terça-feira, 15 de dezembro de 2015

António Quadros | Mário Cesariny


"Existe uma herança do surrealismo, que está ainda bastante viva na poesia e na arte portuguesas, muito embora sem ortodoxia. Conta com alguns valores notáveis. (...) Pessoalmente interessa-me mais, no entanto, a sua influência indirecta em poetas e artistas que, não podendo classificar-se propriamente como surrealistas, contudo beneficiaram do seu sopro de liberdade, de imaginação e de abertura para as vozes do inconsciente. Neste sentido, a influência do surrealismo em Portugal acabou por ser inesperadamente mais profunda do que a do neo-realismo ou do existencialismo. (...) Dentro do panorama do surrealismo português Mário Cesariny marcou uma posição inconfundível e original porque (...) foi um dos mais livres e porventura o mais creador dos nossos poetas surrealistas (...) [porque] foi um inovador, mas encontrou formas de se re-ligar a raízes antigas da cultura portuguesa, a arquétipos (...) "

António Quadros
Revista Espacio/ Espaço escrito (1991)

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Ainda


"Ainda o homem busca o divertimento próprio no sofrimento alheio. Ainda encontra prazer em infligir a dor. Ainda se não envergonha de abusar da inteligência na tortura da estupidez. Ainda não reconhece a solidariedade da vida, e não reputa ímpio o escarnecer da inocência do animal. Essa ferocidade conservada nos costumes, é um estigma. (...)" 

Sampaio Bruno
Os cavaleiros do  amor (póstumo)

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Aviso


A brasileira Editora Deriva deu à estampa a obra «Os Justos», de Albert Camus, com tradução de Robson dos Santos. 

Aparentemente, uma nova tradução. Ora, depois de me ter chegado, através de Denise Bottman, a informação de que, na verdade, o texto publicado era a versão de António Quadros e não do dito tradutor, contactei a editora no sentido de lhes pedir um esclarecimento acerca desta possibilidade, no mínimo, surpreendente. 

Infelizmente confirmei aquilo que não queria, comparando, inclusive, as duas versões. A editora assumiu o erro, redigiu um comunicado com um pedido de desculpas aos leitores, tirou o livro do catálogo e comprometeu-se a retirar a obra de circulação.

A quem, ainda assim, agora ou depois, chegar às mãos o livro, na edição referida, queiram saber que o tradutor do texto foi e é António Quadros.

Os Justos.

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Essa semana recebemos o comunicado de um comprador da Deriva sobre um sério problema na nossa coleção de livros de teatro. Inclusive fomos denunciados de “pilhar” direitos autorais alheios. Hoje pela manhã recebemos uma mensagem de António Quadros Ferro neto do Sr. Antônio Quadros, real tradutor do texto os Justos de Albert Camus que estava creditado a outra pessoa.

Ficamos cientes do problema das traduções somente ontem no final do dia. Como a Deriva não tem fins lucrativos, e todos membros desenvolvem outras atividades, não conseguimos responder prontamente a reclamação do leitor.

Já retiramos os livros do catálogo e estamos recolhendo as poucas unidades que estão com livreiros independentes. Os projetos de livros chegam a nós de diversas maneiras, e por diferentes mãos, e realmente assumimos o erro de não haver conferido os dados técnicos dos livros referidos. (...)

terça-feira, 18 de agosto de 2015

A sua realidade

“Como é difícil a uma criança distinguir o seu sonho,
que é a sua realidade,
do que os homens já cristalizaram
em realidade para eles!
As escolas, meu Deus, que tortura!”

 Leonardo Coimbra

quarta-feira, 5 de agosto de 2015

quarta-feira, 8 de julho de 2015

Ferreira de Castro e os jovens autores do romance nordestino

"É pouco referida a influência que os dois primeiros romances de Ferreira de Castro, Emigrantes e A Selva, tiveram nos jovens autores do romance nordestino da década de 1930, nomeadamente Jorge Amado e José Lins do Rego. Creio que Álvaro Salema terá sido o primeiro a escrevê-lo explicitamente. Numa excelente conferência sobre «O romance brasileiro actual», proferida no início dos anos sessenta, António Quadros, já em balanço final e referindo-se à tradição portuguesa da ficção narrativa do Brasil, associa o portuguesíssimo e universalista escritor português sem outra razão aparente que não seja a de evocar o poderoso romance que tem por cenário a magnitude vegetal amazónica, ora edénica ora -- as mais das vezes -- infernal, descrita como nenhum brasileiro o fizera. (...)"

Ricardo António Alves

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Aberturas para o futuro

"Todos os homens têm um passado: armazenam na memória momentos e eventos que lhes deixaram sulcos de desejo, aberturas para o futuro através dos quais vislumbram o passado novamente ao seu encontro como possibilidade redentora; mas só alguns, muito poucos, os Poetas, cultivam e contemplam, conscientemente, o tempo volvido em eterna promessa. (...)"


António Barahona
"Os dois sóis da meia-noite", átrio, 1990

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Ana Hatherly e a Filosofia Portuguesa

"Quem me introduziu no círculo da Filosofia Portuguesa foi o António Quadros (...) e se bem que eu viesse a ser pouco mais do que ocasional participante nas reuniões do grupo, que então se realizavam no café Colonial da Avenida Almirante Reis, o meu contacto com os dois Mestres que a elas presidiam chegam a ser bastante significativo para mim nessa época, sobretudo com José Marinho, com quem tinha muito mais afinidades e que encontrava frequentemente em casa de amigos comuns. (...)"
Ana Hatherly
"Recordações de José Marinho e do grupo da Filosofia Portuguesa nos anos 60" 
em José Marinho, 1904-1975: todo o pensar liberta (2004)

A noite não foi

“Não há então sentido para aurora, nem para infância, para nenhuma origem, para nenhum princípio. A noite não foi, nenhum sol teve ocaso, nada se deu na diversidade da luz, do que traz a luz ou a oculta, nada nasceu, não há morte. (...)”

José Marinho
Teoria do Ser e da Verdade (1961)

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Uma realidade conhecida e exercida pelo pensamento



"O problema principal do elenco de teses consiste na demonstração de que a filosofia é uma teoria de verdade, e não propriamente uma teoria do ser ou Ontologia, teoria essa que se erige perante uma realidade conhecida e exercida pelo pensamento, reconhecendo-se como o mundo sensível é real, mas a cujo íntimo só à filosofia, e não à ciência, é dado aceder."

Pinharanda Gomes
do Posfácio a
"As teses da Filosofia Portuguesa", de Orlando Vitorino
Guimarães (2015)

sexta-feira, 29 de maio de 2015

Relações entre Portugal e o Brasil | Tania Martuscelli

"A Águia era tão popular no Brasil ao ponto de ser alvo de uma trapaça. (...) Em Janeiro de 1915 a revista viu-se obrigada a publicar um aviso para esclarecer que Tem andado pelo Brasil um curioso cavalheiro, cujo nome muito bem sabemos, a acolher assinaturas para a Águia por sua conta e proveito, são absolutamente falsos de precedência  e intenção os impressos."

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Passei para além de tudo como o rio

"Passei para além de tudo como o rio, que flui para o mar, e que, se não vai pela direita, é pela esquerda, e vai sempre, e o mar espera-o ao longe. (...)"

Fernando Pessoa
SAKYAMUNI (s.d)

Ficção e Teatro. Fernando Pessoa. 
Introdução, organização e notas de António Quadros | Europa-América, 1986, p. 229.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Pai e filho


Na miséria deste mundo

"Na miséria deste mundo - e no conforto deste mundo, em todas as situações deste mundo - o homem é sempre o homem, um ser mistério-interrogativo do seu destino, vocacionado para a morte e nunca totalmente distraído da incompletude e da frustração da sua personalidade satisfeita. (...)"

António Quadros

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Não se educa com teorias

“Não existe, nem creio que alguma vez exista, uma forma exacta de educar, pois que a sociedade está constantemente a evoluir e a sua própria evolução implica a negação pela juventude da validade dos princípios educativos imposta pelos antecessores. Não existem educadores perfeitos, e quando há pretensos educadores perfeitos, os seus produtos são casos patológicos (...)".

“Cada um eduque com verdade e espontaneamente e que os educadores sejam personagens reais e não autómatos eruditos e sofisticados (…) 

Se a educação pode ser encarada como um fenómeno cultural que orienta o diálogo com o educando e os outros educadores, a ação educativa deve sempre basear-se na relação espontânea, afetiva e instintiva pois que quem educa são as personagens verdadeiras e não as figuras ideais. Não se educa com teorias mas com princípios e preconceitos adquiridos na experiência e no convívio familiar e comunitário, não sendo a educação uma matéria que se ensine, mas fundamentalmente uma atitude que reflete o confronto entre as vivências do educando que fomos com o educador que pretendemos ser (...)”.

João dos Santos

Quando uma relação humana se estabelece

“Só se educa quando uma relação humana se estabelece, se desenvolve e se confirma na intimidade de cada uma da crianças e adultos em presença (...)".

João dos Santos

Psicanálise e Ciência da Educação

"O maior interesse da Psicanálise para a Ciência da Educação funda-se sobre um enunciado que se tornou evidente, o de que não pode ser educador senão aquele que pode sentir do interior a vida psíquica infantil e quando nós, adultos, não compreendemos as crianças é porque deixámos de compreender a nossa própria infância (...)"

João dos Santos

Sabedoria

"O importante é trazer no coração a vida que nos sopram aqueles que tinham a sabedoria (...)"

João dos Santos

Se as escolas

“Se as escolas fossem oficinas onde a criatividade tivesse um papel primordial mesmo na aprendizagem da leitura e contas, as crianças trariam consigo e dentro de si mais objectos de amor para se protegerem da vida. (...)” 

 João dos Santos

quarta-feira, 13 de maio de 2015

João Cabral de Melo Neto e Ruben A.

"Aquela nossa viagem de automóvel foi uma das melhores que fiz na vida e ainda tenho nos olhos tudo o que vi (...)"

João Cabral de Melo Neto sobre um passeio ao norte 
de Portugal na companhia de Ruben A.
28 de Abril de 1968


Egipto

"Com a publicação do romance póstumo Kaos, termina a carreira literária de Ruben A., a menos que o livro, várias vezes anunciado pelo autor mas nunca aparecido Egipto - Os mortos também comem, possa surgir um dia das profundezas de um qualquer recôndito. (...)"

Liberto Cruz e Madalena Carretero Cruz
Ruben A. Uma biografia, Editorial Estampa (2012), p.279

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Um nervosismo absurdo, sem cura, que me havia de prejudicar pela vida fora

"O efeito medíocre das minhas classificações nunca me preocupou muito... Um nervosismo absurdo, sem cura, que me havia de prejudicar pela vida fora, tanto em casos amorosos como em situações de relativa importância. Deformava a realidade e criava em seu lugar uma poderosa imaginação... deu-me uma certa humildade que conservei intacta pela vida fora. Realmente nunca passei a arrogante."

Ruben A.
O mundo à minha procura I (1964)

terça-feira, 5 de maio de 2015

Sobretudo o grito

"E o grito - sobretudo o grito - que se vai atenuando, mas que ainda ecoa, como último sinal de triunfo de quem acabou a violência e está farto de matar (...)"

Raul Brandão
Os Pescadores (1923)

terça-feira, 21 de abril de 2015

Ambiguidade congénita

"(...) A ambiguidade da metafísica não surge como defeito, inerente ou não, mas condição preliminar do pensamento que pretende descobrir o sentido da existência. O pensamento exige sempre um contrario para se afirmar. Nenhuma noção pode ser pensada exclusivamente por si, é sempre necessária outra e nesta dualidade reside a ambiguidade congénita de todo o pensamento, e em especial do pensamento metafísico. O nada é impensável, mas o pensamento pretende objectivá-lo como pensável. A existência é impensável, mas sem ela o pensamento não poderia manifestar-se. E deste modo, a metafísica é consciente e paradoxal ambiguidade." 

 Delfim Santos 
 "Da ambiguidade na metafísica" 
 Actas del Primer Congreso Nacional de Filosofia 
tomo 2, 840-846, separata (1949)

A metafísica é trânsito

"Mas em antecipação e em conclusão digamos que física não se opõe à metafísica, como é corrente a partir de Leibniz. O rio não se opõe à margem. As margens é que são entre si opostas. Isto é, não há metafísica sem física, nem física sem metafísica, como não pode haver ultrapassagem de um rio que não seja rio. (...) A metafísica é por si garantia da coexistência dos opostos sem os quais ela nada poderia ser. O que em Aristóteles se opõe ao físico é o lógico e não o metafísico. (...) A metafísica é trânsito em função de duas instâncias; é fácil desconhecer o real, é mais difícil desconhecer o ideal como ingrediente de pensamento. Não é só difícil mas impossível, e nisto reside a força aparente da prova idealista. O real exige como prova testemunhal de si próprio o pensamento, e daí a suposição da anterioridade e superioridade de valor do pensamento perante a existência. Mas metafísica, como vimos, não é só pensamento, mas esforço de correlação entre o pensamento e a existência. (...)"

Delfim Santos 
"Da ambiguidade na metafísica" 
Actas del Primer Congreso Nacional de Filosofia tomo 2, 840-846, separata
(1949)

O de onde e para onde da metafísica

"O termo metafísica tem dois núcleos de referência. Está relacionado com "física" e é actividade transponente, como indica o prefixo "meta". Mas a transponência é acto que implica dois sentidos. Meta é indicio de "direcção para", mas nada nos diz acerca do sentido da direcção. Metafísica é, pois, actividade de pensamento que ultrapassa a física. Mas ultrapassar a física não tem sentido unívoco, como não tem sentido unívoco ultrapassar um rio. Um rio tem duas margens e para que a expressão seja clara em seu sentido temos de saber "de que" margem e "para que" margem se passou para compreendermos plenamente o sentido da ultrapassagem. Assim com a metafisica, o termo não é unívoco porque não nos diz de "onde" ou "para onde" se dirige a ultrapassagem. (...)"

 Delfim Santos 
"Da ambiguidade na metafísica" 
Actas del Primer Congreso Nacional de Filosofia 
tomo 2, 840-846, separata
(1949)

O nada não nos diz nada sobre a metafísica

"O problema metafísico do Nada compreende, como problema, toda a metafísica, mas se esse e outros problemas compreendem toda a metafísica e por ele são problemas, nem por isso se nos diz o que seja a metafísica. (...)"

Delfim Santos
"Da ambiguidade na metafísica"
Actas del Primer Congreso Nacional de Filosofia
tomo 2, 840-846, separata
(1949)

domingo, 19 de abril de 2015

Ruben A.

Ruben A. em Ponte de Lima com Sophia de Mello Breyner
e Francisco Sousa Tavares

- Em que idade escreveu (e publicou) o primeiro livro?
- 28 anos. Páginas I. 1949. Fez cócegas na sonolência nacional. Quem as fez acordar do barbitúrico râncico foi o João Gaspar Simões e o António Quadros. É a verdade, a eles devo muito.

Ruben A.
Diário Popular, 10 de Julho de 1975

quarta-feira, 15 de abril de 2015

"A obra e o pensamento de Ariano Suassuna" | Colóquio


Realiza-se, no próximo dia 15 de Abril, pelas 14h30, no palácio da independência em Lisboa, o colóquio "A obra e o pensamento de Ariano Suassuna", dedicado ao autor d'O Auto da Compadecida.

PROGRAMA

14h30 | Sessão de Abertura
José Esteves Pereira

15h00 | Comunicações
António Braz Teixeira | Teatro
António Cândido Franco | Poesia
Constança Marcondes César | Romance

16h00 | Comunicações
Manuel Cândido Pimentel | Teoria Estética
José Almeida | Movimento Armorial
Manuel Gandra | Ariano Suassuna e o Sebastianismo

17h00 | Comunicações
Paulo Dias Oliveira | Ariano Suassuna e o Integralismo
Pedro Sinde | A Compadecida de Suassuna - Da teologia à expressão popular
Renato Epifânio | Ariano Suassuna e Agostinho da Silva

18h00 | Apresentação de obras
- "Olhares luso-brasileiros", de Constança Marcondes César
- "A Obra e o Pensamento de Eudoro de Sousa", obra colectiva

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Dalila Pereira da Costa


Excertos do documentário "Nome de Guerra, a Viagem de Junqueiro", produzido pela Escola de Belas Artes da Universidade Católica do Porto.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

A religião e a arte

"Considerando, porém, a religião e a arte, ambas se me afiguram, ainda que de um modo distinto é certo, intimamente voltadas para o homem e o universo, para a condição humana e a natureza Divina. E nisto não residirá a memória e a saudade do Paraíso perdido, de que nos fala a Bíblia, tesouro inesgotável da nossa cultura europeia? (...)"

Manoel de Oliveira
Centro Cultural de Belém, Lisboa, 12.5.2010 

Manoel de Oliveira 1908-2015


'Non' ou A Vã Glória de Mandar (1990)

Manoel de Oliveira 1908-2015

"Quando comecei a fazer cinema não conhecia ninguém das tertúlias literárias. [Mais tarde] o Casais Monteiro, o Leonardo Coimbra, o José Marinho, o Álvaro Ribeiro, o Delfim Santos e outros (...) foram eles que me foram dando indicações sobre livros importantes.”

Manoel de Oliveira
«Expresso» 16 de Outubro de 1993

segunda-feira, 30 de março de 2015

Religiosa heterodoxia


"Religiosos têm sido os maiores poetas portugueses." António Quadros defendeu esta ideia em 1979, num texto de evocação de José Régio, a quem atribuía o pódio do génio poético português no século XX, a par de Teixeira de Pascoaes e Fernando Pessoa. É impossível saber se, porventura vivo, o filósofo estenderia hoje a graça a Herberto Helder (que tanto o admirava). Contudo, também deste poeta se poderá dizer que foi heterodoxo, certamente torturado, por vezes dubitativo. Todos, cada um a seu modo, “não realizaram obra confessional, eclesial, ritualista, antes partiram de uma longa ou de curtas mas perturbantes experiências místicas, ou metagnósicas, de que regressaram perturbados, mas ao mesmo tempo iluminados, deslumbrados, sublimados”.
Herberto Helder fê-lo sem fidelidade a Deus (“destruído pelo extremo exercício da beleza”), mas com um visionarismo largo e profundo da vida, nascido da tentativa de toque poético nas coisas mesmas, directas e quotidianas (“vem aí o sagrado, e tornam-se radiosas as coisas mínimas”). Numa simultânea carnificação e coisificação da palavra, o poeta pesquisou gestos primitivos (como levar a colher à boca), uma iluminação primordial, a “alquimia do verbo” possuindo “todas as paisagens do mundo”, tal como Rimbaud a sonhou. (...)

Filipa Melo
Jornal Sol | 29-03-2015

sexta-feira, 27 de março de 2015

O encontro de Sampaio Bruno com António Nobre


"Na escura rua de Trévise me procurou, abandonando por horas a sua preferida margem esquerda, de que lhe era tão penoso afastar-se, António Nobre, uma tarde em que eu sofria cruelmente. Esta visita sensibilizou-me; como me encantou a conversação do poeta, pelo tom subtil da melindrosa reserva na consolação, a um tempo caridosa e primorosa, d’um’alma em carne viva, como a minha por então andava. (...)"

Sampaio Bruno
do prefácio a Despedidas (livro póstumo) 
de António Nobre 

Fernando Gil e José Marinho

(...)

DN: Como é que surge a filosofia para si? O seu percurso é algo atípico; fez uma breve incursão na Sociologia, licenciou-se em Direito, e em 61 decidiu-se pelo estudo da Filosofia em Paris.

Fernando Gil: Nessa altura, em 61, já tinha escrito um livrinho de filosofia. 

DN: Não foi uma espécie de ousadia escrever um livrinho de filosofia sem antes a ter estudado?

Fernando Gil: Foi com certeza o exemplo de um mestre, José Marinho, que eu frequentava em cafés da Avenida de Roma, que podia animar um jovem, que tinha tido alguma revelação da filosofia através do prefácio da «Fenomenologia da Percepção» de Merleau-Ponty, a avançar sozinho. O José Marinho era, justamente, um filósofo insensato, e animava tudo o que pudesse parecer um caminho pessoal. Não fui só eu; várias pessoas à volta dele beneficiaram desse apoio. Talvez tenha sido ainda mais insensato porque escrevi o livro sabendo muito pouco de filosofia.

DNa | Diário de Notícias | 2000

segunda-feira, 23 de março de 2015

Confluências n.º5

Confluências, n.º 5, colecção Cadernos de Filosofia Extravagante
 Janeiro de 2015

A jovem não escondeu o seu desapontamento

"Formávamos uma pequena multidão. Pelo menos, deve ter sido assim que para nós olhou a rapariga que, naquele momento, se acercou do grupo. Forasteira, teria cerca de 20 anos e vinha ao fresco, vaporosa, balnear, esperançada na réstia de um Verão a destempo face à iminência da hora em mudança. 
Quis saber o que ali se iria passar. Dissemos-lhe que já se tinha passado. (...) Alguém lhe terá então falado da homenagem prestada a Agostinho, do lançamento do livro com as suas cartas para António Telmo. E a palavra filosofia, naturalmente, veio à baila. A jovem não escondeu o seu desapontamento perante o quadro: – Filosofia??!! quase protestou, envolvendo o desdém da pergunta num esgar de desconsolo. Esperaria talvez poder assistir à projecção de um filme, suplemento prazenteiro à inopinada vilegiatura, e deparara-se afinal com um bando plúmbeo de monos dissecadores de alfarrábios. Em suma: uma seca! 
Não obstante, reteve o nome de Agostinho: – Agostinho da Silva? Mas ele ainda é vivo? – indagou. Paciente, proficientemente, esclarecemo-la, explicando-lhe que a apresentação das Cartas de Agostinho da Silva para António Telmo constituíra, justamente, uma comemoração, entre outras, em que Sesimbra foi aliás pródiga no ano passado, dos vinte anos da sua partida. Para o nosso desespero ser completo, veio ainda uma terceira questão: – E a filosofia dele era estilo quê? Tipo Platão? 
Mais disse a suave rapariga outonal ser aluna do IADE, em Lisboa. Muito gostaria de lhe ter feito a pergunta que então me não ocorreu: se acaso sabia quem tinha fundado a escola que frequentava? Imagine o leitor que se trata de um filósofo, para mais um filósofo português, de seu nome António Quadros. Este amigo de António Telmo e Agostinho da Silva, regressado à pátria após uma estada no Brasil, onde fora realizar conferências, foi o núncio do convite que o segundo, com Eudoro de Sousa, dirigira ao primeiro para se lhes juntar, em Brasília, como professor da Universidade onde os dois então pontificavam. Corria pelo meado a década de sessenta. E o resto é sabido. (...)
Por muito que custe à excelente moça balnear, parece haver sempre uma opção filosófica depositada nos gestos, mesmo os mais pequenos, só na aparência insignificantes, com que urdimos as teias das nossas vidas. Quando Agostinho da Silva virava costas ao mergulho nas ondas do mar a seus pés, e com estes de abalada se afoitava a calcorrear os morros que circundam a cova funda, para visitar o amigo Rafael Monteiro na sua casa castelã, estava por certo a fazer uma escolha, tão escorada no sentimento como no pensamento. E quando António Quadros congeminou o desígnio, entre nós pioneiro, de criar uma escola de arte e decoração que viria a concretizar em 1969, facultando aos estudantes portugueses um curso de Design de Interiores e Equipamento Geral concebido sob padrões internacionais de vanguarda, bem sabia que as imagens não raro decidem das ideias por que guiamos os nossos passos. (...)"

Pedro Martins, aqui.

sexta-feira, 13 de março de 2015

Do ontem hoje

"Pretendo aludir nestas linhas a dois vícios que inferiorizam grande parte da nossa literatura contemporânea, roubando-lhe esse carácter de invenção, criação e descoberta que faz grande a arte moderna. São eles: a falta de originalidade e a falta de sinceridade. (...)"

José Régio
Presença, n.º1, 10 de Março de 1927

quinta-feira, 12 de março de 2015

(d)e

Elvira Sobral (d)e Almada Negreiros, 1894

Frisos

"Eu amo a Lua do lado que eu nunca vi.
Se eu fosse cego amava toda a gente. (...)"

Almada Negreiros
 Frisos, Canção da Saudade 
Orpheu I

terça-feira, 10 de março de 2015

Conferências, livros, bibliografias...

"A arte de filosofar não consiste em escrever livros, em proferir conferências, em minutar lições que, ostensivamente, efectuem transmissão de ensino público. Todas as manifestações da filosofia que os bibliógrafos registam os biógrafos explicam, combinando a bibliografia com a biografia, resultam de uma actividade inaudível e invisível a que se dá o nome secreto de pensamento (...)"

Álvaro Ribeiro
A Arte de Filosofar
Portugália Editora, 1955

quinta-feira, 5 de março de 2015

O sensacionismo

“O sensacionismo, que mais tarde Fernando Pessoa teorizaria em numerosos escritos, é, com Cesário Verde, a primeira irrupção do moderno na poesia portuguesa. A poesia vai alimentar-se na prosa para se renovar. É uma poética do aquém, que valoriza e restaura a consciência e a qualidade das coisas, do que é circunstancial, material e concreto. (...)” 

António Quadros
 O primeiro modernismo português (1989)

quarta-feira, 4 de março de 2015

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

Jura-me

" (...)
– Jura-me que nunca hás-de envelhecer – disse-te.
– Juro.
– E que nunca hás-de morrer.
– Sim.
– E que a beleza estará sempre contigo. E a glória. E a paz.
– Juro."
Vergílio Ferreira

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Pelos vencidos

"Não te poderás considerar um verdadeiro intelectual se não puseres a tua vida ao serviço da justiça; e sobretudo se te não guardares cuidadosamente do erro em que se cai no vulgo: o de a confundir com a vingança. A justiça há-de ser para nós amparo criador, consolação e aproveitamento das forças que andam desviadas; há-de ter por princípio e por fim o desejo de uma Humanidade melhor; há-de ser forte e criadora; no seu grau mais alto não a distinguiremos do amor (...)" 

Agostinho da Silva, “Pelos vencidos”, 
Considerações [1944], in Textos e Ensaios Filosóficos I, p. 112.

terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

A poesia permanecerá como a afirmação mais capaz de acusar todas as traições do homem ao seu destino humano

"A poesia subsiste, a poesia subsistirá. Independentemente de questões intrínsecas, que explicarão o êxito momentâneo de certas obras, apostamos numa forma de arte que particularmente se apoia na linguagem e nas suas mais profundas virtualidades, vizinha afinal de uma linguagem popular que, embora prejudicada pelo êxodo rural e pelo consequente domínio, mais aparente do que real, de um idioma reduzido, fundamental digest, não deixará de sobreviver enquanto sobre a terra algum homem houver. A poesia núcleo e limite das artes que se apoiam na linguagem que distingue o homem dos outros animais, apresenta-se-nos como o último reduto dessas artes. Atitude utópica, aposta, justificação própria? Depois do que já, ao longo deste artigo, dissemos, cremos honestamente que não. Na pior das hipóteses, mortal como o homem e como a sua única terra, a poesia permanecerá não só como a forma mais pura de arte literária mas também como a indisciplinadora mais audaz, como a afirmação mais vigilante de uma consciência individual e social capaz de acusar todas as traições do homem ao seu destino humano. (...)"

Ruy Belo
Poesia, Último Reduto da Literatura?
(Diário de Lisboa, 14-04-1972)

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Problemático é


“A unidade teorética do sistema de cultura pode ser encontrada na relação do pensamento humano com a realidade absoluta; problemático é apenas o fundamento da opção por um determinado modo de vida espiritual. (...)"

Álvaro Ribeiro
O Problema da Filosofia Portuguesa, Lisboa, (1943) 
Editorial “Inquérito”, p.38

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Proença, Cortesão, Sérgio e o grupo Seara Nova


"O Colóquio sobre Proença, Cortesão, Sérgio e o Grupo Seara Nova, organizado por Amon Pinho, António Pedro Mesquita e Romana Valente Pinho na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, em 2009, constituiu um importante acontecimento académico e, sem dúvida, um dos mais fecundos encontros científicos jamais promovidos em torno do grupo seareiro e das suas mais relevantes personalidades. E tantos foram, desde os que ocorreram na década de oitenta do passado século, assinalando os centenários dos nascimentos dessas mesmas personalidades, até ao que se realizou já na primeira década deste século sobre António Sérgio e organizado pelo Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa. E, no entanto, de cada vez que nos aproximamos dos grandes vultos seareiros, somos sempre surpreendidos por novos ângulos de abordagem e originais aprofundamentos das múltiplas dimensões dos respectivos magistérios. Como se fossem filões inesgotáveis a inspirarem sucessivas vagas de pesquisa por parte de renovadas gerações de estudiosos". 

António Reis
do Prefácio

*Apresentação dia 5 de Março, às 18h30, na sala D. Pedro V da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Carnaval

(...)
Tenho náusea carnal do meu destino. 
Quase me cansa me cansar. 
E vou, Anónimo, (...) menino, 
Por meu ser fora à busca de quem sou. 

Álvaro de Campos
(s.d.)

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Pôem-se as pessoas a perguntar

Uns Holandeses compraram o iade, sabia?

Põem-se as pessoas a perguntar.

 ― Claro. Ele diz, pregando-lhes um susto.

Longo silêncio.
Digamos que hesitam.
Falam: ― É que, assim, bom, por um lado...

Preparam a tagarelice.
Ouvem-se passos.
Um homem avança muito rapidamente.
É de noite.

― Desculpar-me-á, mas.
― Ora, compreendo perfeitamente.

E sai de cena.

Ouve-se um assobio e dois bocejos.
Um terceiro homem entra no aposento.
Minutos depois sai a plateia.

FIM

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

"Actualmente a Universidade em nada se diferencia do liceu"



 Francisco Sottomayor entrevista António Quadros 
Flama, ano XIV, n.º 516, Lisboa, 24 de Janeiro, 1958, pp. 7-8
via Liceu Aristotélico

Filho de António Ferro, o homem que pôs em movimento o melhor pensamento do Orfeu, e de Fernanda de Castro, sem dúvida a primeira poetisa portuguesa de todos os tempos, à qual só é comparável Florbela Espanca, António Quadros teve de defrontar, para rasgar o caminho da sua descoberta filosófica, os obstáculos da maledicência e da inveja que sempre explicam, por motivos inferiores, o que depois o filósofo atento à individualidade dos Verbos vê radicado numa inspiração própria.

Autor de numerosa e variada obra, publicou dois livros de poesia Além da Noite e Viagem Desconhecida, e vários livros de ensaio como Modernos de Ontem e de Hoje, Introdução a uma estética existencial, Problemática Concreta da Cultura Portuguesa, etc.
Encontrei António Quadros na Brasileira do Rossio, onde o conhecido escritor se costuma reunir com os seus camaradas do 57. A ideia de o entrevistar nasceu de ser o autor de A Angústia do nosso tempo e a crise da Universidade.

- O Sr. Dr. publicou, em 1956, um livro intitulado A Angústia do nosso tempo e a crise da Universidade. No ano seguinte começou a publicar a sua revista 57 que agora se apresenta como orgão do "Movimento de Cultura Portuguesa". Haverá alguma relação entre as duas publicações?

- É com o maior prazer, Francisco Sottomayor, que respondo à sua pergunta. Foi em 1952, isto é, quatro anos depois da minha formatura, que comecei a escrever sobre os problemas da educação e da Universidade. Estes problemas de há muito me vinham preocupando, praticamente desde os meus primeiros dias de aluno universitário. Com efeito, desde logo verifiquei que a Universidade não se diferenciava substancialmente do liceu. Durante os meus quatro anos de aprendizato pude observar, em primeiro lugar, que a Universidade não ministrava qualquer forma de educação do espírito, em segundo lugar, que o seu ensino era meramente histórico e positivista. Mais concretamente: todas as aulas de filosofia ou de história eram constituídas por secas exposições de doutrinas ultrapassadas, segundo histórias, compêndios ou sínteses de vulgarização cultural. Verifiquei que não apenas o professor ocultava as suas fontes de informação, como não manifestava no seu ensino uma adesão a qualquer das doutrinas, que eram expostas como peças de museus.

- Compreendo perfeitamente. O Sr. Dr. refere-se ao carácter meramente historicista do ensino universitário da filosofia. Os historiadores, os técnicos da história, são como que máquinas de transformação do tempo em passado.

- Foi assim, por exemplo, que em História da Filosofia Moderna, nunca passámos de Kant. Foi asssim que nunca foi dada a menor indicação sobre uma filosofia portuguesa actual ou mesmo potencial. Foi assim que me ensinaram vários resumos de doutrinas passadas ou alheias, mas nunca me ensinaram a pensar. O Francisco Sottomayor tem inteira razão. Se fora da Universidade eu não tivesse encontrado um verdadeiro mestre estaria ainda na situação daqueles alunos brilhantes que conquistaram boas notas e os favores da classe catedrática os quais, uma vez terminado o curso, nunca mais se ocuparam ou preocuparam da situação do homem no mundo, na relação entre Deus e a Natureza, ou de qualquer problema de ordem superior. Com uma única diferença; fui um aluno medíocre. Estudar pouco e mal foi a minha defesa contra um sistema negador do pensamento, da imaginação e da liberdade de conceber novas gerações, inadequada aos problemas e às preocupações do homem português.

- Acha o Sr. Dr. que os universitários se interessam autenticamente pelos problemas da cultura ou que apenas pretendem passar nos exames para concluir o mais depressa possível os seus longos cursos? O estudante universitário não terá tempo para se dedicar à cultura ou, pelo contrário, dedicar-se-lhe-ia inteiramente se o regime de estudos fosse outro?

- Creio que o universitário, como universitário, é praticamente indiferente à cultura. Creio que o universitário, como homem, está aberto aos problemas do espírito. O que se verifica é que há duas espécies de universitários: os que se identificaram totalmente com o universitarismo, desprezando outras fontes de cultura mais viva, criadora e nacional; e os que procuram fora da Universidade os esclarecimentos que a instituição, com a sua burocracia de funcionários, não tentou sequer dar-lhes. Aqueles preocupam-se apenas com os exames e os concursos e constituem o campo de recrutamento dos professores catedráticos e dos políticos; estes uma minoria, são os heróis: maltratados pelo sistema universitário, maltratados pela sociedade, radicada no sistema, muitas vezes ficam pelo caminho, muitas vezes desistem, e quando o não fazem obtêm as piores classificações. Mas é deles que saem os filósofos, os escritores, os artistas, os missionários de uma cultura autêntica e insofismada. Aqueles dominam o mundo, mas são estes que o fazem caminhar para o futuro.

- Estou-me lembrando de um artigo publicado no Diário Ilustrado por um empregado da Universidade, em que se defendia a doutrina contrária, como se Sampaio Bruno tivesse sido universitário, como se Leonardo Coimbra não tivesse desistido das provas de concurso à Faculdade de Letras de Lisboa, como se Fernando Pessoa não tivesse dito que quando se sai de uma faculdade, o primeiro trabalho é desaprender o que ali se aprendeu...

- Se o regime de estudos fosse modificado? Mas com certeza que o universitário seria diferente. Bastava que a Universidade se propusesse realizar fins espirituais e não, como até aqui, unicamente fins de técnica ou erudição.

- Eu sou estudante na Faculdade de Ciências. O Sr. Dr. é formado em filosofia pela Faculdade de Letras. Pode-me dizer a sua opinião sobre se os cursos de ciências deveriam ter cadeiras de filosofia e os cursos de filosofia deveriam ter cadeiras de ciências?

- Sem dúvida. Todo o homem é um pensador, porque todo o homem pensa, mas todo o homem deve ser um filósofo porque não se admite viver de olhos fechados. Deus deu aos homens um corpo, uma alma e um espírito e portanto deu-lhes as faculdades necessárias para procurar a beleza, o bem e a verdade. Existir em puro egoísmo do quotidiano repugna a todos os homens, mesmo que o façam por deficiência de educação. Se a filosofia, na concepção portuguesa de sinal aristotélico é o estudo da antropologia, da cosmologia e da teologia, é evidente que todo o universitário, ao mesmo tempo que aprende uma técnica e uma profissão, deve estudar o Homem, a Natureza e Deus, sem exclusão de qualquer destes três ramos, pois é na sua interligação mútua que a verdade se dá aos homens.

- O Sr. Dr. referiu-se aos problemas teológicos. Parecendo que não, são eles os que mais interesse despertam entre os estudantes universitários, por vezes descontentes com a apologética. Um exemplo disso, é o facto de ter sido muito discutida a sua posição, e a de alguns colaboradores do 57, quanto ao mistério da SS. Trindade e, particularmente, quanto ao paracletismo e uma preponderância actual do Espírito Santo da terceira pessoa da Trindade Divina.

- Refere-se, sem dúvida, à minha crítica ao recente trabalho de Agostinho da Silva sobre a filosofia da história portuguesa, à luz de uma missão do Espírito Santo. Sei que esse meu artigo teve várias interpretações, nem sempre certas, e a culpa foi porventura minha... e da dificuldade de um tão alto problema teológico. O que penso, como católico e como aprendiz de teólogo, é que é preciso interpretar a História à luz, não apenas de uma Antropologia cosmológica, mas sobretudo à luz de uma Antropologia cosmoteológica. Por outro lado, afigura-se-me que a religião e, no caso que mais interessa, a religião portuguesa, não procedeu à actualização da SS. Trindade, em todas as suas três pessoas. Esquece-se demasiado que o catolicismo é uma religião trinitária e cai-se demasiadas vezes na concepção em que Deus se revela como uma única pessoa: a de Cristo. Ora é preciso insistir, para o desenvolvimento do espírito humano e da humanidade, em que a SS. Trindade é, por outras palavras, a actualização de Deus, Deus em missão junto dos homens. Esta missão está perfeitamente esclarecida desde S. Paulo quanto à pessoa do Pai (o tempo da lei) e à pessoa do Filho (o tempo da fé). A lei moral e os Sacramentos consignam e promovem a ligação dos homens, ou a sua resposta, ao Pai e ao Filho. Já quanto à missão do Espírito Santo, o Consolador, o dispensador da sabedoria, o promotor da fraternidade universal, os homens de hoje parecem ser-lhe mais surdos ou mais cegos. Daqui a minha insistência.

- Sim, agora vejo. Também eu fui levado a ver no seu artigo uma directriz conducente à defesa de um culto de tipo protestante, com a respectiva submissão ao amor abstracto e correspondente concretização em acções sociais. Porque, já que se trata de filosofia portuguesa, há que referir o problema às acções católicas que foram os descobrimentos marítimos. Não é assim, Sr. Dr.?

- Os descobrimentos marítimos, a primeira grande missão da história portuguesa, estão ligados a Cristo porque foram realizados pela Ordem de Cristo, de que foram grão-mestres D. Dinis, o Infante D. Henrique e D. Manuel, mas também ao Espírito Santo como o sublinha particularmente Agostinho da Silva, interpretando alguns sinais irrefutáveis, como os Painéis de Nuno Gonçalves, que retratam, com a presença do Infante e dos navegadores uma cerimónia do culto do Espírito Santo, e a instauração do mesmo culto pelos nossos navegadores do século XV na Madeira e nos Açores, onde aliás ainda hoje se realizam as festas do Espírito Santo. Estas tradições parece terem-se perdido, e creio que a religião portuguesa muito ganhará em repensar a missão da terceira pessoa da SS. Trindade. Não podem esquecer, além disso, a profunda relação entre a Virgem e o Espírito Santo. O estudo desta relação em muito iluminará, estou convencido, a grande adesão do povo português a Nossa Senhora, protectora de Portugal.

- Agostinho da Silva refere-se à heresia de Joaquim de Flora...

- Não conheço as obras do franciscano Joaquim de Flora, mas creio que os seus adeptos quiseram promover a separação dos três cultos, o do Pai, o do Filho e o do Espírito Santo, quase os considerando três religiões separadas. Tal não é o meu pensamento. Como lhe disse, apenas me seria grato ver completado, em acção, o trinitarismo da religião católica portuguesa que no domínio do Espírito Santo se me afigura vaga, nebulosa, ineficaz e indiferente. Ora a iluminação do espírito humano pelo Espírito Divino, iluminação constante e vitalmente necessária, não me parece ser factor de somenos. A este respeito, é bem claro o Evangelho de S. João. Para que a cultura se harmonize com o culto e a filosofia com a religião, fim superior do espírito, é necessário que o trinitarismo divino, a relação dos homens com o Pai, o Filho e também o Espírito Santo, seja efectuada sem indiferença por qualquer destes reinos do infinito divino.

- Aliás, isto de insistir no Espírito Santo quando outros insistem no materialismo dialéctico, poderá representar uma tese de uma antítese ou uma antítese de uma tese, cuja síntese portuguesa, em teologia, se situará nos mistérios marianos.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O galego ajudou o português de Lisboa a casar-se e a ser feliz

Fernando Assis Pacheco em entrevista a Xan Leira. Na Galiza, em 1995.

Dança

"São homens da dança todos os que a sentem, não como supérfulo, mas como uma exigência vital. (...)"

António Quadros
"A dança, primeira forma da para-existência artística"
 57, ano I, n.° 3-4

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Um dia Paris aborreceu-se

"(...) Um dia Paris aborreceu-se e expulsou os reis, outro dia aborreceu-se e acolheu os imperadores. Às vezes Lisboa aborrece-se e entra na política – como homens que entram no banho são pisados pela maresia, são feridos pelas areias, esfriados pela neblina e vêm, contentes e transidos, enxugar-se ao sol! Lisboa toma atitudes, clama, conjura nas esquinas, e bondosamente afastada pela policia, e vem, toda gloriosa e feliz pelas tiranias derrubadas, reler a cartilha! (...) Fica-te em paz, Lisboa! És Baixa e magnífica. Os que te quiserem abençoar terão. de se curvar um pouco para a lama: mas consola-te, se alguém te quiser amaldiçoar terá de se aproximar bastante de Deus! Tu dorme, digere, ressona, soluça e cachimba. E se algumas lágrimas em ti caírem, vai-as enxugar depressa ao sol! Fica-te em paz! Os que têm alma não querem a luz dos teus olhos; podes consumi-la a contemplar o céu e os universos; por causa do teu olhar sempre erguido para lá, ninguém terá ciúmes do céu! Os que têm coração não querem as carícias das tuas mãos: podes emagrecê-las a rezar a Jesus; por causa das tuas mãos sempre erguidas para ele, ninguém terá ciúmes de Deus! Tu tens a beleza, a força, a luz, a graça, a plástica, a água resplandecente. a linha magnífica. resigna-te. ó Lisboa querida. o clara cidade bem-amada. ó vasta graça silenciosa, resigna-te. o doce Lisboa, coroada de céu, resigna-te – a não ter alma! "
Eça de Queiroz
"Et nune semper" em Prosas Bárbaras

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

O respeito pela verdade manda dizer

"O respeito pela verdade manda dizer que esta escola superior funcionou afastada da simpatia dos portugueses cultos e dos representantes das entidades oficiais, pois basta rememorar que até professores e estudantes das Faculdades mais antigas olhavam com desdém para a nova escola de humanidades. A extinção da Faculdade de Letras foi admitida com indiferença pela maioria da população da cidade. Não houve perseverança, nem persistência na atitude que competia às autoridades políticas e administrativas, às instituições culturais, à imprensa diária e até às associações de interesses económicos: renovar, tantas vezes quantas as possíveis ou necessárias, o respeitoso e fundamentado requerimento em que se solicitasse do Ministro da Educação Nacional o restabelecimento de uma escola indispensável ao aperfeiçoamento cultural das novas gerações portuenses. (...)" 

 Álvaro Ribeiro
«O Tripeiro», l de Novembro, 1945. Porto

Só aparentemente

"Aparentemente, a Escola era frustre. A sua própria instalação suburbana, numa moradia de arquitectura banal, parecia dar-lhe um certo ar de envergonhada. As carteiras eram mesquinhas, as salas exíguas, as cátedras quase ridículas. Por isso nas outras Faculdades se dizia com ar displicente: — «B a Faculdade das Tretas» — «É a Capelinha de Leonardo». (...)"

Sant'Anna Dionísio
"A Quinta amarela", O Primeiro de Janeiro, 12-3-1958

Festas da terra


"Seria necessário, entretanto, acrescentar algo mais. Pois ainda não foi dito que a felicidade deve ser inseparável do otimismo, custe o que custar. Ela está ligada ao amor — o que não é a mesma coisa. Pois conheço certos momentos e lugares em que a felicidade pode parecer-nos tão amarga que preferimos apenas sua promessa. Isso porque, nesses momentos ou nesses lugares, eu não tinha coragem bastante para amar, isto é, para não renunciar. O que é preciso mencionar aqui é o ingresso do homem nas festas da terra e da beleza. Pois, nesse instante, tal como o neófito deixa cair seus derradeiros véus, o homem abre mão, diante de seu deus, da insignificante moeda de sua personalidade. (...)"

Albert Camus
"O Deserto" em Núpcias, O Verão
Editora Nova Fronteira (1979)

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

A sofridão transborda-se

"Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre. (...)"

Eça de Queiroz

quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

O gato e o corão

"Recebi do Mário Rui, o islamita, uma preciosa oferta, o Corão em Árabe, com dourados, um livro muito belo que, infelizmente não posso ler. 
Em casa, estive a folheá-lo com a minha mulher e pu-lo por fim sobre o tampo da camilha, à volta da qual estávamos sentados. O nosso gato saltou para cima da camilha, subiu para cima do livro, com as quatro patas nos seus quatro ângulos e estendeu-se deixando levantada a parte de trás como quem se espreguiça, desenhando exactamente a figura da prosternação, que é nos muçulmanos o terceiro momento da prece. E coisa ainda mais espantosa e assombro dos assombros, ficou nessa postura imóvel dutante quinze minutos. Estava voltado para Meca. 
Contei ao Mário Rui, mas, sem dizer uma palavra, despediu-se de mim com um aceno de cabeça. O que ficou pensando?"

Congeminações de um Neopitagórico (2006-2009)

segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

Por conseguinte

"Admitindo, porém, que o corpo seja totalmente divisível, suponhamo-lo dividido. O que poderá restar? Uma grandeza? Tal não será possível, pois haveria algo que não teria sido dividido, e admitimos que o corpo era totalmente divisível. No entanto, se não restasse corpo nem grandeza e houvesse divisão, ou o corpo seria constituído por pontos, sendo desprovidas de grandeza as coisas de que fosse composto, ou nada seria em absoluto, — pelo que, neste caso, o corpo de nada seria proveniente e de nada seria composto, e o seu todo nada mais seria do que aparência. (...) Por conseguinte, se se supuser que qualquer corpo, qualquer que seja o seu tamanho, é totalmente divisível, serão estas as consequências. (...)"

Aristóteles
Sobre a geração e a corrupção (2009)
Centro de Filosofia da UL | Imprensa Nacional-Casa da Moeda

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Ensaio para uma teoria do Brasil

"Não me parece que no futuro cultural do Brasil a filosofia, tal como a entendemos até hoje, venha a ter uma grande importância, possivelmente porque há uma íntima contradição entre os seus objetivos e os seus métodos; de fato não se pode fazer filosofia como tanta vez se tem tentado, com o resultado de se produzir apenas literatura e da pior, sem métodos rigorosamente discursivos, em que sempre intervém como peça fundamental a distinta existência dum sujeito e dum objeto; mas a meta última de um verdadeiro impulso filosófico, como doutrina de compreensão ou doutrina de salvação, é a de se atingir um estado em que se apresente uma última realidade não dicotômica na qual nos incluamos, ou ela nos inclui a nós; por outras palavras, procuramos um sujeito ou pelo menos um ser em que se fundam sujeito e objeto, o que significa que há um ponto além do qual é impossível avançar em filosofia por métodos filosóficos; e aqui aponta, por um lado, o misticismo, por outro a filosofia apenas vivida, não sistematizada, que tem sido característica da nossa gente comum. (...)"

Agostinho da Silva
Espiral, Ano III, n.os 11-12, Lisboa, 1966

A multidão dos fracos é cada vez de tentação maior

"O que, porém, sucede, é que se entretêm demais os artistas, e nada julgam ser se o não fizerem, com filosofias que apenas têm como origem o não se saber, o não se pensar e o não se querer; esteticismos de sobremesa substituem o rancho de trabalhar e produzir; nas conversas de sociedade de bom tom se diluem os caracteres que só o silêncio e o isolamento poderia dignamente martelar; toma-se o tranquilizante para afastar angústia que tão bem-vinda seria como sinal de Deus; bebe-se porque se está triste, não para celebrar a alegria; ninguém mais sabe estar de pé ou andar a pé: cadeira e automóvel se redesenham, se aperfeiçoam; e a multidão dos fracos é cada vez de tentação maior para o domínio dos ousados sem escrúpulo (...)"

Agostinho da Silva
Espiral, Ano I, n.os 4/5, Lisboa: 
Tipografia Peres, 1964-1965, p. 24-36

O Brasil como se projeta

"O Brasil não poderá nunca ser o guia e o instaurador de uma cultura de verdadeira convivência, entre os homens e dos homens com o mundo, de verdadeira liberdade, que não é apenas a liberdade política, mas igualmente a liberdade econômica, a liberdade de agir como ser físico independentemente das reais ou supostas fatalidades do universo, e de liberdade de criação poética, quer essa poesia seja a de uma interjeição lírica, ou a de uma equação ou a de um motor melhor que Diesel, sem que entenda que isso é conhecer como se formou, a partir das três grandes correntes do índio, do português, do africano, como age no seu presente, depois de ter assimilado tanto outro grupo imigratório e de se ter posto em contacto com tantos outros povos do mundo, e sobretudo como se pensa, ou fantasia, ou se projeta para seu futuro, quanto aos indivíduos que o compõem, quer sejam os de um São Paulo, técnico e metropolitano, quer os de um Nordeste que só agora começa libertando-se de ser uma colônia do referido São Paulo. Se é que São Paulo não vai tentar que continue seu regime colonial por meio de um neocapitalismo disfarçado em nacionalismo econômico. (...)"

Agostinho da Silva
Cadernos de Estudos Brasileiros, Goiânia: 
Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Federal de Goiás, 
nº 1, outubro de 1963, p. 29-34

O brasil que os estrangeiros não conhecem

"No entanto, basta que o observador, pondo de lado os livros das bibliotecas eruditas, e os quadros dos museus ou exposições eruditas, e as reuniões dos homens eruditos, que com tanta frequência se exportam ao estrangeiro, viaje pelo interior de Rio Grande ou Minas ou atravesse os sertões do Nordeste e se demore com alguma atenção no estudo daquela gente que um dia alimentou o Brasil, ou lhe deu as primeiras bases daquele barroco que é apenas um dos aspectos de um maior barroco atlântico tão demorado em surgir, ou afirmou em Canudos, morrendo, o seu direito a originalidade, basta o conhecimento embora ligeiro daquele Brasil que se recusa a julgar seu destino, esperar no cais o último e louco ditame de além-mar, para entender como está inteiramente errado o Brasil que os estrangeiros conhecem e, por outro lado, para perceber como assenta em bases inteiramente brasileiras uma literatura como a de Mário de Andrade ou uma arquitectura que, no melhor, já vai unindo a abstracção e o barroco. (...)"

Agostinho da Silva
57, Lisboa, n.º 5, setembro de 1958

Os meus actos

"É saudade, mas não é só saudade. Isto vem de muito fundo. Os meus actos são guiados por mãos desaparecidas e a minha convivência é com fantasmas. (...)"

Raul Brandão
Os pescadores (1923)

domingo, 18 de janeiro de 2015

Aos burgueses civilizados

"O homem medíocre caracteriza-se pelo medo constante do imprevisível e daí, no ilustrado analfabeto que é o burguês civilizado, a inabalável confiança na Ciência, que admira e à qual está intimamente agradecido porque lhe permite ter automóvel, televisão e frigorífico, mas sobretudo porque funciona para ele como a grande redutora do mistério que o perturba e inquieta. Nada há, para ele, que a Ciência não possa e saiba explicar. Deus será uma vaga ideia remota de que falam livros que nos vêm da época da ignorância humana e as religiões, tão antigas como a treva em que vivemos, como as lendas e a crendice popular. Pelo sim pelo não, alguns vão à missa, porque na Igreja está um Deus socializado, em relação ao qual a religião estabeleceu formas inócuas de convivência, que porventura lhes garantam a comodidade e o bem-estar na outra vida, se for caso dessa vida existir.
A Ciência é assim com inicial maiúscula o órgão de conhecimento da burguesia. Mas, se Deus puder vir a ser contado, pesado e medido, só então se torna indubitável para ela a sua existência. De vez em quando, porém, nasce um extravagante genial, que traz a inquietação que se julgara ter expurgado de uma vez para sempre, e que de novo acorda os outros homens para o sentido do mistério. Um Fernando Pessoa ou um Álvaro Ribeiro não se podem ignorar como ninguém pode ignorar Shakespeare, porque souberam escrever as palavras que fazem ver. Como neutralizá-los? Há dois processos: um é o de lhes calar o nome, como se eles não tivessem existido, mas como, mais tarde ou mais cedo, isso se torna impossível de manter, recorrem ao outro processo que é o de tomá-los como objectos da Ciência, estudando-os como se de plantas ou de animais se tratassem ou, quando muito, de fenómenos psicológicos ou parapsicológicos."

 António Telmo 
(inédito aqui)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

A ideologia da avaliação

"A ideologia da avaliação quer sempre incutir a falsa consciência, como todas as ideologias, de que é neutra e objectiva, e não subjectiva e produto de uma vontade particular. (...)"

António Guerreiro
Jornal Público, 16 de Janeiro de 2015

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

A vila é a vida que é o simulacro

“A vila é um simulacro. Melhor: a vida é um simulacro. (...)"

Raul Brandão
Húmus (1917)

quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Portugal e Brasil

"A dimensão universal dos países ou das comunidades não se mede em termos de quantidade. Não são criadores de civilização, não são arautos do futuro, não são agentes do movimento histórico, que amplia e enriquece a humanidade, os países ou as comunidades por terem milhares de quilómetros quadrados, centenas de milhões de habitantes ou um grandioso potencial económico ou bélico. Todas as nações são mátrias a um nível, mas só quando reconhecem e assumem a pátria ou o espírito dinâmico a que realmente pertencem, são capazes de virar o curso da história (...).
É nossa convicção que Portugal e Brasil de hoje, politicamente independentes e autónomos no plano da mátria ou da nação, todavia se unem na vinculação a uma pátria transcendente, representada em primeiro lugar pela língua comum, veículo de um espírito irradiante, expansivo e exigente do dinamismo que lhe estamos a negar, por desacerto filosófico. Que pátria é esta? A nossa pátria é a língua portuguesa. Não é Portugal e não é o Brasil. É infinitamente mais antiga, mais profunda, mais promissora e mais futurante. Falta-lhe um nome, que não ousaremos propor. Pátria paraclética, pátria espiritual, pátria movente, pátria todavia encoberta e em transe de revelação no drama e na epopeia da nossa história. António Vieira, um luso-brasileiro, chamou-lhe Quinto Império. (...)"

António Quadros
Seminário de Literatura e Filosofia Portuguesa
 1988, Friburgo, Suíça

Quem lhe mandou ser infinito?

«De porta em porta»
Alexandre O'Neill

Quem? O infinito?
Diz-lhe que entre.
Faz bem ao infinito
estar entre gente.

– Uma esmola? Coxeia?
Ao que ele chegou!
Podes dar-lhe a bengala
que era do avô.

– Dinheiro? Isso não!
Já sei, pobrezinho,
que em vez de pão
ia comprar vinho . . . 

– Teima? Que topete!
Quem se julga ele
se um tigre acabou
nesta sala em tapete?

– Para ir ver a mãe?
Essa é muito forte!
Ele não tem mãe
e não é do Norte . . . 

– Vítima de quê?
O dito está dito.
Se não tinha estofo
quem o mandou ser
infinito?

Na luta

“Todo o espírito superior, na luta vencedora contra a materialização, ou se mata, como Antero de Quental, ou, como Frei Agostinho da Cruz, força a barreira tenebrosa e ajoelha, rezando, aos pés de Deus...” 

Teixeira de Pascoaes
Os poetas lusíadas, Assírio e Alvim, Lisboa, 1987, p. 115

terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Grau de passagem


“Todos os artistas que fizeram o seu auto-retrato ao longo dos tempos não foi porque se achassem particularmente belos ou interessantes mas porque assim avaliavam o seu grau de passagem. Eu escrevo o meu nome. (...)” 
Ana Hatherly
A idade da escrita e outros poemas, Escrituras, 2005.

A face cansada da minha mãe


"O salão era excessivamente grande para mim, os cães ladravam para o agouro das trevas, eu estava só no mundo. De longe, da minha infância perdida, veio a ternura da memória, a face cansada de minha mãe, a luz suave de tudo para nunca mais. E uma saudade densa caiu-me, como um peso, na alma. E chorei longamente, um choro recolhido, só choro para mim. Chorei quanto pude, até que a noite foi minha irmã e eu fui irmão da noite, um diante do outro, calados e de mãos dadas. (…) Desde então, sentimo-nos mais sós. Solidão estranha e inquieta. Erguia-se como um muro da desconfiança mútua, do receio da derrota e humilhação, da avidez do triunfo. Pequena guerra infantil, sim. E no entanto, como me agride ainda a sua crueldade! Decerto porque o peso da dor nada tem que ver com a qualidade da dor. Porque a dor é o que se sente e nada mais. Desisto definitivamente de me iludir com a minha força de adulto sobre o peso de uma amargura infantil. (...)." 

 Vergílio Ferreira
Manhã Submersa (1954)

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

No jardim

"No jardim que entrevejo pelas janelas caladas do meu sequestro, atiraram com todos os balouços para cima dos ramos de onde pendem; estão enrolados muito alto, e assim nem a ideia de mim fugido pode, na minha imaginação, ter balouços para esquecer a hora. (...)"

Fernando Pessoa em carta a Mário de Sá-Carneiro
14-3-1916

Educar

"Em Portugal educar tem um sentido diferente; em Portugal educar significa burocratizar. Exemplo: Coimbra. (...)" 

 Almada Negreiros
Ultimatum Futurista (1917)

terça-feira, 6 de janeiro de 2015

Nem polémica nem academismo


"Pergunto: Se me propus a exprimir a minha estranheza pelo relativo silêncio e desinteresse à volta de dois livros notáveis, como poderia eu deixar de em larga medida ser polémico? Joel Serrão é que o poderia deixar de o ser perante o livro de Marinho. De modo nenhum quero dizer que o renunciasse a discuti-lo, ou a julgá-lo e apontar o que tivesse por suas deficiências. (...) Só quero dizer que a sua atitude poderia ter sido de esforço de compreensão. (...) O livro de José Marinho não lhe solucionou nenhum problema, nem lhe apontou nenhum caminho para a solução dos seus problemas. (...) Deixando, porém, este tom, sem desaproveitar inteiramente o sumo do que foi dito: Se a complexidade do homem é um facto; se, como reconhece Joel Serrão, por vários caminhos se poderia ir à procura da Índia (...) - pergunto: Não poderemos deixar de reduzir a mera ilusão duma maturidade antecipada o esforço do autêntico crítico para julgar as obras dum plano que até certo ponto transcenda o individual? (...)"

José Régio 
"Da literatura e da crítica, Nem polémica nem academismo" 
Mundo Literário, Semanário de Crítica e informação nº39, 1 de Fevereiro de 1947

Comedido, sergiano, discreto, morno


"Com risco de me tornar desagradável aos visados, exemplificarei com o seguinte caso: Sobre O Pensamento Filosófico de Leonardo Coimbra [de José Marinho], publicou Joel Serrão, na «Seara Nova», um longo artigo. Joel Serrão é, sem dúvida, um nome já prestigioso entre os dos críticos mais recentemente revelados. Mas o que é, na realidade, o seu artigo sobre o livro de José Marinho? Uma declaração de oposição de atitudes: uma obra de polémica. Sobre um tão longo e meditado belo ensaio de crítica interpretativa, não quis ou não pode escrever Joel Serrão com a simpatia indispensável ao reconhecimento da qualidade da obra. Se me não atraiçoa a memória, o mais encomiástico adjectivo concedido por Joel Serrão ao livro de José Marinho - foi o comedido, sergiano, discreto, morno atributo de «relevante». (...)"

José Régio 
"Da literatura e da crítica, obras de qualidade"
Mundo Literário, Semanário de Crítica e informação
nº36, 11 de Janeiro de 1947

"Irracionalidade do Eterno Retorno" por Sant'Anna Dionísio


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Mundo Literário, Semanário de Crítica e informação, nº9, 6 de Julho de 1946