compreensão e teorização sobre a minha produção artística, só pode enriquecer a minha lista de “citados”. Concordava particularmente comigo, quando eu afirmava que se tratava de “uma nova forma de Comunicar, oferecendo um novo espectáculo do Olhar e uma nova maneira de Ver, porque de novas emoções se enchem os nossos Sentidos, quando se Ouve o poder imagético das nossas Memórias.
“Memórias das Origens – Saudades do Futuro”
David Hume (filósofo do século XVIII, no seu “Tratado da Natureza Humana” (1740), concebeu a comunicação ou “consumo” das obras de arte como regulado por dois princípios: a “Novidade” e a “Facilidade”. Só a novidade é capaz de estimular a criatividade e levar ao consumo ou desejo de posse. Mas só a facilidade permite que o consumidor frua, entenda e goze.
É pois necessário um equilíbrio entre a novidade e a facilidade, pois a novidade total é difícil de fruir e a facilidade é contrária à novidade.
Dir-se-á, pois, “a contrário sensu” que vivemos anos privilegiados para a prática de um novo conceito de Arte, aproveitando os meios tecnológicos ao nosso alcance, como meio de resistência à aculturação, a esse nada padronizado, que tende a suprimir o gesto e o risco da invenção do novo. É precisamente no sentido da apropriação dos meios operandis à escala ciberneto-global que penso ser hoje, o grande desafio à nossa própria capacidade de criação e fruição, propondo-nos um modo diferente de estar no mundo e na criação artística, usando os mesmos meios que outros usam para controlar as nossas vidas. (Um pequeno parêntesis para chamar a atenção para a nova guerra que começou esta noite).
Era este pensamento que partilhava com António Quadros e que o mesmo tanto estimulou, que me fez compreender que estava no caminho certo quanto às minhas opções estéticas, que ele próprio discutia com o Prof. Dr. Rui Mário Gonçalves, que à época me propôs ao prémio Unesco de Arte e Ciência.
Na sua afirmação:“......há no ser humano uma virtualidade de grandeza interior, uma capacidade de visão, de criação e de dádiva, que não podem ser ignoradas e de que dão testemunho os espíritos superiores que neste mundo viveram ou vivem e que também encontram expressão no próprio, inconfundível e levitante de cada paideia como projecção, que é, do devir civilizacional e civilizador de uma comunidade.....” não disse, mas atrevo-me a dizê-lo eu, esse ser humano de que fala, foi e é de facto, o próprio António Quadros.
Como ele mesmo escreveu, citando Teixeira de Pascoaes: “o futuro é o passado que amanhece”, eu acrescento:
“Amanhã, os cavalos serão aves com longas asas de marfim” mesmo que no reino da Utopia.
Para terminar, nada melhor do que um pequeno poema de Paulo Anes que de certo modo traduz a minha grande admiração por António Quadros e pela Instituição que fundou, o IADE!
Parto de Fé
Saio à procura
do que quer que seja
e o que quer que seja
onde quer que esteja
está sempre aqui.
Obrigada Dr. António Quadros por acreditar no meu trabalho académico e artístico! Farei o possível por não o desiludir!"
sexta-feira, 25 de julho de 2008
Homenagem a António Quadros
António Gabriel de Quadros Ferro nasceu na cidade de Lisboa no dia 14 de Julho de 1923. Se fosse vivo faria 85 anos. Filho dos escritores António Ferro (1895-1956) e Fernanda de Castro (1900-1994), António Quadros licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa e dedicou-se, durante toda a sua vida, à filosofia, à literatura e à arte de uma forma geral. Por esse motivo, fundou, entre outras instituições, a Associação Portuguesa de Escritores e o Instituto de Arte, Decoração e Design (IADE). Na sua actividade profissional fundou e dirigiu alguns dos periódicos mais importantes do seu tempo, a saber, Acto, 57 e Espiral. Discípulo de Álvaro Ribeiro (1905-1981), foi um dos membros mais activos do grupo da Filosofia Portuguesa. Morreu no dia 21 de Março de 1993, com apenas 69 anos.
(adaptação livre de PINHO, Romana Valente, Deus na tradição do pensamento português contemporâneo: a contribuição de António Quadros, In: A Questão de Deus: História e Crítica)
Participaram neste desafio Mafalda Ferro, Maria Ana Ferro e Romana Valente Pinho
quinta-feira, 24 de julho de 2008
Homenagem a António Quadros
António Quadros se estivesse vivo faria 85 anos. O desafio é este: enviem-nos um pequeno texto, um poema, um verso ou apenas uma frase em sua memória. O segundo é da autoria de: Maria Ana Ferro (neta).
"Às vezes é preciso um esforço. Procuro não me prender às imagens de hoje que já não são iguais. Ele não era assim. Era como eu o via. Havia a cultura e as letras e os pensamentos, havia tanto que ainda está por descobrir. Havia uma mente para além do tempo e do espaço e à frente desse tempo e desse espaço. Ele era como eu o vejo. Para além dos feitos e dos ganhos e dos percursos e dos textos e das teses e do talento. Era tudo isso que era ser tão grande, mas era ainda maior quando sabia ser pequeno.
António Quadros, um grande pensador, um enorme homem, sabia tão bem ser pequeno, como nós.E travámos o carro por culpa da família de elefantes invísiveis, e recebemos de Natal uma casa de montar onde passámos meses a fio, e recebemos os miminhos vindos de outros países, os doces. E vimos dar na missa uma nota e ficámos impressionados, e rimo-nos com a água quente para regar o jardim e recebemos 50 centávos por cada duas favas que apanhássemos e jogámos futebol na praia, brincámos com os truques das mãos quando se finge ser capaz de cortar e voltar a colocar um dedo, perdemo-nos com os bonecos de movimentos perpétuos e as bonecas que vão da maior para a mais pequena e se encaixam umas nas outras e hoje sabemos que se chamam matrioshka's. E sentímos aquele cheiro todo a livros e questionámos a pulseira com as duas bolinhas que tinha no braço e achámo-lo por isso moderno e observámos o seu tique com os dedos de uma só mão que tocavam um no outro, o indicador e o polegar e o outro tique do pescoço e queríamos tanto comer dos seus aperitivos de queijo e questionámos o porquê de só comer marmelada, queijo e banana ao jantar e o porquê de guardar todos os seus remédios num cesto que era um galo... E a maneira de se sentar na cadeira na praia com as mãos em cima do joelho e um panamá azul claro e quando saltava a rede no court de ténis sem pestanejar e chateáva-se quando dúvidavamos que nos adorava e adormecia com um garfo na mão para acordar e ainda se lembrar do sonho e às vezes fingia ouvir-nos e estava a ser o outro homem que também era tão bom... Não é só disto que me lembro...Ele era um mágico. E é assim que ainda o vejo, como o homem que escreveu uma simples e incrível história para crianças. («O Pedro e o Mágico») A luz que há de ficar para sempre nas nossas vidas, mesmo que nunca nunca mais se veja um pirilampo. "
Homenagem a António Quadros
Adorava brinquedos de corda. Já eu era crescida e ainda ele descobria uns feirantes à beira da estrada que vendiam ursinhos aos saltos. Ficava tristíssimo porque queria comprá-los e não sabia para quem. No fundo, era ele quem lhes achava graça. Odiava livros de quadradinhos. Dizia que nos estragavam o português. Um dia queimou na lareira uns do Mandrake que uma amiga me tinha emprestado. Fartei-me de chorar e ele ficou aflitíssimo mas… a língua portuguesa era uma prioridade, lá em casa."
sexta-feira, 18 de julho de 2008
"A estranha aventura de Sintra"
"De Cíntia, como lhe chamavam os gregos e os túrdulos, deriva o nome de Sintra. Cíntia era então, para sábios e poetas, o promontório da lua. O promontório da lua! Fantástica, misteriosa designação... Que realidade escondida, que verdade ignorada entreviram, lucidamente, os nossos longínquos antepassados? Nada ficou escrito, e a tradição oral não conserva vestígios dos reines sonhados, dos caminhos pressentido-os. Os séculos foram passando e, pouco a pouco, os homens foram destruindo implacavelmente os velhos mitos. Não importa. Nós sentimos, nós sabemos que só eles tinham razão, que Sintra não é um lugar como outro qualquer, que Sintra caiu entre nós por qualquer morta aventura, que Sintra não nos pertence, e nós não a merecemos porque não cremos na sua estranha origem. Condições climatéricas, natureza do terreno, constituição geológico ? Mentira, horrível mentira! A força que alimenta os fetos, erguendo-os até ao céu, e dando-lhes natureza de Piore, a seiva que oferece às flores tão belos e variados matizes, as mil tonalidades do verde, a harmonia duma paisagem em que os rochedos e os penhascos se conjugam com as camélias e com os cisnes brancos, o sangue que palpita nas veias da serra de Sintra, vêm da lua, da nuvem, de toda a parte, menos deste mundo.
Os que amam Sintra, os adeptos da sua doce religião pagã, sabem-no bem. É um mundo diferente, onde a beleza é o ar que se respira, e a poesia é a própria respiração. Este ponto fresco do vale, em que o olhar sobe, trepando a vegetação da montanha, atravessando as paredes frias do Palácio da Pena e perdendo-se ao longe, para lá do dia e da noite; aquele panorama do Castelo dos Moiros em que, sentados nas ameias gastas da muralha, avistamos o mar confundido com o céu; aquele outro lugar onde o Paço Real de Sintra, pesado de história, se esconde por detrás dum muro inteiramente coberto de musgo velho ou o momento irreal em que a vista da serrania, com o céu, a floresta, e a rocha, o cheiro húmido da erva medrando em todo o lado, o fino som da água caindo da fonte e das aves cantando nas copas das árvores, se transformam numa única sensação, nova, selvagem e indiferenciada, nada disso pode fazer parte da nossa humanidade.
Estivemos em Sintra há pouco, por uma tarde calma, uma tarde de silêncio e de frescura. Visitámos as belas salas do Paço, onde viveram os reis de Portugal, percorremos as ruelas estreitas e íngremes, as escadarias tortuosas serra-acima, emolduradas de céu e de montanha, descemos ao vale onde os riachos frios alimentam canaviais ondulantes, e onde as mulheres lavam a roupa rindo e cantando, passeámos nos caminhos poéticos, profundos de sombra e verdura das pequenas quintas cercadas de muros altos, cobertos de trepadeiras, fomos a Monserrate, onde a colina é verde e a água é escura como um mistério, funda como a própria existência, admirámos a beleza cuidada do Parque de Pena, e estivemos também no palácio, donde a vista da terra não tem fim, e a vista do céu parece ter limites, passamos por todos os pontos consagrados de Sintra, os Capuchos, Seteais, a Fonte dos Passarinhos... O trabalho do homem, em Sintra, não briga com o trabalho da natureza, antes o auxilia e disso nos devemos orgulhar, nós,- portugueses. Que naquele ponto da terra, o homem tenha recuado, tenha hesitado, indica um respeito, uma admiração, que não fazem parte da sua índole. O homem apagasse, ocupa voluntariamente ali, a posição de segundo plano. Porquê? Que poder sobrenatural se desprende das faldas luxuriantes da serra? Sintra é a terra das interrogações, das surpresas. Porque é que naquele recanto nevoento, se juntam plantas e flores dos cinco continentes? Porque é que as nuvens vêm cobrir, a todo o instante, os seus píncaros que não ultrapassam, no entanto, os quinhentos e quarenta metros? As nuvens buscam o promontório da lua, saudade dum planeta ou duma estrela onde estiveram um dia. Ah, sim! Sintra nasceu de qualquer aventura esquecida pelos séculos, e veio até nós como cometa, bólide de outros espaços e outras dimensões. E como se compreendem à luz desta realidade, as sombras e as encostas verdes de Monserrate, os pequenos lagos tranquilos da Pena, os rochedos bravios da serra, as ramagens intermináveis das fervores, formando um tecto de penumbra, os arbustos desconhecidos na Europa, as quintas emolduradas na natureza, os campos de flores, como se compreende o mistério enevoado de Sintra? Abandonemos inteligência, lógica, raciocínio. Sintra é para sentir, e só sentindo, se pode conhecer. Abandonemos regras e ciências: é a única maneira de possuir a eterna poesia de Sintra.
[o texto original é ilustrado por Bernardo Marques]
terça-feira, 15 de julho de 2008
«Diário Popular», 26 de Janeiro de 1974
É com amizade, com simpatia e com apreço que, desde há anos, venho seguindo a sua actividade de intelectual e de escritor. Desde há quantos anos?! Lembro-me, como se fosse ontem, dos seus esforços por impulsionar e valorizar a vida cultural do Alentejo. Do seu combativo suplemento no jornal A Planície, de Moura. Da carta que um dia o grupo de jovens reunidos em sua volta enviou para o meu 57 -- jornal que se queria de pensamento activo e português. Da visita que certa tarde, perdido, lhe fiz na Aldeia de S. Luís, onde era professor e onde procurava uma espécie de ascetismo humilde no ensino de uma escola primária. Da sua passagem pelas Bibliotecas Itinerantes da Fundação, como encarregado.
Depois, a sua vinda para Lisboa, as suas actividades relacionadas com o cinema, as suas intervenções jornalísticas, as suas antologias, por exemplo: a antologia de Poesia Portuguesa do pós-Guerra ( 1945-1965) , organizada por si em colaboração com Serafim Ferreira para a Ulisseia. E, mais recentemente, a sua preocupação com o futuro da humanidade, o seu interesse por tudo quanto se relaciona com futurologia e prospectiva. A este respeito, até tivemos, há meses, um projecto comum, aliás gorado! Foi quando tive ocasião para conhecer a grande documentação que sobre o tema você possui.
Nada me admirou, por conseguinte, a orientação da colecção Dossier Zero, por si dirigido e organizado para a Arcádia e que acaba de publicar um livro antológico, arrepiante pela multiplicidade e extensão dos sinais que apresenta quanto ao porvir do planeta, e a que você deu o título pessimista de Os últimos Dias da Terra.
Nesta ordem de ideias, você organizou também para semanário de grande divulgação um inquérito acerca da situação do mundo e do homem daqui a 100 anos. Convidou-me a colaborar, eu disse-lhe que sim, mas o tempo passou e nada lhe dei, afinal o inquérito saiu sem a minha prometida colaboração e decerto não perdeu nada com isso!
Porque não respondi ao seu inquérito?
Porque, depois de muito moer e remoer a sua pergunta, cheguei à conclusão de que é totalmente impossível responder-lhe, pelo menos em termos racionais ou racionalistas!
Para onde vamos? Quem seremos?
Talvez que o astrólogo do seu bairro, meu caro Afonso Cautela, lhe dê uma resposta...
O Jean Viaud apresenta no número de Janeiro da revista Horoscope , a lista das predições feitas por ele nos últimos anos e que resultaram certas: desde a revolução na Hungria ao assassínio de Kennedy, desde o escândalo Watergate até ao novo conflito israelo-árabe e à crise do petróleo...
Seria tentador, por outro lado, fazer de profeta, como Jeremias ou Daniel, mas confesso que me sentiria bastante (?!) ridículo se o tentasse, a não ser que fosse um génio da prosa e do pensamento, como o padre António Vieira; a sua História de Futuro não rivaliza com os acertos fantásticos de Jean Viaud, mas é uma das mais magistrais peças especulativas e literárias que jamais se escreveram.
O engano do nosso grande Vieira não terá sido tanto o de afirmar e proclamar os nossos mitos, o do Quinto Império e o do Encoberto - até porque o mito é uma prodigiosa força capaz de impulsionar todo um povo para o futuro -, como o de os querer traduzir em termos muito concretos, muito históricos, muito positivos.
A mitogenia do Encoberto era demasiadamente grandiosa para caber na pele de D. João IV e o Quinto Império era sonho excessivo para o Portugal dos Braganças, mesmo senhor do Brasil, que mais tarde Guerra Junqueiro (um sebastianista desiludido e em processo de transferência do mito da sua expressão monárquica para a expressão republicana) cobriria de sarcasmos no poema A Pátria.
Os discípulos de Vieira, mais prudentes, aceitam também a profecia, mas não arriscam situá-la no espaço e no tempo.
Fernando Pessoa ainda aponta Sidónio Pais como o possível Encoberto ( Ode ao Presidente Rei Sidónio Pais) , mas na Mensagem já não se arrisca em apostas positivas. Agostinho da Silva faz depender o advento do Império (mais espiritual do que terrenal) de condições: sociais, morais, culturais...
Fora dos âmbitos da astrologia ou da revelação profética, meu caro Afonso Cautela, penso que nada é possível adiantar sobre o futuro. Fracassaram todas as tentativas de considerar a história como uma ciência, no sentido de lhe descobrir princípios inalteráveis e leis estáveis. O conhecimento do passado (sujeito a uma enorme margem de erro e às interpretações subjectivas ou ideológicas dos historiadores, aliás) pouco ou nada nos adianta acerca do conhecimento do futuro, porque a existência do homem em sociedade e os próprios homens na sua estrutura biopsicológica se encontram sob a influência de demasiados factores aleatórios, imprevisíveis, incontroláveis.
Já dizia Sampaio Bruno que «ninguém, à luz de toda a sociologia moderna, depois de ler todo Comte, todo Spencer, todo Gillings, todo este, todo aquele, pode escrever uma página, uma linha sequer desse volume inescrevível da história do futuro. Eu posso prever em astronomia , mas não posso prever em política. Sei a que horas, minutos e segundos há-de ser o eclipse do sol, mas não sei sequer se haverá eclipse do ministério..."
A futurologia e a prospectiva poderão predizer, por exemplo, índices de desenvolvimento ou de aumento de custo de vida, mas a curto prazo - e desde que as condições do presente não se alterem muito. Veja-se o que aconteceu com a crise do petróleo, que é um bom paradigma da impossibilidade de previsão histórica: os futurólogos que tinham calculado o desenvolvimento industrial europeu nos próximos anos ou que tinham marcado datas à unificação da Europa tiveram de baixar bandeira, porque tudo é agora completamente diferente. Até as ameaças, da poluição ou do esgotamento dos recursos energéticos, adquirem uma nova tonalidade. E que dizer das transformações sociais, políticas, morais, religiosas, económicas? Da balança de poderes? Da evolução da Rússia e da China? Da promoção ou estagnação dos povos africanos, agora que o mundo industrializado tem outras preocupações? Quem previu o fenómeno "hippy" e a fome de misticismo de muitos jovens divorciados da sociedade de consumo? Um sem-número de interrogações e de dúvidas!
Em última análise penso, muitas vezes, caro Afonso Cautela, que todos nós, há 5000 anos ou nos dias de hoje, no Tibete ou em Lisboa, tivemos e temos em frente de nós o mesmo inevitável apocalipse: o da nossa própria morte individual. E é a nossa única certeza histórica...
Quanto ao que será o mundo daqui a 100 anos nada poderei, pois, adiantar. Por certo que é fundamental tomarmos em linha de conta os avisos que você salutarmente vai reunindo no seu Dossier Zero. Tempos houve (nos fins do século XIX) em que a ideologia da ciência e do progresso acreditou num futuro risonho e cor-de-rosa; sabemos hoje que a ciência não tem em si o poder de conferir a felicidade aos homens e que, ao progresso das ciências, das técnicas e das indústrias não correspondeu idêntica evolução nos planos moral e espiritual, a pontos de nos vermos hoje numa situação de desorientação e de perplexidade gerais.
Mas, se não podemos ser muito optimistas, não tombemos, por outro lado, no absoluto pessimismo. Ao lado de motivos de desânimo, há também motivos de esperança.
O homem é e será sempre o homem; capaz do mal, mas também do bem; de matar e de salvar; de destruir e de construir. Há forças, poderes, factores aleatórios, correntes vitais e espirituais que nos ultrapassam e cuja direcção nos não é permitido perscrutar, a não ser por hipótese.
Perante o nebuloso futuro deverá importar-nos principalmente o exprimirmos e projectarmos os valores que poderão tornar melhores os dias do porvir: os valores da verdade e de amor, de liberdade e de justiça, de espiritualidade e de beleza, que teremos de assumir estóica e corajosamente nas nossas vidas particulares, antes de os expandirmos e divulgarmos, seja sob que orientação acharmos preferível.
E termino com mais uma esplêndida citação de Sampaio Bruno, esse pensador ainda tão mal conhecido dos próprios portugueses: " Tudo o que existe tem de passar, mas as gerações sucedem-se e é maravilhoso que, sendo tudo o mesmo, tudo é diverso."
António Quadros"
segunda-feira, 14 de julho de 2008
domingo, 6 de julho de 2008
Eduardo Luís Barreto Ferro Rodrigues.Eduardo Ribeiro Pereira.Eurico José Palheiros de Carvalho Figueiredo.Fernando Alberto Pereira Marques.Fernando Manuel Lúcio Marques da Costa.Guilherme Valdemar Pereira d'Oliveira Martins.Gustavo Rodrigues Pimenta.Helena de Melo Torres Marques.Jaime José Matos da Gama.João António Gomes Proença.João Eduardo Coelho Ferraz de Abreu.João Rui Gaspar de Almeida.Joaquim Américo Fialho Anastácio.Joaquim Dias da Silva Pinto.Joel Eduardo Neves Hasse Ferreira.Jorge Lacão Costa.José Alberto Rebelo dos Reis Lamego.José Barbosa Mota.José Eduardo Reis.José Ernesto Figueira dos Reis.José Manuel Lello Ribeiro de Almeida.José Manuel Oliveira Gameiro dos Santos.José Manuel Santos de Magalhães.José Paulo Martins Casaca.José Rodrigues Pereira dos Penedos.José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa.Júlio da Piedade Nunes Henriques.Júlio Francisco Miranda Calha.Laurentino José Monteiro Castro Dias.Leonor Coutinho Pereira dos Santos.Luís Filipe Marques Amado.Luís Manuel Capoulas Santos.Manuel Alegre de Melo Duarte.Manuel António dos Santos.Maria Julieta Ferreira Baptista Sampaio.Maria Teresa Dória Santa Clara Gomes.Raúl d'Assunção Pimenta Rêgo.Rogério da Conceição Serafim Martins.Rui António Ferreira da Cunha.Rui do Nascimento Rabaça Vieira.Vítor Manuel Caio Roque.
Partido Comunista Português (PCP):
António Filipe Gaião Rodrigues.António Manuel dos Santos Murteira.Apolónia Maria Alberto Pereira Teixeira.Jerónimo Carvalho de Sousa.João António Gonçalves do Amaral.José Fernando Araújo Calçada.José Manuel Maia Nunes de Almeida.Lino António Marques de Carvalho.Luís Carlos Martins Peixoto.Maria Odete dos Santos.Octávio Augusto Teixeira.
Centro Democrático Social (CDS):
Adriano José Alves Moreira.António Bernardo Aranha da Gama Lobo Xavier.José Luís Nogueira de Brito.Juvenal Alcides da Silva Costa.
Partido Ecologista Os Verdes (PEV):
André Valente Martins.15abel Maria de Almeida e Castro.
Partido da Solidariedade Nacional (PSN):
Manuel Sérgio Vieira e Cunha.
Deputados independentes:
Mário António Baptista Tomé.João Cerveira Corregedor da Fonseca.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai dar conta dos diplomas que deram entrada na Mesa.
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: Deram entrada na Mesa, e foram admitidos, os seguintes diplomas: projecto de lei n.º 281/VI-Introduz alterações à Lei n.º 86/89, de 8 de Setembro (Lei do Tribunal de Contas) (PS), que baixou às 1.ª e 6.ª Comissões, e projecto de deliberação n.º 61/VI - Atribuição à Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da competência para apreciação das questões respeitantes ao Regimento e mandatos (apresentado pelo Presidente da Assembleia da República).
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, o Sr. Secretário vai proceder à leitura dos votos n.º 71/VI e 72/VI- De posar pela morte do escritor António Quadros (apresentados, respectivamente, pelo PS e pelo CDS, PSD, PS e PCP).
O Sr. Secretário (João Salgado): - Sr. Presidente e Srs. Deputados: O voto n.º 71/VI é do seguinte teor.
O escritor António Quadros, figura destacada da corrente de pensamento denominada filosofia portuguesa, consagrou a sua vida e a sua obra a estudar e a pensar Portugal, a sua razão, o seu mistério, o seu destino.Espírito aberto e tolerante, foi um homem generoso que privilegiou o debate de ideias e mereceu o respeito de diferentes quadrantes da vida cultural portuguesa.A sua morte é uma perda de vulto para a nossa literatura e para a nossa cultura.A Assembleia da República manifesta o seu pesar pela morte do escritor António Quadros e apresenta condolências à sua família.
O voto n.º 72/VI é do seguinte teor.
António Quadros, falecido no passado dia 21, fica como uma referência forte na corrente da filosofia portuguesa, aliando na sua vastíssima obra a dedicação à investigação, na área da cultura, com a assumida missão pedagógica e a adesão a um conceito transcendente de portugalidade.A Assembleia da República manifesta o seu respeito e admiração pelo ilustre desaparecido e apresenta pêsames à família enlutada.
O Sr. Presidente: - Para se pronunciarem sobre os votos de pesar, inscreveram-se os Srs. Deputados Manuel Alegre, Rui Carp, Adriano Moreira, Manuel Sérgio, Octávio Teixeira e André Martins.Tem a palavra o Sr. Deputado Manuel Alegre.
O Sr. Manuel Alegre (PS): - Sr. Presidente, Srs. Deputados: António Quadros pensou, estudou, escreveu Portugal. Proeurou a sua razão, o seu mistério e o seu destino. «Para servir Portugal», dizia, «é preciso começar por pensar Portugal em simpatia com a grandeza, com o sofrimento e com a dinâmica criacionista, embora tantas vezes bloqueada, do seu povo».
segunda-feira, 16 de junho de 2008
António Quadros in, A Angústia do nosso Tempo e a Crise da Universidade (1956)
segunda-feira, 9 de junho de 2008
pergunta
_______________________(por Francisco Soares
"Na cela onde medito,
Erodindo-se a vida,
Recordo, e deixo escrito
O enigma da partida.
A própria situação
Em que me encontro agora
É de luz e prisão,
É de mágoa e de glória.
O respirar é brando
E revulsivo o olhar —
Ainda vislumbrando
Perigos sem lugar.
A terra que murmura
Abraçando os sinais
De uma noite escura,
Esfuma-se no cais...
Tudo se depura.
Sobe a voz ao vento
E trémula, insegura –
Na canção do tempo
O silêncio escoa –
A boca se esvazia
E — leve — a coroa
De espinhos caída.
O som de uma pluma,
Nem tanto, falava,
Arcaico, e nenhuma
Palavra se escutava.
Contemplo-me, calmo,
A respirar calado.
Ouço-me, sossegado:
Já não posso dar-me...
E, porém, a luz
Que diviso agora
Nem sequer reduz
A beleza da hora.
Vejo a longa sala
Com as almas dentro:
Ora ocas de gala,
Ora em pensamento...
E porém o peso
Que me fecha os olhos
Não o sinto ou penso:
Pára-nos, e foge-nos.
Cinzas do apagado
Fogo se atearam
E é só luz a chama
Do espírito no ar:
Já não anda cego
O navio, fica
Vazio; surpreso,
O enigma não
Se explica.
O lábio está preso
À porta fechada;
A cela onde rezo
Esfria, abandonada.
Mas quem é que fala
Commigo e, ao sê-lo,
Porque não me cala?
Porque vou sabê-lo?
...
Depois era o céu
Límpido do sul
Delido no seu
Infinito azul."
segunda-feira, 2 de junho de 2008
domingo, 1 de junho de 2008
quarta-feira, 21 de maio de 2008
António Quadros, «A Existência Literária»
domingo, 18 de maio de 2008
Do medo da profundidade
segunda-feira, 12 de maio de 2008
António Quadros, «A angústia do nosso tempo e a crise da universidade»
sexta-feira, 9 de maio de 2008
António Quadros, Uma Frescura de Asas
quinta-feira, 17 de abril de 2008
O vento vem aí
O gesto é lento, os olhos sérios, quietos.
Antes como depois, morte e silêncio.
Que ficou desse instante satisfeito,
Cheio de um pensamento definido,
De um sonho a realizar-se, de um ideal?
O vento levou tudo, varreu tudo.
Murmurou por momentos um adeus,
- ou seria o lamento das folhagens?,
E logo foi varrer outros destinos...
Não é triste, poeta? Esta lágrima
É o movimento, o instante: tem-no a ele,
E a um cortejo de sombras, infinito.
Adeus, amigo, o vento vem aí..."
António Quadros, Viagem Desconhecida
sexta-feira, 28 de março de 2008
António Quadros, in «Ficção e Espírito»
sexta-feira, 14 de março de 2008
Ode ao Anjo de Portugal
um dúbio sorriso, uma expressão
de alegria serena, talvez de ironia,
talvez ainda de êxtase ou paixão,
não sei,
a própria face do enigma, como a esfinge,
não sei, que o tempo,
corruptor do símbolo e da pedra
altera ou finge
a palavra dita e silenciada.
Diogo-Pires-o-Moço te esculpiu,
o povo te esqueceu,
fecharam-te em Coimbra num museu,
porque esse que teu ser mediu
não do português uma clara existência quis fixar,
mas a perturbante essência libertar.
Escândalo o teu olhar de paz,
escândalo ontem e hoje a tua beleza intemporal,
escândalo o não pareceres Portugal
na aparência angélica que nos dás.
Olhamos-te, nós, os impacientes
olhamos-te, os saudosos, os furiosos,
porque tarda a hora de o sonho se cumprir,
porque em nossa volta, descontentes,
só vemos sonhos frustrados,
seres dilacerados,
o campo de Alcácer Quibir
ainda e sempre,
orgulho e corrupção,
coragem e miséria,
as guitarras, a traição,
a pátria dividida,
a pressa, a inteligência transviada,
El-Rei Dom Sebastião,
o seu fracasso, a sua ilusão,
a morrer ainda, devagar,
por esse país fora,
nas cidades, nas aldeias, nas montanhas,
a morrer de luxo e de pobreza,
de vaidade, de tristeza,
de curtas ambições,
de poder desregrado,
de habitual monotonia,
a morrer em almas indigentes,
em espíritos carecentes
de alegria criadora,
de entusiasmo, de amor,
Dom Sebastião a morrer dentro de mim
dentro de mim que somos todos,
nas nossas cruéis batalhas interiores
entre a visão radiante do futuro
e a realidade pesada e envolvente
do presente.
Mas altas, altas asas recolhidas,
a própria face do enigma, como a esfinge,
assim Diogo Pires te viu
e para o amanhã que é hoje te esculpiu…
Apostou na esperança, contra dúvida!
Apostou na confiança de que em breve
as grandes asas vão abrir-se porventura
e de que o corpo da pátria, leve, leve,
é ser das alturas que perdura,
apostou que o povo da aventura,
filho do mar,
pai da descoberta,
apostou que a nau fracta do ocidente
no tempo encontraria
a sonhada harmonia
dos seus poetas,
dos seus profetas,
e com clara certeza realizaria,
cedo ou tarde,
depois de quedas e infernos,
depois de abjecções e cobardias,
depois de se ter cindido
e consumido
na inveja, no ódio, na baixeza,
na sujeição, na descrença, na incerteza,
no culto dos eventos positivos,
na negação da própria alma futurante,
cedo ou tarde criaria
o quinto império do amor,
o quinto império do espírito universal,
senhor
da fraternidade enfim,
da justiça e liberdade
fundadas na verdade
que a razão inquieta demanda,
como nau de descoberta rumando ao horizonte
na aliança do leme e do mistério.
Ninguém morre na saudade e na memória,
o tempo que flui não é um grande cemitério
onde jaz sepultada toda a história.
A beleza do Anjo de Coimbra
é o que resta
da gesta.
A sua paz, o seu sorriso,
é o ser português, inteiro e puro
voltado para o futuro.
Ó Portugal,
teu ser no mundo é divisão,
teu ser em Deus é união,
mas o enigma do teu mito em acto
descobre-se no anjo que é o teu retrato.
António Quadros
sábado, 8 de março de 2008
Calado, tranquilo, sem fazer ondas, seguia serenamente o seu caminho, sem sobressaltos, mas de maneira eficiente e segura. (in Ao Fim da Memória)
sexta-feira, 7 de março de 2008
E na imaginação das crianças e dos adolescentes, no inconsciente dos adultos frustrados numa fixação à terra que lhes parece injusta e odiosa, a ideia da aventura, da viagem, do descobrimento palpita como uma promessa e como uma fascinação."
António Quadros
terça-feira, 4 de março de 2008
quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008
o escritor e a sociedade, programa de Álvaro Manuel Machado (RTP, 1983) Continuação
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008
António Quadros sobre o Caranguejo de Ruben A.
terça-feira, 12 de fevereiro de 2008
Sobre António Quadros, texto de Pedro Calafate
Pessoa e o Orpheu
As mais audaciosas e estranhas produções, umas propositadamente excessivas na forma e no conceito, outras premeditadamente exageradas no seu destrambelhamento, preconcebidamente irritantes e ofensivas da rotina e dos cânones literários então correntes, nasceram desse movimento irreverente e iconoclástico que perturbou a tranquilidade até aí gozada na pacifica pacatez do nosso meio literário, irritou os críticos e provocou a indignação do grande público, habituado ao lirismo ingénuo e calmo e ao romantismo dos folhetins.
Com Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, constituíam os mais assíduos elementos do grupo: Luís de Montalvor, Pedro de Meneses, Almada Negreiros, José Pacheco e António Ferro, que foi o editor do «Orpheu», apesar dos seus 19 anos - idade em que legalmente o não podia ser.
Por vezes, no «Martinho», apareciam também Santa Rita Pintor, chegado havia pouco de Paris e de quem se contavam as mais estranhas blagues, as mais sensacionais boutades, os mais espirituosos ditos.
Já a sua figura, no meio apagado e morno do café, fazia sensação. O seu ar fúnebre emergindo do fato preto, a sua figura esguia e angulosa, o colarinho muito largo e direito, meio coberto por um laço também preto, o chapéu negro enterrado na cabeça rapada à navalha, o próprio galgo hierático, que o acompanhava e ficava em atitude submissa junto da mesa onde ele se concentrava a encher largas tiras de papel, davam-lhe um aspecto estranho, quase irreal, naquele ambiente banalíssimo e burguesmente pacato do café.
A ideia de uma revista literária de novos moldes e novos ritmos, no propósito de «formar, em grupo ou ideias, um número escolhido de revelações em pensamento ou arte», partira de Luís Montalvor e de Ronald de Carvalho que no Brasil tinham projectado criar uma publicação - «Orpheu» - destinada a provocar uma renovação do gosto e a reunir novos desejos e características de arte e de beleza.
O primeiro número da revista, em cuja introdução Montalvor explicava os propósitos e intenções de «Orpheu», foi, para o grande público, a ruidosa e sensacional revelação da nova escola literária.
O poema «Os Pauis», de Fernando Pessoa, dera ao movimento o nome de guerra: - o Paulismo.
Nas longas conversas de café, nas digressões nocturnas pelas ruas da Baixa, discutindo em voz alta por forma a despertar as atenções e a curiosidade intrigada da multidão, os componentes do grupo tinham criado uma série de novas formas e de audaciosas expressões, procurando todos, numa estranha competição, exceder-se a si próprios e a cada um, em exotismos, em extravagantes conceitos e opiniões, nas mais imprevistas e complexas frases deliberadamente destoantes da vulgaridade corrente e, quase todas, com o principal propósito de irritar."